Numa madrugada comum de 1985, a explosão de um navio no Porto do Recife instaurou pânico na cidade. Ainda existia o risco de que uma explosão maior ocorresse num raio de 5km, atingindo o Recife Antigo, Santo Antônio, Boa Vista, Pina e Brasília Teimosa.

Por volta das 1h20 da madrugada do dia 12 de maio de 1985, um forte estampido assustou todos os tripulantes e trabalhadores do Porto do Recife. Um dos tanques do navio Jatobá, que transportava gás liquefeito, explodiu após um curto circuito na casa de máquinas.

A explosão destruiu parte do Armazém 1, onde o navio estava, e logo criou labaredas de 20 metros de altura. O pior ainda poderia estar por vir: o Jatobá estava a 100 metros do parque de tancagem de combustíveis do Porto, que guardava vários tipos de inflamáveis.

Caso ocorresse uma nova explosão ou as chamas chegassem nesse parque, uma tragédia muito maior ocorreria.

As autoridades calcularam que essa nova explosão alcançaria um raio de 5 km, destruindo o Centro histórico do Recife e parte da Zona Sul.

O governador de Pernambuco era Roberto Magalhães, que foi acordado no Palácio do Campo das Princesas. Ao saber da situação, ele evacuou o prédio, que estava no raio do perigo, e refugiou-se no quartel do Derby.

Lá, Magalhães escreveu duas notas, do próprio punho, ordenando a população local a desocupar o Recife Antigo e recomendando a evacuação de toda a área ameaçada.

Ele convocou uma reunião com comandantes da PM, Corpo de Bombeiros e secretários para autorizar medidas preventivas.

O Corpo de Bombeiros chegou no local e combateu o incêndio por quatro horas. Eles arriscaram suas vidas, pois existia a possibilidade de novas explosões no navio. Durante o processo, a água da bomba-tanque acabou e foi necessário puxar água do mar.

Arquivo/Leonardo Paiva

O segundo ato de coragem foi o de Paulo Barbosa, funcionário do Porto que cortou os cabos amarrados nos cabeçotes do cais. Naquele momento ninguém queria se aproximar tanto no navio, então ele pegou um serrote e partiu para o ato, que era o primeiro passo para um reboque.

Mas o ato heróico até hoje lembrado foi o de Nelcy Campos, prático da barra do Porto do Recife. Chamado às pressas em sua casa, às 1h40 da madrugada, ele chegou no Porto e soube da sua missão.

Nelcy Campos

Nelcy comandou um barco rebocador chamado Saveiro (foto) para realizar uma perigosa operação. Primeiro, ele teve de cortar as amarras e rebocar um navio norueguês com carregamento altamente explosivo, a 200 metros do Jatobá, e afastá-lo do Cais.

Depois, chegou o momento de rebocar o próprio Jatobá, que poderia explodir a qualquer momento. Já eram 9h da manhã. Nelcy e a tripulação do Saveiro fizeram um excelente trabalho, afastando o navio e levando-o até Paulista, onde ele ficou a três milhas da praia do Janga.

O Jatobá ficou durante mais de 15 dias no Janga, aguardando um reboque para Salvador (BA). O risco de novas explosões não impediu que ele fosse furtado. Ladrões levaram peças de nylon, chumbo, bronze e outros metais, o que irritou muito as autoridades locais. 

Só no dia 28 de maio o Jatobá foi levado para Salvador (BA) pela embarcação Corveta Forte de Coimbra. Lá, foi feita uma perícia para entender as causas da explosão.

O acidente causou um prejuízo de 150 milhões cruzeiros ao Porto do Recife e fez o poder público acelerar a mudança da tancagem de combustíveis para o Porto de Suape, que já existia e tinha instalações mais seguras.

Caso o pior tivesse acontecido, Recife teria vivido um acidente similar ao da região do porto de Beirute, no Líbano. Uma explosão atingiu um depósito de nitrato de amônio, matando 100 pessoas e ferindo mais de 4 mil.

Hoje, existe um busto do prático Nelcy Campos em frente ao Terminal Marítimo do Recife, no Recife Antigo. Uma homenagem digna a um herói que ajudou a salvar o coração da capital.

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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