Há uma semana, tivemos o evento “Empresas como ecossistemas: como aprender a partir do comportamento dos clientes?” realizado em 26 de abril de 2023 e contou com a participação de Andréa Lyra, Diretora de Marketing e Comunicação do Grupo Moura, e de Daniel Ackerman, Diretor Sênior de Propriedade Intelectual do Alibaba Group, sendo a mediação realizada pelo autor desse texto, Fernando Sales.
No artigo anterior, contamos como o Grupo Moura, que iniciou como uma fábrica de baterias automotivas, se transformou num ecossistema de produção de baterias e de provimento de serviços especializados para atender às necessidades dos clientes, revendedores, fornecedores e operadores logísticos. Quem quiser saber mais, basta acessar este link.
Dando continuidade ao debate, vamos destacar uma versão da história do Alibaba Group, trazendo alguns marcos importantes e como a companhia está se preparando para um novo cenário nos próximos anos. A trajetória de crescimento desse gigante chinês guarda similaridades e diferenças em relação ao Grupo Moura, retratado no artigo anterior. Entretanto, veremos como o Alibaba cresceu inicialmente no varejo de plataformas digitais, mas se alavancando através da abertura de seu capital – oferta pública de ações – popularmente conhecida como IPO.
Antes: o que são IPOs?
A estratégia de abertura de capital de uma empresa tem como elemento-chave o processo de IPO, no qual uma parte das ações é ofertada em uma bolsa de valores, promovendo captação de recursos em volume através da venda de ações a partir de uma estimativa de valor da companhia. Após o IPO, a ofertante passa a ser listada na bolsa e as ações passam a ser negociadas no mercado, permitindo que investidores possam se tornar acionistas da companhia.
No contexto brasileiro, temos a seguinte situação: 2021 foi o ano com maior número de ofertas públicas nos últimos 10 anos, um total de 46 realizadas. O recorde da série histórica foi em 2007, quando foram realizados 64 IPOs na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Atualmente, a bolsa de valores brasileira é chamada de B3 – Brasil, Bolsa, Balcão –, resultante de um processo que envolveu a fusão das bolsas de valores existentes no país e cuja história está descrita neste link.
Entretanto, IPOs podem falhar, principalmente quando há uma euforia no mercado que pode gerar uma hipervalorização do ativo antes da negociação, levando os ativos a perder valor nos meses subsequentes. Apesar do recorde de IPOs na B3 em 2021, 75% das empresas que participaram dos IPOs fecharam o ano com retorno negativo em relação ao momento da oferta. Outro aspecto que deve ser considerado é o contexto do mercado, o que fez com não houvesse nenhum IPO na B3 em 2022.
A história do Alibaba
Em 1995, Jack Ma – um dos fundadores e ex-CEO do grupo – viajou aos Estados Unidos em uma viagem de negócios. Na época, ele liderava uma empresa de serviços de tradução e teve o primeiro contato com a internet na casa de um amigo na cidade de Seattle. Jack fez algumas buscas online e observou que não era possível encontrar cervejas chinesas em sua pesquisa e voltou para a China com a ideia de criar um serviço online que conectasse empresas chinesas com negócios estrangeiros, o que culminou com a criação do Alibaba em 1999 juntamente com outros 17 sócios.
No ano seguinte ao lançamento, o Alibaba captou US$ 25 milhões numa rodada envolvendo o Softbank e o Goldman Sachs, com os quais captou, respectivamente, 20 e 5 milhões de dólares americanos. Nas palavras de Ma, a conversa com o CEO do Softbank, Masayoshi Son, “(…) nós não falamos sobre faturamento; nós não falamos sobre um modelo de negócios (…) Nós falamos sobre uma visão [de futuro] compartilhada. Ambos tomamos decisões rápidas.(…)”.
Esse investimento foi acertado, visto que a empresa cresceu e se diversificou nos anos subsequentes e soube lidar bem com os desafios que surgiram ao longo dos anos. Em fevereiro de 2003, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou uma emergência global devido ao surto de Síndrome Respiratória Aguda Grave causada por Coronavírus (SARS-CoV) – doença respiratória similar à COVID-19, mas com menor letalidade e taxa de contágio –, o qual surgiu em Hong Kong e rapidamente se espalhou pela Ásia, Oceania, Europa e América do Norte, então classificada como uma epidemia global. A China declarou lockdown em março, o que forçou as empresas a fecharem os escritórios e o Alibaba precisou se reinventar.
Com o novo cenário, em abril de 2003, um mês após o governo chinês decretar medidas de distanciamento, o Alibaba lança a plataforma Taobao, um marketplace C2C (consumer-to-consumer) e B2C (business-to-consumer), rivalizando com o eBay na China. No entanto, nesse primeiro momento, o foco da plataforma era conectar os vendedores aos compradores, sem qualquer intermediação do pagamento. A possibilidade de intermediação financeira ajudava a prover segurança nas transações e também representava uma oportunidade de geração de valor, o que culminou no desenvolvimento da criação do AliPay em 2004, um serviço de pagamento online, que mais tarde se tornou a Ant Financial e, posteriormente, o Ant Group.
Em 2005, o Yahoo investiu US$ 1 bilhão no Alibaba em troca de uma participação acionária de 40%. Em 2007, o Alibaba.com realizou seu IPO (oferta pública inicial) na Bolsa de Valores de Hong Kong, arrecadando US$ 1,5 bilhão. Em 2010, o Alibaba lançou o AliExpress, uma plataforma de varejo global que permite que consumidores de todo o mundo comprem diretamente de fabricantes e distribuidores chineses. Em 2013, o Alibaba atingiu a marca de US$ 170 bilhões em volume de vendas, superando a combinação de Amazon e eBay. Em 2014, o Alibaba realizou o maior IPO da história na Bolsa de Valores de Nova York, arrecadando US$25 bilhões e atingindo uma capitalização de mercado de US $231 bilhões.
Essa oferta pública foi a maior da história dos mercados dos Estados Unidos e a segunda maior em todos os mercados, perdendo apenas para a Saudi Aramco, oficialmente conhecida como Saudi Arabian Oil Company.
O IPO da Saudi Aramco ocorreu em dezembro de 2019 na bolsa de valores local, a Tadawul. A empresa arrecadou cerca de US$ 25,6 bilhões com a oferta de 1,5% de suas ações, tornando-se o maior IPO da história, ultrapassando o do Alibaba em 2014. A oferta pública inicial da Aramco avaliou a empresa em aproximadamente US$ 1,7 trilhão, tornando-a a empresa mais valiosa do mundo na época.
Em comparação com o IPO do Alibaba em 2014, que arrecadou US$ 25 bilhões e obteve uma capitalização de mercado de US$ 231 bilhões, o da Saudi Aramco atingiu valor de arrecadação e capitalização de mercado significativamente maiores. No entanto, é importante notar que a oferta pública da Aramco ocorreu em uma bolsa local (Tadawul), enquanto a do Alibaba foi realizada na Bolsa de Valores de Nova York, uma das maiores do mundo.
Depois do sucesso de 2014, o Alibaba Group fez uma série de aquisições e fusões para reforçar as diversas empresas do ecossistema e a Ant Group, um dos negócios do grupo, se preparou para uma nova oferta pública de ações nas bolsas de Xangai e Hong Kong, mas o processo é interrompido pelas autoridades reguladoras chinesas. A estimativa de captação era da ordem de US$ 34 bilhões, o que seria o maior IPO de todos os tempos, quase 33% maior do que o IPO da Saudi Aramco e 36% do Alibaba. A Ant Group estaria avaliada em US$ 313 bilhões na época.
Uma analogia interessante é a seguinte: o Ant Group está para o Alibaba Group assim como o Mercado Pago está para o Mercado Livre. O Mercado Pago é a divisão de pagamentos online e fintech do Mercado Livre. Lançado em 2004, o Mercado Pago oferece soluções de pagamentos digitais, como processamento de pagamentos, transferências, pagamentos com QR code e cartão de crédito próprio. A plataforma tem crescido significativamente nos últimos anos, acompanhando o crescimento do comércio eletrônico na América Latina e expandindo sua atuação em diferentes setores.
Em março de 2023, o Alibaba Group anunciou que pretende se dividir em seis unidades de negócio independentes – Cloud Intelligence Group, Taobao Tmall Commerce Group, Local Services Group, Cainiao Smart Logistics, Global Digital Commerce Group, and a Digital Media and Entertainment Group – para que os mesmos possam abrir capital em bolsas, tenham foco em verticais específicas e também consigam ter maior flexibilidade e agilidade, bem como se adequar a questões regulatórias regionais.
O ecossistema Alibaba se tornou global e teve dificuldades para lidar com questões envolvendo propriedade intelectual, adequação a regulamentações de proteção de dados pessoais, questões políticas, dentre outras. Iremos abordar em nosso próximo artigo essas questões e como empresas e seus ecossistemas precisam se ajustar dinamicamente às mudanças causadas pelo ambiente de negócios e pelas regulamentações internacionais.
Fernando Sales é professor do Departamento de Engenharia Biomédica da UFPE e Pesquisador do Porto Digital
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