Alguns empreendimentos têm o poder de transformar o destino econômico, social e urbano de uma região. Esse foi o caso da Fábrica Caroá, cujas instalações históricas agora abrigarão a nova sede do Porto Digital Caruaru, no coração da principal economia do Agreste de Pernambuco, apoiado pelo investimento de R$ 44,5 milhões do Governo do Estado, por meio da Secretaria de Tecnologia e Inovação (SECTI).
O parque tecnológico ocupará 2.500 m² do Centro Cultural Tancredo Neves, espaço que, entre 1935 e 1978, foi o lar da Caroá. Com 600 m² a mais que a antiga sede na Rodovia 104, onde funcionava o Armazém da Criatividade, este novo polo de inovação resgata um espaço carregado de memórias e significados para Caruaru.

A Caroá é considerada a primeira indústria de desfibração do Brasil, moldando a economia local, tecendo histórias de vida, trabalho e progresso que lutam para permanecer vivas no imaginário coletivo da cidade.
As raízes de Caruaru remontam a 1681, quando terras foram concedidas a uma família. No entanto, foi apenas em 1849 que a futura cidade foi elevada à categoria de vila. A chegada da Caroá, nos primeiros anos da Era Vargas, coincidiu com um momento crucial de industrialização no país, marcado pela criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

O historiador George Pereira da Silva utiliza o termo “mini revolução industrial”, cunhado por Eric Hobsbawm, para descrever o impacto da fábrica na cidade.
“Ela gerou empregos diretos e indiretos, melhorou as condições de vida dos trabalhadores com salários fixos, ofereceu educação por meio da escola da Caroá e, para alguns, até moradia digna na vila operária”, explica George, coautor do livro Fábrica de Caroá: história e memória, escrito em parceria com Geyse Anne Silva Teixeira.
Origens da Caroá
A Fábrica Caroá foi fundada por José de Vasconcelos e Silva (1872-1944), um empresário que, após juntar suas primeiras economias no Recife, retornou a Caruaru e abriu um armazém de algodão.
Sua visão empreendedora o levou a expandir seus negócios para a Paraíba e o Rio de Janeiro, até que surgiu a ideia de explorar o caroá, uma planta fibrosa típica da caatinga nordestina.

O processo de desfibração do caroá permitiu a produção de uma variedade de materiais, desde cordas e barbantes até tapetes e sacarias. O cultivo da planta ocorria em Custódia, no Sertão do Moxotó, onde foram estabelecidas fazendas dedicadas exclusivamente ao caroá.
Um símbolo de modernidade

Com uma área de 41.500 m², a Caroá empregava inicialmente 350 operários, treinados para operar máquinas de fiação de fabricação alemã. A estrutura da fábrica, construída com materiais importados da Europa, como ferro e vidro, era um marco de modernidade.
A inauguração, em 9 de setembro de 1935, foi um evento grandioso, com a presença do governador Carlos de Lima Cavalcanti, congressistas, industriais e jornalistas, que chegaram a Caruaru em um trem especial partindo da Estação Central do Recife.
A fábrica não apenas transformou a paisagem urbana com seus grandes galpões e uma imponente chaminé, mas também influenciou o cotidiano da população. O apito da sirene, que marcava a troca de turnos, regulava a rotina das famílias vizinhas.

“A região ao redor da fábrica, como o Bairro do Salgado, cresceu a partir da vila operária e da migração de pessoas em busca de emprego”, destaca George.
Curiosamente, a Caroá chegou a fornecer energia elétrica excedente para a Prefeitura, iluminando parte da cidade. Além disso, construiu a “Vila Caroá”, um conjunto habitacional para seus funcionários, posteriormente demolido.
Declínio e legado
No começo dos anos 1970, a fábrica enfrentou uma crise financeira devido à falta de modernização, escassez de matérias-primas e divergências entre os proprietários.
Até houve um esforço que garantiu o seu funcionamento por mais oito anos, mas que não foi o suficiente. A Diocese de Caruaru chegou a denunciar atrasos salariais, evidenciando o impacto social do declínio.

A falência foi decretada em 1978. Na época, um possível leilão do imóvel causou uma grande discussão no município, pois a venda poderia se desdobrar em um apagamento de uma parte importante da história da cidade.
Assim, o Banco do Brasil adquiriu o imóvel por 120 milhões de cruzeiros, valor usado para quitar dívidas trabalhistas.
Em 1988, o prédio foi reformado e reinaugurado como o Centro Cultural Tancredo Neves, abrigando o Museu da Fábrica de Caroá, que preserva a memória da empresa e seu impacto na cidade.

“O espaço museal nos permite entender de que forma uma empresa ajudou no crescimento e desenvolvimento da cidade, permitindo-nos pensar e discutir sobre gerações passadas e presentes, salvaguardando memórias (muitas vezes afetivas) para as gerações futuras”, “, diz George.
“Além disso, a presença do museu dentro de um dos espaços onde funcionou a empresa ajuda a preservar aspectos estruturais do prédio, guardando parte de sua originalidade”.
Porto Digital Caruaru

A chegada do Porto Digital ao Centro Cultural Tancredo Neves marca um novo capítulo na história do local. Com 13 salas e uma infraestrutura moderna, o espaço será dedicado ao fomento do empreendedorismo inovador e à transformação digital de cadeias produtivas tradicionais.
Tudo isso só é possível graças ao contrato de gestão firmado entre o Porto Digital e o Governo de Pernambuco, anunciado no final de 2024, no valor de R$ 44,5 milhões – o maior contrato da história do ecossistema e de recursos adicionais por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), além da cessão do imóvel pela Prefeitura de Caruaru.
A nova sede contará com áreas de convivência, laboratórios multiuso, salas de treinamento, um auditório e até um estúdio de audiovisual.
Além disso, programas de capacitação tecnológica para jovens e parcerias com empresas locais e nacionais buscarão conectar cultura, tecnologia e negócios, promovendo inovação com impacto social no Agreste. A expectativa é de que o funcionamento comece no segundo semestre.
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Para George, a instalação do Porto Digital no local é uma oportunidade única de revitalização. “Vai dinamizar movimentos socioeconômicos e culturais, além de preservar o prédio e disseminar a história de Caruaru através da memória da Fábrica de Caroá”, afirma.
Assim, o passado e o futuro se encontram em um espaço que, mais uma vez, promete transformar a cidade e inspirar novas gerações.
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