Às vezes, o que parece ser o futuro já faz parte do presente. Esse parece o caso da computação quântica, uma tecnologia emergente ainda não tão difundida, mas que já tem aplicações bem-sucedidas e pode ganhar mais espaço num horizonte de tempo relativamente próximo. O assunto fez parte do primeiro dia de programação do REC ‘n’ Play, realizado entre os dias 16 e 19 de novembro no Bairro do Recife e em Santo Antônio.


Na avaliação do mestre em informática e doutor em química computacional Erico Teixeira, apesar de a computação quântica ainda estar longe de ter todo seu potencial posto em prática, ela já pode ser considerada uma realidade. “Se tem alguém ganhando dinheiro com isso, a tecnologia já é do presente”, afirma o pesquisador e professor da CESAR School, que falou sobre o tema em palestra na Escola Técnica Estadual (ETE) Porto Digital.


Para entender melhor esse ramo da computação, é válido saber que seus fundamentos vêm da física quântica, ou mecânica quântica, área de estudos dedicada aos fenômenos subatômicos. Em seu funcionamento, a computação quântica adota uma propriedade das partículas do universo atômico, o princípio da dualidade onda-partícula, em que duas partículas subatômicas podem existir simultaneamente em diferentes estados.


“Em suma, o que a computação quântica faz é mudar a forma de representar a informação básica”, explica Erico Teixeira. Enquanto as máquinas padrão utilizam os bits, menor unidade de informação, que pode assumir apenas dois valores, 0 ou 1, a computação atômica não opera de modo binário. “Nesse caso, a informação é representada pelo bit quântico, o qubit, que pode ser, simultaneamente, 0 e 1”, acrescenta Teixeira. Com isso, o computador quântico pode processar mais dados ao mesmo tempo, com maior eficiência. Dado o seu funcionamento, os computadores quânticos têm potencial para revolucionar processos em diferentes setores, incluindo indústria, transportes e comércio.

Potenciais aplicações dos computadores quânticos:
• Uso aprimorado do aprendizado de máquina;
• Estudo de efeitos químicos e físicos que não podem ser simulados em computadores convencionais;
• Maior segurança na criptografia (criptografia quântica);
• Indústria farmacêutica, para prever resultados da interação de medicamentos com as células;

Enquanto em alguns segmentos o seu uso ainda está em desenvolvimento, outros já têm soluções postas em prática. A Volkswagen, por exemplo, passou a adotar a computação quântica para otimizar o processo de pinturas de carrocerias na linha de produção, alcançando uma redução de 80% no desperdício de tinta.


Outro uso já posto em prática por algumas é em operações logísticas, como é o caso da rede de supermercados canadense Save-on-Food, que a partir de 2020 passou a adotar computação quântica com essa finalidade. Enquanto antes o tempo gasto para cálculo de algoritmos de otimização levava cerca de 25 horas por semana, a média caiu para apenas dois minutos. Também já há experiências brasileiras. Recentemente o banco Itaú passou a explorar a computação quântica para modelos preditivos, no intuito de melhorar a retenção de usuários e de identificar fatores que levariam os clientes a deixarem de utilizar seus serviços.


“Já existem muitas outras possibilidades de aplicação. O que ainda falta é as empresas e indústrias estarem abertas a adotar a computação quântica”, diz Erico Teixeira. Um grande entrave atual são os elevados preços de hardware – em média, US$ 15 milhões –, além da exigência que a máquina seja mantida em temperatura extremamente baixa, por volta dos -272 °C. Por outro lado, também já existem possibilidades de execução de algoritmos quânticos na nuvem, uma opção consideravelmente mais econômica enquanto os custos da tecnologia seguem elevados.


Embora esses exemplos listados possam também ter soluções encontradas a partir da computação tradicional, o uso das máquinas quânticas, além de garantir uma velocidade muito superior, entregam resultados mais assertivos. “A computação clássica apresenta as chamadas soluções heurísticas, que são aproximadas, não exatas”, observa Teixeira.


Para essa nova tecnologia ser mais difundida, falta ainda um número maior de gente especializada. “O problema de formação é mundial, muitos centros do mundo sentem necessidade de mais profissionais em computação quântica”, comenta o pesquisador, que participa de um grupo de estudos no CESAR. Ele adianta que há planos de criação de um curso de formação específico para a área inserido no ecossistema do Porto Digital.

Programação resgata história da criação do Porto Digital

Além de falar sobre futuro e tendências em áreas como tecnologia, empreendedorismo, economia criativa etc., o primeiro dia da quarta edição do REC ‘n’ Play dedicou um espaço para revisitar o passado. Mais especificamente, a história de criação do Porto Digital, que contou com a participação de fundadores, presidentes e figuras-chave na criação do polo pernambucano, como Zé Cláudio, CEO da Procenge, empresa pioneira no movimento de criação do Porto Digital.


Segundo um dos seus fundadores, Silvio Meira, o Porto Digital, criado em 2000, não foi idealizado apenas como uma operação de ciência e tecnologia. “Era também uma operação de sociedade, política, de urbanismo, de arquitetura, de recuperação do Centro do Recife”, acrescenta. Secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente à época da fundação do Porto Digital, o cofundador Claudio Marinho coordenou a política pública que resultou na criação parque tecnológico. Ele destacou a importância que o polo e suas mais de 350 empresas representam para a economia de Pernambuco. Em 2021, o faturamento foi de R$ 3,6 bilhões.


Ex-presidente do parque tecnológico, Chico Saboya aproveitou a oportunidade para enaltecer o fato de que o Porto Digital tem recursos e autonomia, mas destacou também a necessidade de o poder público atuar mais ao lado da iniciativa privada. “Seja no Brasil ou em outros países, a esfera pública é fundamental para financiar a inovação. Quando o Estado entra, ele compra parte desse risco”.


Presidente do Porto Digital, Pierre Lucena reforçou o papel social que o polo cumpre. “O Porto Digital é de todo mundo e de ninguém. É política pública perene”, afirmou na ocasião. Ele também destacou iniciativas desenvolvidas no polo para a formação gratuita de jovens oriundos de escolas públicas para trabalhar em postos nas empresas embarcadas. “É um processo de ação afirmativa em larga escala, incluindo a população negra e periférica”.