Por Pierre Lucena

É muito comum escutarmos o comentário de que as universidades precisam ser inovadoras ou mesmo falarmos de alguma instituição que adota uma metodologia A ou B. Mas a verdade é que o modelo educacional atual das universidades pode ser descrito como um modelo industrial de funcionamento. Trata-se de uma indústria pouco glamorosa, mas que vem funcionando há décadas.

Nesse contexto, milhões de estudantes e professores são parte de uma grande engrenagem, cada um cumprindo seu papel em um sistema rigidamente estruturado. E este modelo tem atendido muita gente ao longo do tempo e dado uma grande contribuição aos países.

Como professor, observo de perto essa dinâmica. Cada semestre, tenho duas turmas de graduação, totalizando 60 horas de ensino. Meu trabalho envolve seguir um programa pré-estabelecido, fazer chamada dos alunos e um programa a cumprir, com aproximadamente 60 alunos por turma. Isso se repete em milhares de roteiros semelhantes ao meu. As aulas são ministradas conforme especificado, e ao final do semestre, sou responsável por atribuir uma nota que resume o desempenho dos alunos.

Esse modelo funcionou por muito tempo. No entanto, ele simplesmente se esgotou, levando os alunos a uma percepção de não utilidade dos cursos.

A falta de engajamento é visível, e isso se reflete na evasão e desmotivação crescentes nas universidades. Os alunos estão migrando para o Ensino a Distância (EAD) em larga escala, pois, se é para não engajar, preferem estudar em casa. Além disso, o custo elevado de deslocamento, com perda de tempo e dinheiro, se tornou um desafio que muitos não estão mais dispostos a enfrentar.

Os cursos universitários no Brasil são excessivamente conteudistas, focados em transmitir grandes volumes de informação, muitas vezes desconectados da prática. Isso gera um distanciamento entre o que é ensinado nas salas de aula e as habilidades e competências que ele precisará no futuro.

Claro que é muito difícil um cavalo de pau e uma mudança repentina. Mas mesmo dentro de casa temos um modelo diferente, que é a pós-graduação.

Com um enfoque em mentoria e orientação direta, esse modelo parece funcionar melhor para o desenvolvimento acadêmico e profissional dos estudantes. No entanto, enfrenta o desafio de não ser escalável para milhões de pessoas. É evidente que o modelo atual está obsoleto e precisamos de uma mudança. Basta ver como as universidades estão cada vez mais esvaziadas.

Como observei em um texto que escrevi em parceria com Silvio Meira, sobre o esvaziamento dos campi isolados, esse fenômeno é um reflexo claro da desconexão entre o modelo educacional tradicional e as expectativas e necessidades dos estudantes. Para superar os desafios do modelo atual, precisamos de um novo modelo educacional. Claro que é mais fácil colocar a culpa na geração atual, falando que os alunos não querem mais nada, mas isso é a mesma coisa de um político que ao perder a eleição coloca a culpa no povo.

A personalização do currículo é essencial. Os programas de estudo devem ser flexíveis e adaptáveis às necessidades e interesses individuais dos alunos. Um enfoque maior em habilidades práticas e competências também é crucial. Em vez de aulas tradicionais, a participação em projetos reais pode aumentar significativamente o engajamento dos estudantes.

Salas de aula com disciplinas em projetos têm se mostrado bem mais engajadoras

Um dos problemas está na regulação feita pelo MEC, que exige muitas horas de sala de aula e pouca prática profissional. Há uma tentativa em andamento, que é a obrigatoriedade de extensão no currículo, inclusive com avaliação e professor alocado, mas há uma tendência a “cumprir tabela” com a extensão, pois tudo está voltado para a sala de aula. Precisamos encarar a extensão como uma bela oportunidade. Mas é preciso investir muito para que laboratórios sejam construídos. Especialmente laboratórios de ciências sociais aplicadas, pois os cursos de humanas são os que enfrentam com mais frequência o esvaziamento.

E o pior disso tudo é que a principal entrega que uma boa universidade faz aos estudantes é a convivência universitária. E esta se perde quando o ambiente está esvaziado.

Para entender o que estou falando, basta verificar como os alunos são engajados em experimentos como empresas juniores, escritórios de atendimento jurídico e afins. As competências adquiridas nestas atividades têm se mostrado muito eficientes na carreira dos estudantes.

Além disso, é fundamental reestruturar os currículos, incorporando mais disciplinas de projetos e diminuindo a ênfase em conteúdos puramente teóricos. Por exemplo, os alunos de negócios precisam desenvolver habilidades essenciais como ler e escrever bem, trabalhar com números e dados, fazer e interpretar gráficos, trabalhar em equipes e grupos, comunicar-se eficazmente e falar uma segunda língua, preferencialmente inglês. Além disso, inteligência emocional é uma competência indispensável no ambiente de negócios atual.

A necessidade de uma revolução no ensino superior é urgente. O modelo atual não atende mais às expectativas dos estudantes e falha em prepará-los adequadamente para os desafios do mundo moderno. É hora de repensar e reconstruir nossas universidades, criando um sistema educacional que seja engajador, flexível e focado no desenvolvimento de habilidades e competências.

Mas isto não é tarefa fácil. É preciso um diálogo aberto e franco entre todos os envolvidos.

A única certeza é que não podemos continuar como está.

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Pierre Lucena é Presidente do Porto Digital e Professor de Finanças da UFPE

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