O Bairro do Recife nasceu como uma “lingueta de terra que, com o tempo, a partir de sucessivos aterros, assumiu a configuração atual de ilha”, cercada por quatro pontes, fazendo uma interligação com o continente. A lingueta ficava entre o mar e os rios Beberibe e Capibaribe e era o embrião da cidade do Recife, explica publicação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPhan/MInistério da Cultura). A então pequena vila era tida como uma extensão do município vizinho de Olinda.
No período holandês, o bairro foi crescendo e a estrutura habitacional sendo estendida para os arredores – hoje, bairros de São José, Boa Vista e Santo Antônio. Conquistou até o título de dona do “maior porto e cidade mais cosmopolita das Américas”. Sua densidade populacional foi tão alta que chegou a ser comparado à Faixa de Gaza nos dias atuais, no Oriente Médio.
“Era uma faixa de terra com área dez vezes menor que a atual”, explica artigo intitulado “Intervenções físicas históricas no bairro do Recife e os reflexos nas suas funcionalidades”, assinado por cinco pesquisadores da Universidade Rural de Pernambuco (UFRPE) na Revista Científica Rural Urbano Vol. 1/2016. Segundo descrevem os estudiosos, o Recife concentrou uma das maiores densidades populacionais do mundo.
Estima-se que em 1910 a população era de apenas 13 mil pessoas. Com o passar dos séculos, ganhou força e estrutura própria até se tornar uma unidade política específica. No início do século XX, o Bairro do Recife passou por grandes reformulações, sobretudo para atender às demandas das obras do Porto do Recife e ao escoamento da produção da zona canavieira. Entre 1911 e 1915, a península foi “rompida” e transformada em ilha. Essa intervenção teria ocorrido para contribuir com uma política nacional de higienização das capitais. Ali estava o ponto de partida para uma elitização. A ideia era transformar a imagem do bairro colonial em imagem de prosperidade, beleza e civilidade.
O conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico do Bairro do Recife pode ser encontrado no livro do tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, sob o n.º 119, de 15 de dezembro de 1998, e no livro do tombo de Belas Artes, n.º 614. Os documentos são citados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) , no “Encarte rotas do patrimônio – Uma viagem através da história”, publicado pelo Ministério da Cultura em parceria com o programa Monumenta-Bid, como parte da série “Rotas de Patrimônio”.
Entre 1940 e 1970, cresceu nos arredores uma comunidade de extrema vulnerabilidade social, que ficou conhecida como Favela do Rato.
Este processo só foi interrompido na década de 1990, e, a partir de 1992, tornou-se foco de um Plano de Revitalização do Bairro do Recife, com revitalização do casario e dando funcionalidade cultural, de lazer e de diversão aos imóveis. A Rua do Bom Jesus era o centro deste modelo.
O projeto turístico dos anos 90, com incentivos temporários, acabou não se sustentando a longo prazo, fazendo com que o Recife entrasse em novo declínio. O entorno passou a abrigar ainda mais recifenses e comunidades carentes. Depois, contou com intervenções artísticas por volta de 2000, quando foi instalado o Parque das Esculturas, com obras do artista plástico Francisco Brennand.
A retomada da área para ocupação empresarial, a revitalização dos prédios históricos e a recolocação do bairro na cidade se deu com a fundação do Porto Digital, em 2000. O projeto inicialmente era pensado para os arredores da Universidade Federal Rural de Pernambuco. A sugestão de deslocar o que seria um grande ecossistema de empresas de tecnologia surgiu como estratégica para o Bairro do Recife ganhar novamente importância e vida pujante.
Links abaixo para os primeiros textos da série:
LABORATÓRIO PARA UM NOVO MODELO URBANO
Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados
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