Com a inauguração do Novotel, no bairro de São José, e as obras do Motto by Hilton, no Bairro do Recife, a capital pernambucana dá sinais de um novo ciclo para a hotelaria no Centro.
Trata-se de um retorno simbólico a um passado em que essa área abrigava alguns dos empreendimentos mais sofisticados da cidade, antes do deslocamento do setor hoteleiro para a Zona Sul, na segunda metade do século 20.

No século 19, o Cais da Lingueta — antiga denominação da atual região do Marco Zero — foi endereço dos primeiros hotéis de prestígio do Recife, como o Hotel de France e o Hotel d’Europe.
A área também concentrava casas de refeições francesas e inglesas, cenário que começou a se modificar após a grande reforma urbana entre 1909 e 1926.
Primeiros grandes empreendimentos

A 4,5 km de distância dali, no Derby, um outro empreendimento marcou época: o ambicioso Grande Hotel Internacional, iniciativa do empresário Delmiro Gouveia, inaugurado em 1899.
Esse hotel estava localizado em um complexo que incluía velódromo, cassino, píer para passeios fluviais e acesso ao Mercado Modelo Coelho Cintra, apontado por alguns como o primeiro “shopping center” brasileiro.
A principal inspiração era a Feira Internacional de Chicago, realizada em 1893 na cidade norte-americana. Delmiro tinha direito de concessão de 25 anos e depois tudo o que foi construído seria repassado ao município.

Os negócios foram desativados depois que o mercado sofreu um incêndio criminoso, ocasionado por desavenças políticas – história que já contamos no Jornal Digital. Hoje, o antigo hotel abriga o Memorial de Medicina de Pernambuco, enquanto o mercado é o Quartel do Derby.
Outros exemplos de hotéis que serviam como veraneio para as famílias locais, próximos do Rio Capibaribe, eram o Grande Hotel de Apipucos e o Grande Hotel de Caxangá.
Hotel do Parque

Ao lado do atual Teatro do Parque, na Boa Vista, existiu o Hotel do Parque. Ele integrava um complexo de entretenimento chamado “Hotel e Bilhar do Parque Internacional de Diversões”, controlado pela empresa Mendes e Cia. A inauguração ocorreu em 1915.
O hotel oferecia 40 quartos com janelas e salões de bilhar no térreo. Seus quartos de frente, com varanda para a Rua do Hospício, eram considerados de luxo. Nos primeiros meses de funcionamento do complexo, o Teatro do Parque ainda estava em construção, sendo concluído em 24 de agosto de 1915.
Durante 14 anos, esse foi um ponto de lazer e hospedagem para famílias vindas do interior de Pernambuco, de estados vizinhos e também de figuras políticas como João Pessoa, governador da Paraíba.

Após a morte do fundador, Bento Luiz de Aguiar, em 1928, o teatro foi vendido ao grupo Luiz Severiano Ribeiro e o prédio do hotel passou a ser explorado comercialmente. O espaço sofreu um declínio ao longo das décadas, tendo o ápice de decadência em 1980, quando fechou as portas.
Atualmente, o casarão está todo desativado. Apesar das descaracterizações no térreo, os dois andares superiores conservam uma estrutura de hotel. O imóvel está entre as “âncoras” apontadas pelo Gabinete Recentro, da Prefeitura do Recife.
Um “imóvel âncora” é aquele que, quando revitalizado, tem o poder de dinamizar o entorno, criando novas centralidades e fluxos contínuos de pessoas e promovendo vitalidade na área.

De acordo com o livro “Centro do Recife na Rota do Futuro”, publicado pelo ICPS Recife com o Recentro, o imóvel apresenta potencial para ser adaptado para novos usos, explorando sua vocação histórica e localização privilegiada.
“Seu térreo pode ser ativado para lojas e serviços voltados para a rua, reforçando a dinâmica urbana. Já os pavimentos superiores, o edifício poderia acomodar residências ou retomar sua função original, operando como hotel ou pousada”, diz o livro.
Grande Hotel do Recife

Os demais hotéis que conheceremos a seguir no texto acompanham um contexto de modernização do Recife a partir da década de 1920, acompanhando outros centros urbanos do País. No caso da capital pernambucana, eles se concentravam nos bairros da Boa Vista e de Santo Antônio.
Em 1924, foi autorizada a construção do Grande Hotel do Recife, com concorrência vencida pela empresa carioca M. J. Carneiro Junior, proprietária de vários hotéis no Sul do País.
O local escolhido foi um lote na Avenida Martins de Barros, em Santo Antônio, ao lado da Praça Dezessete, onde funcionou até 1911 a antiga Faculdade de Direito. Uma das principais vantagens era a vista para o Cais da Alfândega, do outro lado do Rio Capibaribe.

Inaugurado apenas em 1938, o Grande Hotel do Recife tinha 150 quartos, apartamentos de luxo, salas de chá, banquetes e bar. A imprensa da época o comparava com o Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
Quem estivesse na recepção, tinha acesso a elevadores, escadas e compartimentos de uso tanto para hóspedes quanto clientes externos. A sua inauguração contou com um baile de gala com duas orquestras do Rio de Janeiro, com três mil convidados. Na noite seguinte foi inaugurado um cassino que funcionou até 1946, quando os jogos foram proibidos no País.
Em 1968, o Grande Hotel passou a ser administrado pelo Governo de Pernambuco, através da EMPETUR, e fechou as portas nos anos 1980 após a migração do setor hoteleiro para a Zona Sul. Em 1992, o governador Joaquim Francisco desativou-o, cedendo o edifício ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, que ali instalou alguns anos depois o Fórum Thomaz de Aquino.
Central, o primeiro arranha-céu do Recife

Único empreendimento deste texto ainda em funcionamento, o Hotel Central começou a ser construído em 1927, sendo o primeiro edifício do Recife a apostar na verticalização como signo de modernização, auxiliada pela inovação tecnológica dos elevadores.
A iniciativa partiu de Constantin Aristide Sfezzo, turco que mudou-se para o Recife para dirigir uma filial da White Martins, e George Kyrillos, imigrante libanês. A construção ficou a cargo da Brandão & Magalhães. O arquiteto responsável por Giacomo Palumbo, com traços da escola acadêmica francesa.
Até aquele momento, os imóveis do Recife tinham até quatro pavimentos, quando esse chegaria a oito, sendo o mais alto da cidade, localizado na Avenida Manoel Borba, esquina com a Rua Gervásio Pires, na Boa Vista.
“Havia um grande desafio projetual e construtivo ao ser fazer o edifício nessa altura, visto que os construtores práticos e mestres não estavam habilitados, concentrando esse desafio a contratação de profissionais que oferecessem serviços mais especializados”, dizem os arquitetos Karine Maria Gonçalves Cortez e Fernando Diniz Moreira em artigo para a “Oculum Ensaios – Revista de Arquitetura e Urbanismo”.
“Foi apenas com a chegada do urbanista Donat Alfred Agache à cidade que seu desânimo deu lugar a motivação”, completam. Naquela época, os arranha-céus causavam estranhamento e até pavor àqueles que não estavam acostumados. Muitos moradores da vizinhança se mudaram com receio que ele desabasse.

O Hotel Central tornou-se um símbolo da vida social e cultural de Recife nos anos 1930, com realização de jantares, exposições, casamentos, solenidades, chás dançantes, bailes, coquetéis que ocorriam nos salões do térreo ou no terraço da cobertura.
Quando o dirigível Graf Zeppelin veio ao Recife pela primeira vez, em 1930, o seu terraço de cobertura foi um dos espaços mais disputados da cidade para assistir a sua chegada.
Contudo, começou a perder espaço após a inauguração do Grande Hotel, em 1938, sendo vendido em 1951 para o português Domingos Magalhães. Atualmente, o Central resiste pela atuação de Rosa Nascimento, chef do restaurante local que assumiu a gestão completa para manter o legado vivo.
Centro Histórico Dinâmico

Ainda de acordo com o livro Centro do Recife na Rota do Futuro, o eixo de atuação Centro Histórico Dinâmico, previsto no plano estratégico do Recentro, aposta no turismo como vetor de desenvolvimento sustentável.
Nesse cenário, o investimento em novos equipamentos tem desempenhado um papel fundamental. O Novotel Recife Marina, por exemplo, conta com 300 apartamentos (incluindo 20 suítes) e é classificado como um hotel quatro estrelas. Sua marina tem capacidade para 200 embarcações. Ao lado, o Recife Expo Center oferece um auditório para 1.500 pessoas e 10 salas multifuncionais com capacidade entre 100 e 190 pessoas.
Ambos fazem parte do Complexo Porto Novo Recife, iniciativa que vem contribuindo para movimentar o turismo e impulsionar os negócios no ecossistema do Porto Digital.

Outro projeto em andamento é o Motto by Hilton, que está sendo construído na Rua da Guia, com investimento de R$ 30 milhões. Previsto para ser concluído no segundo semestre deste ano, o empreendimento segue o modelo de condo-hotel e é fruto de uma parceria entre a Revpar Incorporações, MUV Empreendimentos, Hilton e Atlantica Hotels.
Ainda sobre “âncoras”, o livro cita o Recife Plaza Hotel, na Conde da Boa Vista, como um imóvel com potencial para revitalização e diversificação de usos. “No térreo, a ativação das fachadas poderia incluir cafeterias e estabelecimentos comerciais, ampliando a oferta de serviços e promovendo maior interação com o entorno”.
Os novos empreendimentos e projetos se somam a um ambiente urbano privilegiado por um vasto patrimônio histórico e cultural. O Centro do Recife abriga marcos como o Marco Zero, o Paço do Frevo, o Cais do Sertão, a Torre Malakoff, a Casa da Cultura, o Forte das Cinco Pontas e o tradicional Cinema São Luiz, além de museus como o MAMAM e a Caixa Cultural.
A vida cultural também pulsa em palcos importantes como os teatros Santa Isabel, Apolo, Hermilo Borba Filho e Teatro do Parque. Entre os templos religiosos, destacam-se as igrejas de Madre de Deus, do Pilar, São Pedro dos Clérigos, Nossa Senhora do Carmo e da Penha.
Comments are closed, but trackbacks and pingbacks are open.