Há 100 anos, o bairro de Boa Viagem, o mais populoso da Zona Sul do Recife, era totalmente diferente do que hoje conhecemos. Há sete décadas, numa ideia de progresso, ele daria o primeiro passo para a sua verticalização.
O começo da história do bairro está atrelada a sua capela, que até hoje existe – com modificações. Ela surgiu no começo dos anos 1700, quando o padre Leandro de Carvalho mandou fazer uma imagem de Maria com o título de “boa viagem”, como uma felicitação aos pescadores.
Em 1859, Boa Viagem teve o seu primeiro impulso de progresso com a chegada de um trecho da Via Férrea do Recife a São Francisco, que ligava o Recife ao Cabo. A estação ficava no final da atual Rua Barão de Souza Leão – na época conhecida como Estrada de Boa Viagem.
Considerada muito afastada do Centro, a área só ganhou uma maior ligação à cidade com a inauguração da Avenida Beira Mar, em 1924, durante o governo de Sérgio Loreto – que fez várias reformas modernizadoras na cidade. Até aquele momento, existiam cerca de 60 casas em Boa Viagem.
A Avenida Beira Mar, usada por bondes, tornou Boa Viagem o local favorito de veraneio de muitos recifenses. Mas ainda não era um local ideal para morar. Outro ponto de mudança foi a construção da Ponte Agamenon Magalhães, em 1953, que ligou o Pina ao Cabanga.
Com a facilidade em chegar no bairro de automóvel, os terrenos passaram a se valorizar. Anúncios em jornais da época mostram que os terrenos subiram de 4000 cruzeiros para 1,200,000 após a Segunda Guerra.
Por conta da valorização da área e do clima tropical, foi inaugurado em 1955 o Hotel Boa Viagem, que pode ser considerado o primeiro passo da verticalização do bairro. Ele tinha cerca de 100 quartos.
No âmbito residencial, os primeiros prédios só foram inaugurados em 1958, projetados por grandes arquitetos. O primeiro foi o Edifício Califórnia, de autoria do arquiteto Acácio Gil Borsoi.
Também foi inaugurado o Acaiaca, que até hoje serve como ponto de referência para os banhistas. Ícone da arquitetura moderna pernambucana, ele foi projetado pelo arquiteto português Delfim Amorim, com 11 andares e 44 apartamentos.
Já o Holiday era ainda mais ambicioso: tinha 17 andares e 476 apartamentos. Ele trouxe um modelo ousado de ocupação na época, com a mistura entre comércio e habitação no mesmo local. Com três blocos, era marcado ainda por uma curvatura – inspirada no icônico Copan, de São Paulo.
Outro marco da arquitetura daquele tempo foi a Casa Navio, construída a mando do empresário Adelmar da Costa Carvalho com o arquiteto Hugo Azevedo Marques. Tinha cinema, salão de jogos e restaurante. Hospedou o presidente J.K. Foi demolida em 1981 para dar lugar a um edifício.
Antes da chegada dos shoppings, Boa Viagem ainda chegou a ter um cine drive-in. É interessante perceber como referência ao imaginário norte-americano estava por todas as partes: edifícios California, Holiday e futuramente um “shopping center”.
Em 1980, o Shopping Center Recife consolidou a explosão populacional e comercial de Boa Viagem e deu à cidade um novo comportamento de consumo.
Principais fontes: O Recife e Seus Bairros (5ª edição), de Carlos Bezerra Cavalcanti, acervo do Diario de Pernambuco e “Boa Viagem: de área rural ao bairro mais verticalizado do Recife” (JC/NE10).
Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio
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