O Marco Zero do Recife como conhecemos hoje é uma praça bastante atual, ao contrário do que muitos pensam. Esse espaço, porém, tem uma trajetória que se confunde com a história da própria capital.
Lá no começo da colonização, o Recife Antigo foi o berço da cidade: um pequeno povoado ligado ao Porto. Sua composição geográfica, conforme vemos no mapa, fez a área ser chamada de “língua estreita de terra” por cronistas da época.
Esse apelido provavelmente deu origem ao nome que por muito tempo foi usado para se referir ao que atualmente vai do Marco Zero ao Cais do Sertão: Lingueta. A área também foi chamada de Cais do Trapiche, mas foi o nome Lingueta que se firmou.
No século 19, o Cais da Lingueta se consolidou como um espaço de descida dos passageiros de navios, dando novo impulso ao espaço. Era comum que as pessoas ficassem naquela área olhando a movimentação dos navios, como fazem hoje nos aeroportos.
O Cais da Lingueta tinha diversos banquinhos, rodeados de árvores, onde as pessoas se sentavam para assistir ao Porto. Nele era possível encontrar desde um vendedor de frutas descansando até uma dama da alta sociedade à espera do desembarque do marido que vinha da Europa.
Em 1865, o espaço passou a abrigar a primeira sede da Associação Comercial de Pernambuco, que ficava mais ou menos onde hoje existe o armazém do restaurante Seu Boteco. Isso fez com que a área também fosse chamada de “Praça do Commercio.”
O Cais da Lingueta foi o trecho que iniciou no Recife a presença de tradicionais hotéis, como o Hotel de France e o Hotel D’Europe, e casas de refeições francesas e inglesas. Também tinha sedes de grandes empresas e os primeiros estabelecimentos bancários da província.
Nos anos 1910, o Recife Antigo passou por uma grande reforma e o Cais da Lingueta foi abaixo. Em sua área, construíram uma praça que dá origem a quatro avenidas que se afastam.
No entorno da Praça, surgiram prédios como a antiga sede do London & River Plate Bank, uma nova sede da Associação Comercial de Pernambuco e o Bank of London & South America Limited (atual Caixa Cultural).
Olhar para aquele novo horizonte, com prédios verticalizados, era como ver a Av. Boa Viagem atualmente. O espaço teve nomes como Praça Afonso Pena, presidente da República no início das obras, e Praça Alfredo Lisboa, nome do engenheiro das reformas do porto.
Em 1917, foi inaugurada a estátua em bronze do barão diplomata Rio Branco, com 2,5 metros de altura, feita pelo escultor francês Felix Charpentier. O seu pedestal em pedra tinha 4,2 metros. A homenagem justificou o nome “Praça Rio Branco”, que permaneceu por décadas.
Só em 1938 que o Automóvel Clube de Pernambuco instalou lá o marco zero, que era apenas uma placa que servia de base para fazer as medidas oficiais de distâncias rodoviárias da cidade.
Contudo, as pessoas não se referiam ao espaço como “praça do Marco Zero”. Isso só seria consolidado em 1999, com uma nova reforma em homenagem aos 500 anos do Brasil. A Prefeitura convidou o pintor Cícero Dias, que criou o desenho Rosas dos Ventos. A estátua do Barão foi colocada de lado.
O desenho do Marco Zero foi inspirado na tela “Eu vi o mundo… E ele começava no Recife”, que escandalizou o mundo artístico nos anos 1930 por trazer mulheres nuas, que, junto à coloração saturada, criava um certo clima sensual.
Desde então, a Praça do Marco Zero tem sido um dos principais pontos turísticos do Recife, recebendo grandes eventos como o Baile do Menino Deus e a Paixão de Cristo do Recife. Em fevereiro, comporta o principal palco do Carnaval da cidade.
Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commércio
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