No segundo dia da série de reportagem “Comunidade do Pilar, tempos de esperança”, o Jornal Digital traz a história de Gustavo Dantas, que está descobrindo os caminhos como universitário e sonha em ver no futuro uma geração de vizinhos graduados, com cursos superiores pagos com a ajuda de instituições como Porto Digital e Senac.
Por Silvia Bessa
A comunidade do Pilar já está habituada a ser tema de reportagens que tratam da vulnerabilidade social e econômica no Recife e dos que nela vivem. A chegada de jornalistas costuma ser naturalizada, mas é inquietante para muitos moradores. Alguns parecem saturados, cansados de relatar as dificuldades com as quais sobrevivem e para as quais nem sempre chegam soluções.
Entre idas e vindas no Pilar, ora morando com o pai, João Ricardo, em um barraco na comunidade, e ora com a mãe, em um outro bairro, Gustavo Dantas, 18 anos, acostumou-se a ver jornalistas na comunidade. Nunca se incomodou. Ao contrário, Gustavo vê na vida universitária e talvez até no exercício da função de comunicador o seu futuro e um canal de transformação para onde vive. “Ainda estou no início da vida, conhecendo as oportunidades na área de gestão comercial, mas penso como será meu futuro e me vejo, quem sabe, fazendo outros cursos, aqui fazendo reportagens, sim, e contando outras histórias”, diz.
Há menos de três anos, as chances de Gustavo tornar-se universitário e começar uma jornada de estudante graduado até se tornar gerente de projetos ou até mesmo repórter eram remotas. Sem lastro financeiro, lutava pela sobrevivência ao lado da família. Há pouco, as chances parecem ter ficado mais próximas e reais.
Ele conquistou uma vaga no Programa Pilar Universitário, uma ideia proposta e levada adiante pelo maior parque de tecnologia e inovação a céu aberto do Brasil, o Porto Digital, e que conta com a parceria da Faculdade Senac. A iniciativa concede bolsas integrais e gratuitas em cursos do ensino superior para pessoas que são da comunidade do Pilar e faz um monitoramento do desenvolvimento dos beneficiados, de modo a terem melhor aproveitamento.
“Creio que o Pilar Universitário terá um papel muito importante aqui porque, com ele, a gente mostra a pessoas como nós, que se interessam pelo estudo e buscam oportunidade, que é possível chegar lá e fazer acontecer”, pontua. Muitos moradores do Pilar viveram ou vivem em uma situação vulnerável quanto à renda, saúde e moradia. Um conjunto habitacional construído pela Prefeitura do Recife tirou muitos dos residentes do Pilar de casas improvisadas, contudo a condição se mantém para outros.
Desde que os pais se separaram, Gustavo viveu trocando de endereço, dividindo-se entre a residência da mãe e do pai, driblando privações de toda ordem e enfrentando com altivez a rotina de uma criança, adolescente e jovem – cada fase com seus percalços. Eram dois anos aqui, outros três ali. O pai sempre morou em um barraco na área central do Pilar. ‘Época muito difícil’, lembra Gustavo, falando dos seus 10 ou 11 anos. Um espaço sem banheiro interno, reduzido e dinheiro escasso para melhorias e alimentação. O pai dele fazia “virações”, “bicos” em lava-jatos e outras atividades eventuais, e ia mantendo os dois como possível.
“Ele sempre me incentivou para que eu buscasse estudo e trabalho, dizendo que, se tivesse encontrado oportunidades, a vida teria sido diferente”. O filho cresceu ouvindo essas recomendações e absorveu a lição de tal modo que tratou de se dedicar aos estudos, sempre com boas notas. Gustavo se empenhou para traçar novos rumos para si e para buscar suporte para a família, e agora começa a colher os resultados do seu foco.
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Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados
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