A Rua do Bom Jesus, símbolo do Recife e hoje considerada uma das mais bonitas do mundo, já foi Rua do Bode, Rua dos Judeus e Rua da Cruz antes de ter o atual nome. É uma história que remete aos primeiros séculos da colonização, ainda no século 17.
Nos meados dos anos 1500, o Recife era apenas o atual Recife Antigo, sendo um pequeno povoado localizado ao Sul de Olinda – que abrigava a sede do governo da capitania de Pernambuco. Era um arraial ligado ao porto, sofrendo poucas alterações até meados de 1600.
Tudo muda com a chegada dos holandeses, que destroem parte de Olinda e passam a ocupar as ilhas que hoje formam o Recife. O Brasil Holândes tinha liberdade religiosa, assim como havia nos Países Baixos. Pernambuco, então, passou a receber muitos judeus.
A vinda de judeus se intensificou com os holandeses, mas eles começam a chegar aqui antes, fugindo da Inquisição na Europa. A própria Coroa portuguesa os mandavam pro Nordeste, mas sob uma condição: deveriam se converter ao cristianismo – esses ficaram conhecidos como cristãos-novos.
Dentre os judeus havia Duarte Saraiva, importante comerciante português que compra o terreno que seria a “raiz” da Rua do Bom Jesus, em 1635. Na época, ela era conhecida como “Rua do Bode” (Bockestraet).
Existem relatos de que a casa de Sariava era ponto de reunião e culto de Judeus chegados da Holanda e cristãos-novos.
Eles logo começaram a prosperar e ocupar toda aquela área, fazendo a rua ficar conhecida como “Rua dos Judeus”. Lá foi construída a primeira sinagoga das américas, que funcionou até 1654: a Sinagoga Kahal Zur Israel (Rochedo de Israel).
Por muito tempo a existência dessa sinagoga no passado só era do conhecimento de historiadores e da comunidade judaica, mas uma escavação realizada por arqueólogos da UFPE em 1999 revelou vários vestígios, inclusive de uma piscina de banho ritual (miveh).
Hoje, a história do judeus na Rua do Bom Jesus é lembrada. É pouco conhecido, no entanto, que ela também teve um mercado de escravos – o ‘Merckt opt Jodesnstraat’. Os escravizados chegavam pelo porto, eram expostos e vendidos em leilões aos senhores de engenho.
Também existiu ali o “Arco do Bom Jesus”, que era uma espécie de porta. Os holandeses construíram diversas “portas” pelo Recife. Essa seria uma norte de entrada do Norte do Recife – tendo como referência Olinda.
Com a expulsão dos holandeses, os portugueses rebatizaram a Rua dos Judeus de “Rua da Cruz”. Esse foi o nome da rua por mais de dois séculos.
Em 1850, o Governo da província de Pernambuco autorizou a destruição do Arco do Bom Jesus para dar espaço às construções do Arsenal da Marinha e para desimpedir a comunicação de ruas. Resumindo, eles achavam que a porta tinha ficado inútil.
Em 1870, o Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, reconhecendo que naquela rua por muito tempo existiu o Arco do Bom Jesus, a batizou de “Rua do Bom Jesus”. O Instituto, inclusive, atua até hoje para impedir que o nome de ruas históricas sejam mudados.
Entre as décadas de 1910 e 1920, o que conhecemos como Recife Antigo passou por uma grande reforma para ficar semelhante aos moldes de cidades europeias, tendo Paris como espelho. Um incontável número de prédios dos tempos coloniais foi abaixo, mas a Rua do Bom Jesus resistiu…
A partir dos anos 1940, o Antigo passou por uma fase de decadência e a Rua do Bom Jesus sentiu bem essa época. O bairro virou um centro de prostíbulos. A mudança veio nos anos 1990, quando foi realizada uma revitalização que também contemplou a velha rua.
Hoje, o Bom Jesus é uma passagem obrigatória para turistas de todo o mundo. O local onde existiu a antiga sinagoga abriga um museu.
Em 2019, ela foi eleita a terceira mais bonita de todo o mundo pela revista Architectural Digest, de arquitetura internacional.
É interessante olhar dois aspectos envoltos nessa beleza: 1. Ela não foi destruída pela reforma dos anos 1910/20. 2. Ela foi restaurada. Preservação e restauração, então, fazem total diferença na paisagem urbanística.