O turista que visita o atual São João de Caruaru, com 65 dias de festa, 25 polos e 1.200 atrações, às vezes não tem dimensão de que existiu todo um processo para que a festa popular se transformasse num caso de sucesso da economia criativa, atraindo milhões de pessoas e movimentando milhões de reais.
O início foi como todo fenômeno popular: começou espontaneamente entre o povo. Já na segunda metade do século 19, os festejos eram organizados em propriedades rurais, com fogueiras, balões e quadrilhas juninas.
Em seu livro “Caruaru: De Vila à Cidade”, Nelson Barbalho já menciona festejos juninos “muito animados” em 1854, quando o município ainda era uma vila.
Já no começo do século 20, em 1920, existem registros de que o governador do Estado (Otávio Hamilton Tavares Barreto) transferiu sua residência para Caruaru no período junino, onde realizou despachos oficiais.
Ainda nessa década, também existem registros de programações juninas em clubes sociais como a sede do Central Sport Club e do Casino Caruaruense, com bailes e recitais de poesia – o forró como hoje conhecemos ainda iria ser germinado.
Na década de 1950, Caruaru já comportava feira de fogos dos mais variados tipos, como buscapés, rojões, bombas, vulcões, pistolões, foguetes, traques de massa, estrelinhas e girândolas. Nessa fase, os festejos já eram bastante próximos das atuais festas, com quadrilhas, fogueiras, música e comida.
Nos anos 1960, as ruas da cidade começam a ficar enfeitadas pelos próprios moradores, que também investiam em seus festejos. Os próprios caruaruenses que interditaram as ruas, com pequenos arraiais e palhoças – que, futuramente, cresceriam exponencialmente.
Uma das ruas emblemáticas dessa fase é a Rua São Roque, uma das primeiras a se destacar por sua decoração. Foi montada, inclusive, uma comissão para a organização da festa, chegando a reunir 33 famílias.
Logo as emissoras de rádio da cidade iniciaram concursos patrocinados por empresas para escolher qual a rua mais bonita. Isso estimulou bastante o desenvolvimento da tradição – Av. Rio de Janeiro, 03 de Maio, Capitão Zezé, 27 de Janeiro foram outros trechos de destaque.
ANOS 80
O São João de Caruaru só começaria a ganhar uma real atenção do poder público a partir dos anos 1980. Tanto é que, no primeiro ano daquela década, o Diario de Pernambuco publica a notícia “São João de Caruaru é um Carnaval”, ressaltando que o município agora teria quatro dias oficiais de festa.
“É como se fosse um carnaval, começando no sábado gordo, entrando pelo domingo, segunda, terça e terminando na quarta de cinzas”, diz o texto. Naquele ano, a festa bateu recordes de número de fogueiras e comercialização de milho e fogos. Além dos palhoções, as grandes festas eram realizadas nos clubes, como no AABB e no Intermunicipal.
Compreendendo o crescimento, o poder público municipal finalmente decide formalizar de vez a sua atuação. Pela primeira vez, a Empetur se envolveu com a festa para divulgá-la em todo o país.
O prefeito responsável por expandir a dimensão da festa foi José Queiroz, entre 1983 e 1988. O seu papel era muito mais na ajuda da divulgação, com a contratação da agência de publicidade MMS, que veiculou propagandas no rádio e na TV.
“Uma pesquisa mostrou que se precisava dar aos festejos juninos, em vez do tradicional paternalismo do poder público, um tratamento mercadológico profissional. Era preciso vender o São João como um produto que compete no mercado de lazer”, diz notícia do Diario de Pernambuco em 1988.
A gestão de Queiroz também determinou a iluminação das ruas onde se armavam palhoções e deu descontos na cobrança de taxas ou impostos que incidiam sobre os palhoções privados, como forma de incentivo.
A primeira campanha foi “A Alegria Está na Rua”, inspirada nos bonecos de barro do Mestre Vitalino. Nos anos seguintes, já existia a expectativa de atrair 100 mil turistas de vários Estados, com centenas de ruas ornamentadas, danças de quadrilhas, palhões, som de sanfoneiros e espetáculos de bacamarteiros.
Naquela década, os grandes shows eram realizados em clubes, nomes como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Alceu Valença, Alcymar Monteiro, Nando Cordel, Fagner e Jorge de Altinho.
AS “DRILHAS” E PÁTIO DO FORRÓ
Ainda no final dos anos 80, surgiram no São João de Caruaru as “Drilhas”, blocos juninos semelhantes aos trios elétricos do carnaval de Salvador que desfilavam na Avenida Agamenon Magalhães – pela tarde, para não descaracterizar as tradições da festa junina.
O famoso Pátio de Eventos Luiz Gonzaga, complexo com 41.500 metros quadrados, só seria inaugurado em 1994 – abrigando ainda a Fundação de Cultura de Caruaru, os Museus do Barro e do Forró, um pavilhão para exposições, a Secretaria Municipal de Turismo, um palco para shows e uma “Vila do Forró”. Ainda na década de 1990 começou a tradição das comidas gigantes.
Em 2017, a prefeitura descentralizou o São João, levando-o para distritos da cidade com o “São João na Roça”. Em 2022, o São João de Caruaru movimentou R$ 558 milhões – um crescimento de 123% maior do que o de 2019, antes da pandemia do coronavírus. Cerca de 7 mil empregos diretos foram criados, com a passagem de 3,2 milhões de pessoas.
Assim, a festa tornou-se um exemplo de sucesso da economia criativa no coração do Agreste pernambucano – área também forte na área da moeda e confecção.
Na “Capital do Forró” também está o Armazém da Criatividade, braço do Porto Digital que tem enfoque na vocação preponderante do lugar, introduzindo padrões mais elevados de inovação nos arranjos produtivos da economia local.
Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio
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