Há 90 anos, o poder público do Recife autorizou a demolição de 18 quarteirões, repletos de prédios antigos e monumentos históricos, para a abertura de uma via que seria símbolo da modernidade da capital: a Avenida Guararapes.

Entre o fim do século 19 e o começo do século 20, o bairro de Santo Antônio era o centro administrativo e comercial do Recife. Nos anos 1920, o bairro de ruas estreitas se tornou passagem obrigatória para grande parte dos deslocamentos, o que gerou um trânsito caótico.

Do acervo do Diario de Pernambuco

Ainda na década de 1920, também surge o Clube de Engenharia de Pernambuco, que enriqueceu as discussões sobre urbanismo na cidade. Além de engenheiros e arquitetos, reunia empresários, políticos e servidores públicos. Logo Santo Antônio entrou no centro desse debate.

O primeiro projeto de reforma para Santo Antônio foi feito por Domingos Ferreira (imagem), em 1927. Influenciado por Paris, ele propôs a construção de quatro avenidas unidas por uma praça com um enorme obelisco. No entanto, o projeto foi considerado inviável economicamente.

Em 1932, o arquiteto Nestor de Figueiredo apresentou o Plano de Remodelação e Extensão do Recife, que propôs a criação de duas largas avenidas num formato de Y. Esse projeto também foi criticado por diversos motivos, entre eles o trânsito.

Em 1935, o prefeito contratou o arquiteto Attílio Corrêa Lima, que bolou um projeto mais modesto, com poucos alargamentos e menos alterações no desenho urbano. Esse projeto quase foi para frente, mas o arquiteto perdeu espaço por motivos políticos.

É que, em 1937, começa o Estado Novo, fase mais dura da Era Vargas. Existia uma ideia de “modernizar” os centros urbanos, já que o país passava por um processo de industrialização. Assim, a longa discussão sobre a reforma de Santo Antônio deveria ter logo o seu fim.

O antigo plano de Figueiredo (1932) foi resgatado, mas alterado. Só ficaram duas grandes vias e seus blocos. Indo da Praça da Independência até uma ponte, a Avenida foi batizada de “10 de novembro”, para celebrar a data do golpe do Estado Novo.

A nova avenida foi uma intervenção brutal no bairro, destruindo dezoito quarteirões, incluindo ruas estreitas, prédios antigos e monumentos históricos. Foi uma construção extremamente rápida, já que no autoritarismo não era necessário consultar a sociedade civil. 

Edifícios importantes dos séculos 17 e 18 foram destruídos, como o Hospital São João de Deus, a Igreja Paraíso e o Regimento de Artilharia, onde foi dado o primeiro grito da revolução de 1817.

Os novos lotes foram ocupados por edifícios altos. O empresariado local não demonstrou interesse em ocupá-los de início, então o prefeito Novaes Filho recorreu ao próprio Getúlio Vargas para explicar a ideia da Avenida ser um símbolo do Estado Novo no Recife.

Assim, o governo Vargas levou para lá diversos escritórios da burocracia federal e serviços públicos, a exemplo dos Correios. Os poucos lotes restantes foram logo comprados, incluindo bancos e cinemas. 

E assim a Avenida Guararapes se tornou símbolo da modernidade do Estado Novo, dando um padrão de verticalização ao Recife. Nessa foto dos anos 1950, podemos ver os prédios da avenida em contraste com os sobrados ainda dominantes no Recife.

Ela também é um exemplo do urbanismo francês no Brasil, pois Figueiredo inspirou-se em parâmetros da cidade moderna de Paris em sua concepção.

ÁPICE E DECLÍNIO

Em 1948, já após o fim do Estado Novo, a Avenida foi rebatizada com o seu atual nome em homenagem à batalha que expulsou os holandeses de Pernambuco. Naquela década, o evento celebrava seu tricentenário.

Entre as décadas de 1950 e 1970, a Avenida Guararapes viveu o seu ápice com escritório de grandes empresas, vida cultural efervescente e os marcantes letreiros em neon para publicidade. +

A Avenida também era ponto de encontro dos intelectuais da época, com destaque para o Bar Savoy, que reunia nomes como Gilberto Freyre, Carlos Pena Filho, Capiba, Osman Lins, Vicente Rego Monteiro, Ascenso Ferreira, Mauro Mota, entre outros.

A sua decadência começa no final dos anos 1970, com o deslocamento de muitas atividades típicas do Centro para outros bairros. O resgate da sua utilização é um grande desafio para o Recife.

Edson Alves/PCR

Algumas iniciativas nesse sentido existem. O Recentro, da Prefeitura do Recife, tem dado incentivo para reabilitação de imóveis da região e também vem realizado o Viva Guararapes, com atividades culturais no espaço.

Principais fontes: “A Transformação do Bairro de Santo Antônio no Recife”, de Fernando Moreira, e “Avenida Guararapes: Paisagem Cultural”, de Ariadne Paulo Silva.

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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