O Edifício Cabo Allemão, localizado na Avenida Rio Branco, no Bairro do Recife, foi requalificado para uso empresarial e adquirido pela Construtora Vale do Ave, que investiu cerca de R$ 10 milhões no empreendimento e agora busca uma organização para ocupá-lo.

O projeto de restauro foi assinado pela arquiteta Karla Grimaldi, com custo de R$ 1 milhão financiado pelos antigos proprietários. Agora, o prédio de 3 mil m² de área construída deve integrar-se ao novo momento econômico da ilha.
O passado do edifício, embora pouco conhecido, guarda ligação direta com uma área hoje bastante presente no bairro: a tecnologia da informação. Durante os seus primeiros anos, ele abrigou a sede de um telégrafo – tecnologia baseada em cabos submarinos que transmitiam mensagens por pulsos elétricos.
A história do Cabo Allemão

“Cabo Allemão” era o nome comercial do telégrafo submarino da Companhia Telegráfica Alemã Sul-Americana, inaugurado no Recife em 1911, inicialmente na Rua do Bom Jesus, número 10.
Os cabos submarinos eram fabricados em navios e lançados ao mar em um processo chamado de “assentamento”. Eram feitos com fios de cobre, revestidos com guta-percha, resina vegetal de impermeabilização. Nesse caso, os cabos foram produzidos por um navio chamado Stephan, construído na Alemanha em 1902.
A linha de comunicação enviava mensagens a diversos países da Europa e à América do Norte. Abaixo, era possível consultar as taxas por palavra, em anúncios assinados pelo gerente G. Taube.

Os telegramas partiam de Pernambuco e chegavam à estação terminal em Emden, na Alemanha, com apenas uma “trasladação”, o que garantia um serviço ágil e seguro. Emden, por sua vez, mantinha conexão telegráfica com importantes centros comerciais, incluindo uma linha para Nova York.
O serviço era utilizado por grandes investidores e por veículos da imprensa, uma vez que o Recife concentrava notícias econômicas e uma grande circulação de jornais. Em 1911, o governo federal reduziu as taxas para telegramas enviados à imprensa.
Esse tipo de infraestrutura buscava se instalar perto das redes de notícias, pois a velocidade da informação representava um diferencial estratégico para o mundo financeiro.
Mudança para a Avenida Rio Branco

A partir de 1916 já há registros do seu funcionamento no prédio da Avenida Rio Branco, 119, construído pela Construtora Pernambucana – também responsável pelos edifícios do Western Telegraph, na Praça do Arsenal, e do River Plate, na Praça do Marco Zero.
Com estilo eclético típico do início do século 20, o imóvel foi erguido no contexto das reformas urbanas do Bairro do Recife e do Porto. No topo do edifício, está gravado o nome “Cabo Allemão” – palavras ainda visíveis atualmente.
Quando o Cabo Allemão foi cortado

Com o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, começou a circular na imprensa recifense o boato de que o cabo alemão havia sido cortado próximo à Ilha de Tenerife, na Espanha, o que impediria a comunicação com a estação terminal de Emden.
À época, dizia-se que isso causava atraso na chegada de informações vindas da Alemanha, criando distorções sobre os relatos do conflito. A Companhia Telegráfica Alemã Sul-Americana chegou a negar o boato ao “Jornal do Recife”.
Em data posterior, o Jornal Pequeno explicou a situação. Segundo o periódico, o cabo realmente foi cortado entre Vigo, cidade portuária no norte da Espanha, e a Ilha de Tenerife, do arquipélago das Canárias. O corte foi uma ação de navios de guerra britânicos, inimigos da Alemanha.
Contudo, a atuação do Cabo Allemão no Recife não foi totalmente interrompida, pois o cabo que ligava a ilha de Tenerife ao Brasil permaneceu intacto.
Para manter o fluxo de informações, a empresa telegráfica South American Cable passou a transmitir dados de Vigo para Tenerife, que os repassava ao Recife via Companhia Alemã.

Um inglês especializado em telégrafos, entrevistado pelo Jornal Pequeno, afirmou, no entanto, que o fluxo de telegramas alemães diminuiu bastante após o corte, restando principalmente mensagens de origem espanhola.
“O telégrafo alemão enviava da Europa para cá entre 400 e 600 telegramas por dia. Hoje não envia mais que 40 ou 50. Veja que nosso objetivo foi claramente atingido. Por que iríamos agora cortar, apenas por prazer, um trecho de linha que ainda serve para repassar notícias espanholas sobre a guerra?”, disse o técnico, que não teve o nome divulgado.
Os britânicos também confiscaram o navio Stephan (responsável pela instalação do cabo no Recife em 1911). Após o conflito, ele passou a ser usado pela Western Telegraph, empresa inglesa que funcionava no prédio onde hoje está o Paço do Frevo.
O episódio marcou a vitória inglesa nas comunicações globais, e as menções ao Cabo Allemão desapareceram da imprensa local a partir de 1923.
Reutilização do edifício

Desde 1917, há registros de diversas empresas e instituições se mudando para salas do Edifício Cabo Allemão, incluindo companhias de navegação como a Societá Nazionale di Navegazione (Itália) e o Lloyd Hollandez (Holanda), que vendiam passagens para viagens marítimas.
Nos jornais, o nome “Edifício Cabo Allemão” aparece até os primeiros anos da década de 1920. Depois disso, a referência foi se apagando, sendo pouco lembrada atualmente. Nos últimos anos, o imóvel pertenceu ao Grupo João Santos.

Segundo a arquiteta Karla Grimaldi, o restauro seguiu normas rígidas de preservação, por estar localizado em uma das áreas mais sensíveis ao tombamento. O conjunto arquitetônico da ilha do Recife foi tombado pelo Iphan em 1998.
A fachada preserva adornos ornamentais, sacadas, janelas e os característicos pináculos de platibanda — elementos que conferem imponência e valor simbólico à construção.
Pioneirismo nas comunicações

Ainda sobre o tema do telégrafo, é importante lembrar que o Bairro do Recife foi o ponto de chegada do primeiro cabo telegráfico que ligou o Brasil à Europa, instalado pela Western Telegraph em 1873.
O cabo partia de Lisboa, passava pela Ilha da Madeira e por Cabo Verde até chegar à capital pernambucana. A Western manteve o monopólio do serviço até 1973, quando a empresa completou cem anos de operação.
Mais de um século após a chegada do telégrafo, o Bairro do Recife continua sendo um centro de informações — agora voltado à tecnologia da informação e à comunicação digital.
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