
Por Pierre Lucena
A requalificação do centro do Recife, especialmente do bairro de Santo Antônio, é um pleito antigo. Há décadas a cidade discute o abandono da sua área central — e quem vive e trabalha no Porto Digital sabe bem o quanto isso nos afeta. O bairro, que um dia foi o coração da capital, transformou-se em uma região degradada, esvaziada e, sobretudo, esquecida.
O prefeito João Campos anunciou recentemente o lançamento do Projeto Guararapes, desenvolvido com o apoio técnico do BNDES. Confesso que ainda não tive acesso ao projeto completo — o documento integral ainda não me foi disponibilizado — mas todas as indicações apontam para algo de grande escala e urgência.
O Porto Digital, por sua vez, já contribuiu com um estudo para a reabilitação de áreas centrais no Recife. Estamos prontos e dispostos a apoiar essa revitalização do centro da cidade, porque sabemos que o ambiente urbano, cultural e econômico que foi perdido precisa urgentemente ser reconstruído. Em especial, precisamos atrair moradias para ali, para que o centro deixe de ser apenas local de trabalho ou comércio e se torne novamente um lugar de vida e convivência.
Quando uma cidade perde seu centro, ela perde sua alma.
Essa frase resume bem o que está em jogo. O centro do Recife não é apenas um conjunto de ruas e prédios antigos; é o espaço simbólico onde a cidade se formou — e o espelho de como ela se enxerga. O abandono de Santo Antônio é também o reflexo de uma desconexão mais ampla entre a cidade e sua própria história.
É verdade que o poder público tem sua parcela de culpa. A falta de manutenção, de ordenamento urbano e de segurança transformou a região em um exemplo de “ingovernança” — uma combinação de inércia, burocracia e desarticulação. Além disso, o bairro de Santo Antônio sofreu fraturas urbanas profundas ao longo das décadas, que acentuaram seu processo de esvaziamento. A abertura da Avenida Dantas Barreto destruiu boa parte do tecido histórico original e criou uma barreira física que fragmentou o bairro. Mais recentemente, a parada de BRT no meio da Avenida Guararapes agravou essa sensação de ruptura, tornando o espaço menos acolhedor para pedestres e afastando ainda mais o convívio urbano.
Mas é preciso reconhecer que há uma dinâmica econômica em curso, que vai além da gestão municipal. O comércio se descentralizou — primeiro para os bairros, depois para os shoppings e, mais recentemente, para a internet. Essa transformação é global e irreversível. O centro perdeu seu papel comercial e precisa encontrar outro: voltado à cultura, à moradia e à convivência urbana. Morei durante muitos anos na região central do Recife. Fiquei alguns anos, quando estudante, morando na Conde da Boa Vista e depois me mudei para a região da Boa Vista, na Rua das Ninfas. Vi o centro perder completamente seu movimento em algumas ruas, como na Imperatriz, e posso afirmar que não vejo como o comércio pode voltar ao que era.
O desafio do Projeto Guararapes é imenso. Diferente do modelo adotado pelo Porto Digital no bairro do Recife Antigo — uma requalificação gradual, imóvel por imóvel, atraindo investidores aos poucos — Santo Antônio exige uma intervenção de uma só vez. Os prédios são grandes, o grau de degradação é elevado e o risco de especulação imobiliária aumenta se o projeto não for executado de forma integral e coordenada. Para quem quer ver algo a mais do projeto, a Prefeitura disponibilizou uma página.
Além disso, é preciso reconhecer que o retrofit — a recuperação de imóveis antigos — é caro. Estudos técnicos indicam que o custo por metro quadrado de requalificação pode chegar a quatro vezes o de uma habitação popular. Isso significa que, para devolver vida ao bairro, será necessário pensar em modelos híbridos que conciliem uso residencial, comercial e cultural, com incentivos e subsídios que permitam, inclusive, a presença de moradias de interesse social. Se for o caso, a prefeitura pode considerar mecanismos de subsídio parcial de aluguéis, garantindo diversidade e permanência no centro reabilitado.
Ainda assim, há um aspecto simbólico poderoso: pela primeira vez, temos um projeto consistente para o bairro de Santo Antônio. E isso não é pouca coisa. É um convite para que toda a cidade se mobilize — poder público, empresários, academia e sociedade civil — para que essa iniciativa saia do papel e se torne um exemplo de recuperação urbana inteligente.
Recuperar Santo Antônio não é apenas restaurar fachadas ou valorizar o metro quadrado. É reconectar o Recife com sua história, revitalizar o espaço público e devolver à cidade um pedaço de si mesma.
Porque, afinal, quando uma cidade perde seu centro, ela perde sua alma.
Pierre Lucena é presidente do Porto Digital e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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