Quem não sonha em vencer na vida? Isso significa fazer melhor do que os seus pais fizeram. Ir mais longe e ter uma qualidade de vida melhor. Em geral, espera-se que isso esteja associado a méritos próprios. Lute pelo seu e você terá as suas conquistas! Nos Estados Unidos, por exemplo, isso é associado ao “sonho americano”. A ideia de que qualquer um pode “chegar lá”.

Os cientistas sociais chamam esse processo de mobilidade social. A possibilidade de melhorar na vida ou mudar de classe social é uma das grandes atratividades do capitalismo. Não há castas. Você não precisa nascer em um grupo pré-definido para ser rico. Qualquer um pode dar duro e transformar a própria vida. Há vários exemplos de pessoas que “não tinham nada” e que, por mérito próprio e muito trabalho, tornaram-se ricos ou milionários. Há filmes e livros a respeito. Mas, será que é assim mesmo no Brasil?

Pesquisadores pernambucanos, do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco, em conjunto com pesquisadores da Universidade Luigi Bocconi, de Milão, Itália, acabaram de publicar um estudo que olha de perto essa questão.[1] Usando dados da Receita Federal, do IBGE (Censo Demográfico e PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Único de programas sociais (CADUNICO), os economistas foram capazes de acompanhar a evolução do grupo de pessoas nascidas no final da década de 1980. O que aconteceu com essas crianças em termos de mobilidade social?

Uma criança nascida em uma família que está entre os 20% mais pobres da população tem apenas 2,5% de chances de ascender na pirâmide social

Alguns resultados importantes. Pensando numa escada de 100 degraus. Se o rico não mudasse de posição, um jovem que iniciasse no 25º degrau levaria sete gerações para chegar no 75º degrau. Sete gerações! Outro dado interessante: uma criança numa casa que pertence aos 20% mais pobres da população tinha apenas 2,5% de chance de subir ao topo da distribuição (Na Suécia, por exemplo, as chances seriam de 15,7%).

O trabalho é denso e traz muito mais resultados interessantes. Por exemplo, as chances de melhoria são ainda menores para as mulheres, para os não brancos e para os nascem no Nordeste. Num país onde a pobreza é elevada, o estudo indica que as oportunidades não são iguais para todos.

Isso não significa que tudo está perdido e não há o que fazer. Os indivíduos devem continuar buscando “subir na vida”. Mas, o que o estudo indica é que é mais do que importante se pensar em políticas públicas que permitam maior mobilidade social no país. E qual seria o caminho? Um caminho que parece óbvio é o da educação. Apesar de ser um tema “batido”, educação pública de qualidade me soa como uma resposta clara ao problema, pelo menos para elevar as chances de competição por empregos e oportunidades melhores. Nesse sentido, a educação pode ser transformadora.

Temos alguns poucos exemplos de programas de qualidade que estão mudando a vida de jovens e suas famílias. Na educação fundamental o exemplo de Sobral, no Ceará, talvez seja o mais famoso. Hoje os jovens das escolas públicas daquele município estão obtendo notas na prova internacional do PISA equivalentes e até superiores a alunos de escolas de países desenvolvidos, a exemplo de França, Portugal e Itália. Isso é algo fantástico, considerando o desempenho médio dos alunos brasileiros nessas provas internacionais.[2] O Ceará tenta há anos replicar os bons resultados de Sobral e tem, aos poucos, melhorado os resultados para o resto das escolas estaduais. Esses certamente terão mais chances do que os seus pares que estão em escolas piores no resto do país.

Outra iniciativa importante aconteceu, e acontece, em Pernambuco. Nesse caso, no ensino médio, com as escolas de tempo integral. Colocar as crianças em tempo integral gerou resultados tão positivos que vários outros estados foram tentar entender a mudança e copiar o formato. Bom para todos. Eu tive a oportunidade de conversar com jovens de várias dessas escolas no início do programa. Era surpreendente a mudança de comportamento e compreensão desses jovens. Os objetivos eram maiores e os sonhos também.

Enquanto o Ceará focou inicialmente no ensino fundamental (hoje também estão implementando mudanças no ensino médio) e Pernambuco no ensino médio, o Governo Federal “abriu” os institutos federais com o sistema de cotas. Criticado por muitos, elogiados por outros, o sistema de cotas trouxe para as universidades estudantes de escolas públicas. Esses jovens têm agora a chance de obter uma educação superior de qualidade. É verdade que muitos têm dificuldade de acompanhar o ritmo por falta de uma base melhor, mas a maioria tem aproveitado essa oportunidade.[3]

A educação de qualidade ajuda na formação e pode abrir as portas do mercado de trabalho. Mas, conseguir um emprego ainda é uma etapa difícil e fundamental no processo de mobilidade social. Como ajudar nisso?

Nesse sentido vale citar o programa Embarque Digital (parceria entre a Prefeitura do Recife e o Porto Digital). O programa dá um passo importante e tenta fechar um circuito. Ele abre as portas do ensino superior para jovens carentes moradores do Recife, define junto com as instituições e as empresas uma grade curricular robusta e moderna e faz o primeiro contato entre os jovens e as empresas através de um processo de residência, no qual os jovens experimentam os primeiros passos do mercado de trabalho sob a supervisão direcionada de profissionais experientes. O programa é recente e busca atualização constante, especialmente por estar focado no setor de tecnologia.

O mais interesse aqui é que um sucesso num programa como esse tem um efeito direto na mobilidade social e pode transformar a vida dos jovens e de suas famílias. O Brasil é um país extremamente desigual com um percentual de pobreza elevado. Para se ter uma noção dessa magnitude, metade da população vive com renda per capita mensal inferior a R$ 750. Isso é um pouco mais de meio salário-mínimo.

Para intensificar esse problema, estamos começando a ter dados confirmando que, além disso, as oportunidades para “mudar de vida” são desiguais. Não podemos condenar os jovens à pobreza e à miséria. É preciso entender que o mercado sozinho não tem sido capaz de resolver essa questão e políticas públicas devem ser consideradas como parte da solução. Educação é um caminho. O que mais podemos fazer? A agenda está posta.


[1] O trabalho é intitulado “Intergenerational Mobility in the Land of Inequality” e tem como autores Diogo G. C. Britto, Alexandre Fonseca, Paolo Pinotti, Breno Sampaio e Lucas Warwar. O estudo está publicado como artigo para discussão número 15611 no IZA Institute of Labor Economics, de setembro de 2022. Veja neste link.

[2] Ver a notícia aqui.

[3] O trabalho de Ricardo Vieira e Mary Paula Arends-Kuenning (2018) aponta alguns dos resultados das políticas de cota. Confira aqui.