A pirataria e a falsificação de produtos têm sido amplamente combatidas globalmente pois causam uma série de prejuízos como: perda de receitas e evasão fiscal; perda de empregos; desincentivo à inovação; riscos à saúde e segurança do consumidor e danos à reputação das empresas e marcas. Um estudo de 2019 do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP) estimou que a pirataria, o contrabando e o comércio ilegal causaram um prejuízo de R$ 193 bilhões para a economia brasileira em 2018.
O FNCP estima que essas perdas foram 45% maiores em 2020, um total de R$280 bilhões, o que é um número absurdamente grande e representa um crescimento significativo para um período de dois anos. Para fins de comparação, os gastos realizados pelo governo brasileiro no combate à pandemia foram da ordem de R$ 620,5 bilhões em 2020 – as perdas com pirataria, por exemplo, corresponderiam a 45,12% do gasto realizado com a pandemia.
Atualmente, há diversas ações de combate à falsificação, pirataria e em defesa dos direitos autorais mundialmente e iremos mostrar como essas ações têm forçado plataformas digitais a implementar soluções para a identificação de possíveis ilícitos e a suspensão automática de potenciais infratores.
Empresas com atuação internacional, especialmente aquelas cujas plataformas digitais estão em operação em diversos países, têm o seguinte desafio: estar em conformidade com legislações divergentes. Isso é, para um mesmo produto, diferentes regulamentações entram em vigor exigindo que as companhias se adequem para operar sem estar vulneráveis a sanções ou punições.
Vamos trazer os casos de empresas gigantes que têm lutado bastante para combater essas potenciais infrações de forma eficiente para minimizar as consequências negativas desses conteúdos em seus ecossistemas de plataformas.
O primeiro caso que analisaremos é do Alibaba Group, que recebeu uma série de reclamações relacionadas à venda de produtos falsificados e ao tratamento da empresa em relação aos direitos de propriedade intelectual. Uma das principais reclamações contra a Alibaba é que a empresa não tem feito o suficiente para evitar a venda de produtos falsificados em suas plataformas, especialmente na de venda de consumidor para consumidor, a AliExpress. Em 2016, o Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) adicionou a plataforma Taobao à sua lista de “Mercados Notórios”, citando preocupações com a venda de produtos falsificados e pirateados.
Além das preocupações com produtos falsificados, também houve reclamações sobre o tratamento da Alibaba em relação aos direitos de propriedade intelectual. Algumas empresas acusaram a Alibaba de não fazer o suficiente para evitar a venda de versões falsificadas de seus produtos em suas plataformas, e de não responder rapidamente a solicitações para retirar postagens infratoras.
Para mudar essa situação, o Alibaba Group vem fazendo uma série de esforços, inclusive contratando especialistas de renome no combate à pirataria e à falsificação como o Daniel Ackerman, Diretor Sênior de Propriedade Intelectual, que participou do evento “Empresas como ecossistemas: como aproveitar oportunidades entendendo o comportamento dos clientes?”, realizado no dia 26 de abril de 2023 no Porto Digital.
Daniel atuou como promotor no Departamento de Justiça Americano (DoJ) por mais de 20 anos e possui um histórico de ações de combate à pirataria. Atualmente, trabalha para melhorar as ações de combate à pirataria e de garantia dos direitos autorais de detentores de propriedade intelectual.
Segundo o relatório “2022 Annual Report on Intellectual Property” do Alibaba Group, mais de 98% das solicitações de detentores foram analisadas em menos de um dia. Além disso, parcerias com centros de pesquisa e universidades têm sido realizadas para o desenvolvimento de ferramentas usando visão computacional, aprendizagem profunda, análise de vídeo e processamento de linguagem natural para a extração de conteúdo semântico de postagens de texto.
Além do Alibaba, a maior parte das redes sociais precisou implantar soluções para identificar violações de direitos autorais em conteúdos multimídia. YouTube e Instagram sofreram pressão das gravadoras e das produtoras de cinema para que se adequassem às legislações de propriedade intelectual e proteger os direitos dos titulares de conteúdo, sendo corresponsáveis por violações ocorridas em suas plataformas.
A principal ferramenta utilizada pelo YouTube para identificar a utilização de recursos multimídia protegidos por direitos autorais é o Content ID. O Content ID compara automaticamente os vídeos enviados pelos usuários com um grande banco de dados de arquivos protegidos por direitos autorais fornecidos pelos detentores de direitos. Se o sistema detecta uma correspondência, ele toma uma ação com base nas preferências definidas pelo detentor dos direitos, que pode ser: bloquear o conteúdo; monetizar através de anúncios no vídeo – direcionando a receita gerada para o detentor dos direitos –; ou rastrear o vídeo, permitindo que o detentor dos direitos acompanhe as estatísticas de visualização do mesmo.
Segundo o relatório de transparência do YouTube, no ano de 2022, em torno de 19,65 milhões de vídeos foram removidos da plataforma por não estarem em conformidade com a política de conteúdo da plataforma, sendo 18,38 milhões removidos automaticamente, representando 93,56% dos vídeos retirados. O YouTube não explicita especificamente qual é a proporção de conteúdo excluído por violação de direitos autorais, mas a principal causa foi rotulada como “spam, conteúdo enganoso e golpes”, responsável por mais de 60% das remoções em cada trimestre de 2022, chegando a 91,1% das remoções do 4º trimestre de 2022.
A Meta, empresa responsável pelo Facebook e pelo Instagram, publicou o relatório de transparência referente ao primeiro semestre de 2022, abordando solicitações governamentais de dados do usuário, conteúdo que viola leis locais, interrupções globais da internet e propriedade intelectual.
O relatório também destaca restrições de conteúdo baseadas em leis locais, onde o volume global aumentou 75%, passando de 50.959 no segundo semestre de 2021 para 89.368 no primeiro semestre de 2022. Em relação às interrupções da internet, foram identificadas 64 interrupções de serviços do Facebook em 15 países no primeiro semestre de 2022, comparadas a 38 interrupções em 12 países no segundo semestre de 2021.
No âmbito da propriedade intelectual, foram removidos quase 4,8 milhões de conteúdos baseados em 1,72 milhões de relatórios de direitos autorais; pouco mais de 700 mil conteúdos baseados em 285 mil relatórios de marcas registradas; e pouco mais de 2,5 milhões de conteúdos baseados em 112 mil relatórios de falsificação. Além disso, foram removidos proativamente, em torno de 36,22 milhões de conteúdos por motivos de direitos autorais e 103,3 milhões por motivos de falsificação.
Segundo o relatório “How We’re Proactively Combating Counterfeits and Piracy” de maio de 2021 da Meta, de julho a dezembro de 2020, 99,7% de conteúdo falsificado do Facebook foi removido proativamente, quase 335,77 milhões de trechos de conteúdo suspeito; enquanto no Instagram foram da ordem de 82,8% do conteúdo falso foi feito proativamente, um total de quase 2,7 milhões de posts. No tocante à remoção devido a direitos autorais, quase 80% do conteúdo foi removido de forma proativa – pouco mais de 9,8 milhões de posts – e no Instagram, 59% removidos proativamente – mais de 2,17 milhões de posts.
Esses quantitativos mostram o esforço das plataformas em combater conteúdos falsos e violações de direitos autorais, destacando o papel de ferramentas usando inteligência artificial para realizar remoções proativas, a partir do monitoramento contínuo das postagens nas mesmas, sendo conteúdos na forma escrita, em imagens, vídeos e em áudios. O que tem se tornado cada vez mais necessário com o crescimento de conteúdos sintéticos falsos de alta fidelidade, conhecidos também como “Deep fakes”.
Os “deep fakes” têm crescido consideravelmente após o aperfeiçoamento das redes neurais generativas, que permitem a síntese artificial de conteúdo a partir de amostras reais, o que tem revolucionado várias áreas do conhecimento. Mas esse é o tema para um próximo artigo, ok?
Como você enxerga o combate à pirataria e às infrações de direitos autorais atualmente? Quais são as próximas fronteiras? Comente em nossas redes sociais!
Fernando Sales é professor do Departamento de Engenharia Biomédica da UFPE e Pesquisador do Porto Digital
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