A paisagem urbana do Bairro do Recife reúne marcas de diversas fases da arquitetura, mas nenhum edifício se impõe tanto na paisagem quanto o Vasco Rodrigues, atual sede do Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD). Com suas linhas sóbrias e estrutura em concreto, o prédio é o mais notável representante da arquitetura moderna na ilha.
Inaugurado em 1970 como sede do Banco do Estado de Pernambuco (Bandepe), o edifício cinza de 20 andares contrasta com o entorno, dominado por construções ecléticas do início do século XX.

Ao longo dos 25 anos de existência do Porto Digital, ele se tornou um dos maiores imóveis reabilitados diretamente pelo NGPD, em volume. Desde a concessão feita pelo Governo do Estado, 12 dos 19 pavimentos já foram completamente reformados.
Um marco da arquitetura moderna nordestina
Construído em uma área de 11 mil metros quadrados, o prédio foi projetado por Acácio Gil Borsoi (1924–2009), figura central da arquitetura moderna e do urbanismo no Nordeste.
Na inauguração, o edifício contava com escada rolante ligando o térreo ao primeiro andar e um auditório para 180 pessoas no topo — inovações que reforçavam o espírito de modernidade do projeto.
Segundo o próprio Borsoi, o paisagista Roberto Burle Marx foi responsável pelos jardins da base e das varandas. No entanto, a arquiteta Júlia Machado, superintendente de infraestrutura do NGPD, observa que não há documentos que comprovem oficialmente a autoria.

O projeto original destinava-se à Bolsa de Valores de Pernambuco, que ainda não possuía sede fixa. O prédio teria 23 andares, em terreno na esquina das ruas Álvares Cabral e Madre de Deus, com área de 6,8 mil m².
Em 1969, o Bandepe aproveitou as fundações já existentes. O cálculo estrutural ficou a cargo do engenheiro Joaquim Cardozo, conhecido pelos projetos de Oscar Niemeyer em Brasília.
Naquele momento, o Bandepe já somava mais de 30 anos de atuação, com programas de investimento público e linhas de crédito voltadas às comunidades do interior. Até então, suas atividades estavam dispersas em cinco prédios distintos.

A história do edifício se entrelaça com as transformações econômicas do Estado. Em 1998, durante o governo de Jarbas Vasconcelos, o Bandepe foi privatizado e vendido ao banco holandês ABN-Amro por R$ 182,9 milhões. O prédio passou, então, à iniciativa privada.
Dez anos depois, o Banco Santander adquiriu a operação do ABN-Amro e manteve uma agência no térreo por vários anos.
Do abandono à inovação
Após disputas judiciais, o edifício voltou a ser propriedade do Governo de Pernambuco em 2006, mas não foi imediatamente ocupado.
Enquanto isso, empresas de tecnologia da informação e comunicação (TIC) demonstravam crescente interesse em se instalar no Porto Digital. Faltavam, no entanto, espaços prontos para receber essas companhias.
“A ideia inicial de que o interesse das empresas por reabilitar imóveis com recursos próprios surgisse ao longo dos anos não foi atingida, pois as empresas não queriam investir tempo e dinheiro em reformar novos imóveis sem saber se permaneceriam ali por muito tempo, mas queriam testar o ambiente e, aí sim, migrar para seus imóveis definitivos”, explica Júlia Machado, no livro “Porto Digital – Inovação e Preservação no Centro Histórico do Recife”.

Diante desse cenário, o governo concedeu o edifício ao NGPD, que o transformou em uma espécie de “hotel de empresas”, abrigando gigantes como Accenture, Avanade, Stefanini, IBM e Cittati.
Nessa fase, a administração do Porto Digital ainda funcionava na Rua do Apolo, 181.
“Mudamos para o último andar do Edifício Vasco Rodrigues provisoriamente, por conta de uma reforma na Rua do Apolo. Acho que até por conta da vista, que é muito bonita, as pessoas achavam que era uma ideia boa continuar por lá”, relembra Leonardo Vasconcelos, ex-vice-presidente do Porto Digital.
“Na época, o presidente era Francisco Saboya. Entendemos que era melhor deixar o imóvel da Rua do Apolo para outra finalidade, que viria a ser o Portomídia.”
Reabilitação gradual de um espigão

Segundo Guimarães, a concessão tinha dois propósitos claros: “um deles era usar os pavimentos para abrir empresas de maior porte e o segundo era gerar recursos, como uma estratégia imobiliária, pois o Porto Digital sabia que em determinado momento eles poderiam escassear. Esses recursos iriam garantir que a governança pudesse continuar captando novos projetos”.
A recuperação do prédio foi feita aos poucos — com instalação de novas redes de telecomunicações, modernização de elevadores, melhorias nos sistemas hidráulico e de ar-condicionado, e parceria com a antiga Companhia de Eletricidade de Pernambuco (hoje Neoenergia), dentro de um programa de eficiência energética.
“Não pegamos esse prédio e dissemos: ‘vamos reformar tudo’. O modernizamos para atender as demandas das empresas. Já era um prédio bastante moderno, nunca houve, por exemplo, intervenções na fachada. Pelo contrário. O que houve foi melhorias, pavimento por pavimento”, destaca Guimarães.
Como contrapartida, o NGPD deveria instalar empresas do ecossistema do Porto Digital em diferentes andares, com cerca de 70 funcionários cada.

Em 2019, o 20º andar — que já havia abrigado um auditório — ganhou nova vida com a criação do Cinema do Porto, sala mantida pela Fundação Joaquim Nabuco. Foi a última grande intervenção estrutural do edifício.
Requalificação cultural e tecnológica
No segundo semestre de 2024, o Edifício Vasco Rodrigues teve aprovado um projeto de requalificação via Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), permitindo a captação de recursos privados para revitalização do espaço.
O prédio, tombado pelo IPHAN, é reconhecido pela Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural da Prefeitura do Recife como um dos imóveis de maior valor histórico e arquitetônico da área.

Atualmente, o Porto Digital busca parceiros e investidores para viabilizar a obra, oferecendo dedução de até 100% do Imposto de Renda sobre o valor investido.
“A regeneração deste espaço potencializa a capacidade do Porto Digital de atrair novas empresas, talentos e parcerias, além de consolidar um ambiente onde a tecnologia e a inovação convivem lado a lado com a história, enriquecendo a experiência de quem vive, trabalha ou visita essa área tão emblemática da cidade”, afirma Gustavo Rocha, superintendente de Arquitetura e Obras do Porto Digital, ao Jornal Digital.
A nova fase da requalificação pretende ampliar a acessibilidade, estimular atividades culturais e fortalecer o elo entre patrimônio e inovação tecnológica. Erguido como símbolo de modernidade nos anos 1970, o espigão do Bandepe segue apontando para o horizonte.

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