Há 106 anos, uma fábrica de moagem de grãos surgia no Bairro do Recife, acompanhando as transformações urbanas e portuárias que modernizaram a ilha no começo do século passado. 

O Moinho Recife operou na Rua de São Jorge, no norte do bairro, até 2009, quando suas atividades foram transferidas para o Complexo Portuário de Suape, no Litoral Sul.

Moinho Recife entre as décadas de 1930 e 1940 e atualmente, com o modelo Business & Life, respectivamente (Crédito: Desconhecido e Divulgação)

Hoje, o edifício mantém seu papel como símbolo de inovação, agora em um novo ciclo de revitalização do Bairro do Recife. A área de 52 mil m² foi transformada no Moinho Recife Business & Life, um complexo empresarial multiuso integrado ao Porto Digital, maior distrito de inovação do Brasil. Em 2022, o projeto recebeu o prêmio de melhor retrofit do país pelo GRI Awards.

Empresas e instituições como Neurotech, NTT Data, CESAR School, Ambipar Bleu Technologies, Deloitte, Moendo na Laje, The Coffee e Grupo Moura já fazem parte desse novo complexo imobiliário multiuso. Com uma estrutura que une conforto e praticidade, o espaço segue atraindo novos negócios.

A Criação do Moinho Recife

No início do século 20, o Porto do Recife recebia trigo importado para abastecer a indústria de panificação local. A ideia de estabelecer um moinho de grãos no Nordeste brasileiro surgiu em 1909, entre empresários do setor, mas enfrentou resistência e escassez de investimentos.

Nota do Diario de Pernambuco sobre inauguração do Moinho do Recife, em 1919 (Crédito: Biblioteca Nacional)

“Não foram fáceis os começos nem isentos de dificuldades. Poucos estavam dispostos a correr o risco de um novo empreendimento, e os recursos financeiros eram limitados”, destacou o “Diario de Pernambuco” em 12 de abril de 1950.

Para viabilizar o projeto, os governos federal, estadual e municipal concederam incentivos em 1911, permitindo a instalação do moinho na área portuária. 

No entanto, a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, trouxe desafios adicionais, incluindo a necessidade de pagar duas vezes pelo maquinário, já que a primeira remessa foi bloqueada devido ao conflito.

Moinho Recife entre as décadas de 1930 e 1940 (Crédito: Desconhecido)

Apesar das dificuldades, o Moinho Recife foi fundado em dezembro de 1914 (e inaugurado apenas em dezembro de 1919), sob a gestão da Sociedade Anônima Grandes Moinhos do Brasil S/A, um grupo sediado no Rio de Janeiro com atuação na América Latina que futuramente se transformaria na Bunge.

A empresa operava outras filiais e se dedicava à construção de moinhos, além da comercialização e moagem de cereais nacionais e importados.

Os primeiros anos foram marcados por desafios financeiros, mas o empenho dos administradores e o suporte dos acionistas garantiram a consolidação do empreendimento. 

Com esses esforços, o Moinho Recife tornou-se a primeira unidade mecanizada de moagem de grande porte do Nordeste e a maior da região até a década de 1940.

Em função da importância que esta cidade ganhou para a companhia, a sede da Grandes Moinhos do Brasil foi transferida para Recife em 24 de novembro de 1930.

Uma história de sucesso

Anúncio do Moinho Recife no Diario de Pernambuco, em 1936 (Crédito: Biblioteca Nacional)

Nos primeiros dez anos de operação, o Moinho Recife produziu diversos tipos de farinha: Olinda (para pão especial), Recife (para pães, biscoitos e bolachas), Nortista (para bolachas) e Farinhinha (para o que se chamava de ‘brôtes’ na época).

Além dessas, a empresa também fabricava Triguilho (para avicultura), Farello (para bovinos e suínos) e Aveia (para cavalos).

Prédio da fábrica Moinho Recife em 1927 (Crédito: O Malho Biblioteca Nacional)

Com o tempo, a produção cresceu significativamente. O moinho chegou a processar 536 toneladas de trigo por dia, segundo pesquisa dos historiadores Armando Dalla Costa e Gustavo Pereira da Silva. 

A demanda levou a um aumento progressivo na produção anual, passando de 600 mil para 800 mil sacos, até ultrapassar a marca de 1 milhão. Com a capacidade das instalações no limite, logo surgiram planos para uma nova expansão.

Expansão

Matéria sobre a modernização do Moinho Recife, na década de 1950 (Crédito: Diario de Pernambuco via Biblioteca Nacional)

Para atender à crescente demanda, foi necessário construir um novo edifício para os maquinários, além de armazéns e silos (construções em formatos cilíndricos) capazes de armazenar trigo em maior escala.

Como parte dessa expansão, em 1950, foi inaugurado o prédio “C” do moinho, elevando a capacidade produtiva para 2 milhões de sacos de farinha e 1 milhão de sacos de farelo por ano.

Imagem aérea do Moinho do Recife antigamente (Data e crédito desconhecidos)

As novas instalações estavam entre as mais avançadas do Brasil, com seções especializadas para diferentes etapas da produção. O moinho modernizado passou a abastecer todo o Norte e Nordeste com equipamentos de última geração. 

“O novo moinho é um dos maiores e mais modernos do país, apresentando máquinas introduzidas pela primeira vez, uma conquista da indústria inglesa após a guerra”, destacou o “Diario de Pernambuco” na época.

Impacto no cotidiano do Recife

Na década de 1940, o Moinho Recife já fazia parte do dia a dia da cidade a ponto de inspirar manifestações culturais, sociais e esportivas.

Entre elas, estava o “Bloco Cara Suja”, formado por funcionários da empresa e conhecido no Carnaval do Bairro do Recife. A imprensa da época destacava sua presença vibrante nos festejos, reunindo foliões de diferentes classes sociais.

Nota sobre o bloco de Carnaval do Moinho Recife, na década de 1940

A influência do moinho também se refletiu na criação da Vila do Moinho do Recife, na Encruzilhada, Zona Norte da capital. Construída nos anos 1940 como parte da política habitacional do interventor Agamenon Magalhães, na Era Vargas, a vila tinha 66 casas e oferecia serviços médicos e farmacêuticos gratuitos para funcionários e operários. Até hoje, preserva sua configuração original, com casas dispostas ao redor de uma praça em uma rua tranquila e sem saída.

Além da habitação, o vínculo dos trabalhadores com o moinho se estendia ao esporte. Em 1935, foi fundado o Moinho Recife Esporte Clube, uma prática comum entre as fábricas brasileiras da época. 

Formação do Moinho Recife durante jogo do Campeonato Pernambucano de 1947 (Crédito: Diário da Manhã via Biblioteca Nacional)

Conhecido como “Grêmio da Farinha de Trigo”, o time disputou 13 partidas no futebol profissional, com dez derrotas, duas vitórias e um empate, segundo levantamento do jornalista Brenno Costa.

Apesar do desempenho modesto, o clube teve forte participação no Campeonato Amador e no Suburbano, competições que funcionavam como segunda divisão e frequentemente contavam com jogadores de Sport, Náutico e Santa Cruz quando não estavam atuando por seus clubes.

Retrofit

A história do Moinho Recife se conecta ao presente com a revitalização do espaço e sua nova vocação econômica no Bairro do Recife: a tecnologia da informação. O prédio foi leiloado por mais de R$ 10 milhões, em 2009, quando a Bunge instalou o seu moinho de trigo no Complexo Industrial Portuário de Suape.

Entre 2019 e 2021, a Revitalis Incorporações e a construtora Moura Dubeux conduziram um projeto de retrofit que consolidou o Moinho Recife Business & Life, um complexo empresarial multiuso.

Moinho Recife Business & Life, no Bairro do Recife (Crédito: Divulgação)

Com um investimento de R$ 80 milhões, a iniciativa transformou a área de mais de 52 mil metros quadrados, dedicando 16,7 mil metros quadrados a espaços corporativos. O projeto arquitetônico, assinado por Bruno Ferraz e Roberto Montezuma, equilibra preservação e modernidade.

O espaço foi estruturado em três blocos, permitindo plantas corporativas que podem operar de forma independente, com circulação vertical isolada, ou de maneira integrada, formando lajes de até 2,6 mil metros quadrados para grandes empresas. 

Em reconhecimento à sua relevância, o empreendimento recebeu da GRI Awards o título de maior retrofit industrial do Brasil, em 2022.

Projeção mostra como será a transformação dos silos do Moinho Recife em prédios residenciais (Crédito: YouTube Reprodução)

Além das áreas empresariais, os antigos silos do moinho estão sendo convertidos em dois edifícios residenciais, com conclusão prevista para 2025, ampliando ainda mais o papel do espaço na requalificação do Bairro do Recife.

No coração da ilha, o Moinho segue como símbolo de adaptação e resiliência, unindo história e desenvolvimento em uma nova fase de ocupação e relevância.

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