Cláudio Marinho é um visionário. Foi um dos primeiros a ver o Bairro do Recife Antigo como ponto de virada para a economia, o urbanismo e a cultura do Recife. É um dos idealizadores do modelo visto hoje, envolvendo a abertura de centenas de empresas e o empenho do poder público para uma cidade mais sustentável. Nesta entrevista, publicada neste quarto e último dia da série de reportagens #RECIFEPRAGENTE, Cláudio Marinho fala à repórter Sílvia Bessa sobre o modelo ideal para o bairro, a evolução do projeto desde 1998, sonhos e os impactos da promoção de encontros fortuitos entre as pessoas.
Links abaixo para os dois primeiros textos da série:
LABORATÓRIO PARA UM NOVO MODELO URBANO
Silvia Bessa – O Bairro do Recife foi pensado com esta configuração atual com a sua participação. Como você o vê hoje?
Cláudio Marinho – Eu sou engenheiro urbanista e a minha abordagem do Porto Digital sempre foi esta, desde os anos 1980, depois 1990, 2000. Sempre foi a de um engenheiro urbanista, de criação de lugares. Eu gosto de dizer que meu jeito de fazer cidade tem a ver com “paisagem, textura e afeto”. Textura na escala humana, nas relações sociais, na nova sociabilidade que estão exigindo da gente. Cada vez mais vejo como de enorme importância esses temas da criação de bens públicos, lugares, espaços públicos; o Porto Digital é um bem público. Falo de um lugar onde você possa conviver socialmente, onde você possa socializar. Acho que essa nova sociabilidade retornará para o contato presencial.
SB – De que forma o Porto Digital tem contribuído com essa nova paisagem urbanística?
CM – O Porto Digital é um lugar privilegiado no Brasil, e eu tenho trabalhado como engenheiro urbanista e consultor em cidades como Belém, São Luís e Rio de Janeiro. Eu me especializei com a minha empresa, a Porto Marinho, que está aqui no Porto Digital, em revitalização de centros históricos com tecnologia. Na minha experiência, e a partir do Porto Digital, esses temas retornaram. Dez anos atrás quando lancei isso, era ali no TED, foi em 2012, me lembro que eu lancei essa maneira de fazer “paisagem, texturas e afetos”. O que isso tem a ver com caminhabilidade?
SB – Estamos falando de mobilidade?
CM – Esse tema é fundamental e antecede à questão da mobilidade por bicicleta. E mais uma vez o Porto Digital se mostra como o melhor laboratório para a gente demonstrar esta caminhabilidade. A partir desses conceitos, comecei a testar algo que chamo de caminhabilidade de cinco minutos. A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, se reelegeu com um tema que chama de “Cidade de 15 minutos”. É aquela em que você satisfaz as necessidades de trabalho, educação, saúde, alimentação, divertimento e cultura no máximo a uma distância de 15 minutos da sua casa. Isso deu para ela uma enorme visibilidade global.
Outras cidades tentam o movimento C40, que começou com 40 cidades para enfrentar o momento de mudança climática, que vai impactar fortemente na vida urbana. O movimento está dizendo “temos que cuidar da nossa cidade” e a “Cidade de 15 minutos é crucial”. Isso vai evitar que eu tenha que atravessar ruas alagadas para chegar ao meu trabalho ou à escola ou a algum outro destino, por exemplo. Você precisa ter amenidades e serviços a distâncias de caminhabilidade. Caminhabilidade no sentido amplo, incluindo o uso da bike.
SB – Qual seria o modelo ideal?
Eu faço uma homenagem à prefeita de Paris, sempre dou autoria do “Cidade de 15 minutos”, e tenho trabalhado os distritos de inovação, áreas de inovação ou parque tecnológico. Eu apliquei em Manaus, apliquei no centro histórico de São Luís, numa caminhada de cinco minutos eu vou chegar onde eu preciso. No Recife, eu tenho meu escritório, e, se eu colocá-lo no centro de um círculo e de um raio de 350 metros, terei a seguinte constatação: que, entre as mais de 350 empresas do Porto Digital, eu chego a 80% delas no máximo numa caminhada de cinco minutos. Aí eu volto para o meu trio: paisagem, eu vou caminhar num lugar extraordinário, preservado; eu consigo ver o céu, caminhar até uma Caixa Cultural e olhar o que está acontecendo; ir ao restaurante no Cais do Porto e agora o Moendo Na Laje. Ou vou para uma reunião lá com o Silvio Meira, no CESAR, ou então vou dar uma caminhada de cinco minutos vendo o mar.
SB – Você menciona muito a força das conexões. Como elas se dão e de que maneira são importantes?
CM – A criação de interações a gente chamava desde o lançamento do Porto Digital, dando o exemplo da Bom Jesus. Eu e Silvio Meira na época dizíamos que era a possibilidade do por acaso, do encontro fortuito, que gera conversações. É uma sociabilidade nova, num espaço público em que as interações na escala humana, textura – e aí é simbólico e literal porque a textura de prédios históricos é bem diferente da textura de 40 pavimentos de Boa Viagem – em que você tem contato com a rua com essa paisagem, que traz uma apropriação afetiva, histórica, lembranças e camadas históricas de um lugar. Leia-se, camadas de história, onde se tem pisando no lugar onde os holandeses em 1.630 pisaram, onde tem a primeira Sinagoga da América Latina…
SB – E esses encontros fortuitos geram algum impacto nos negócios e na economia?
CM – Essa serendipity (encontros casuais) está sendo estudada nos ambientes de inovação, de formas até quantitativas. O face to face no Vale do Silício representa, segundo um estudo do MIT, um aumento em média de 8% nas referências de patentes em publicações dos colaboradores das empresas quando comparado com grupos de controle em contatos apenas online. Isto é: o almoço na Bodega do Veio da Rio Branco gera mais inovação do que ficar conversando no Zoom.
SB – Com o que você sonha hoje?
Tenho testado muito o conceito de 5 minutos. Se você tem uma caminhabilidade de 5 minutos na ilha do Recife e tem esses benefícios, você pode pensar que, se você morar do outro lado, você chegará do outro lado de bike em 15 minutos – daí aqueles prédios da Moura Dubeux e outros. Se você olhar a propaganda de lançamento das torres do Moura Dubeux, colocaram um rapaz de bike com a proteção exigida, andando com mochila nas costas. Essa propaganda quis dizer o seguinte: ”Olha, trabalha no Porto Digital e mora aqui”, e até o incorporador imobiliário percebeu isso.
O conceito de proximidade é o conceito que é permitido pela caminhabilidade e eu estou incluindo os trechos curtos em que se pode fazer o caminho. Não estou falando do atleta que faz longas distâncias, que utiliza a ciclovia e ciclofaixas. Eu estou morando na Jaqueira, Tamarineira, e uso a minha bike, uso as ciclofaixas que me protegem, nem tão sólidas, mas protegem diante de motoristas tão mal-educados. Do ponto de vista do Porto Digital e do que ele oferece para a cidade, ele é caminhável, agradável e seguro (tem um mito da insegurança, mas é mais mito), durante o dia, porque tem muita gente nas ruas. De noite, é outro bairro. É tanto que o debate sobre residências finalmente chegou com Moinho, Marina, Hilton, a ideia do Yolo, que são importantes na caminhabilidade.
SB – Você acha que esse debate que envolve tecnologia e conservação dos centros históricos tem espaço atualmente?
CM – Está voltando muito forte agora com o novo governo Lula, tem o Minha Casa Minha Vida, reestruturado e olhando os centros das cidades. É uma discussão bem relevante. Eu estou no Rio de Janeiro agora num projeto em um projeto do centro histórico da cidade, tratando diariamente sobre esse tema de recuperação dos centros históricos com habitação para diminuir a distância entre a habitação e o trabalho. Isso é para reduzir fricções de trânsito, para dar qualidade de vida, reduzir tempos de movimentação.
Nesse debate, a bicicleta deve ser considerada como um elemento da caminhabilidade da mobilidade urbana do ponto de vista da proximidade, da qualidade de vida no espaço urbano, senão a gente fica muito entregue aos engenheiros da mobilidade, e é uma disdistorção enorme. Aí todo mundo agora vai começar a calcular novas vias, fazer um outro BRT, que conecta com não sei o quê. Nós não estamos falando disso. Nós estamos falando da criação de novos ambientes urbanos, da proximidade, da redução de perda de tempo nos deslocamentos urbanos. Isso é urbanismo; isso não é engenharia de trânsito. Na rua, temos o sol, vitamina D. Então, aqui na Av. Rio Branco é o melhor lugar para tomar vitamina D, andar, caminhar… Essas condições são saudáveis para um mundo que começou a se enfurnar com medo da pandemia.
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Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados
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