Ex-presidente do Porto Digital, Francisco Saboya considera que algumas vocações locais, em áreas como educação, artes, cultura e ciência, colocam o estado e o Recife em posição de vantagem para o desenvolvimento da indústria criativa

Frequentemente lembrado pela riqueza e diversidade cultural, Pernambuco hoje está entre os dez estados com maior participação da economia criativa na composição do produto interno bruto (PIB). Segundo a mais recente edição do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, publicado este ano, 2% do PIB estadual, 2020, são oriundos dos setores criativos. Esse segmento foi contemplado ao longo de toda a programação dos quatro dias do REC ‘n’ Play, realizado entre os dias 16 e 19 de novembro, no Bairro do Recife.

Além dessa já relevante participação na composição do PIB, que ainda tem potencial para crescer, outro indicador do papel que os negócios criativos têm assumido no quadro econômico é o crescimento do faturamento das empresas de software embarcadas no Porto Digital. O Mapeamento também aponta que, entre 2018 e 2022, esse aumento foi de 98%, dado expressivo sobretudo no comparativo com o panorama do Brasil, em que o PIB se manteve praticamente estagnado.

O estudo também destaca que, entre 2019 e 2020, o setor cultural caiu 12,1%. Por outro lado, entre 2017 e 2020, o número de profissionais formais atuando em indústrias criativas cresceu 11,7%, alcançando 935 mil pessoas. A alta foi puxada pelas áreas de tecnologia e consumo, que concentra aproximadamente 85% dos empregos. O desempenho é significativo principalmente porque considera o ano de 2020, marcado pela pandemia e pela retração do emprego formal no Brasil.

Ex-presidente do Porto Digital e atual superintendente do Sebrae-PE, o economista e mestre em engenharia de produção Francisco Saboya considera que algumas vocações locais, em áreas como educação, artes, cultura e ciência, colocam o estado e o Recife em posição de vantagem para o desenvolvimento da indústria criativa.

Esse potencial local, inclusive, é reconhecido internacionalmente, a exemplo inclusão do Recife, em 2021, na Rede de Cidades Criativas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A iniciativa busca promover a cooperação entre cidades que têm a criatividade como fator estratégico para o desenvolvimento.

Ao falar sobre o assunto, Saboya faz questão de frisar as diferenças conceituais entre negócios criativos e cultura: “A economia criativa é um conceito muito largo, tem sido, inclusive, utilizado de maneira indevida para substituir – como se fosse uma palavra gasta – a velha cultura”. Embora uma esteja inserida na outra, são coisas distintas, destaca o especialista. “A cultura é a liga de um povo, é o que dá um sentido de identidade, nem toda manifestação cultural é uma manifestação de mercado”, avalia.

“Quando a gente fala de economia criativa, falamos de economia, o que significa mercado, negócios. A cultura é uma coisa maior”, afirma Saboya. Em suma, o conceito de negócios criativos parte do princípio de que a cultura pode ter valor de marcado. O economista explica: “Algumas manifestações culturais, algumas expressões artísticas, combinadas com tecnologia e negócios podem ser uma fonte de crescimento econômico, de geração de riqueza e emprego”. 

O desenvolvimento e a expansão da indústria criativa estão intrinsecamente ligados aos avanços das tecnologias digitais. “Um mundo cada vez mais em rede, conectado, permite que você tenha plataformas que alcançam milhões de usuários, coisa que o mundo analógico não permite”, comenta Saboya. Na avaliação do especialista, a economia criativa permite conciliar dois aspectos que, à primeira vista, podem parecer contraditórios: a autoralidade e a massificação.   

Ao citar exemplo da indústria de videogames, ele comenta que os jogos são artefatos digitais que preenchem as condições de obras culturais. “Tem a obra, o autor, a originalidade. Mas só que ela é uma obra singular e não é. Não é singular porque pode estar em 500 mil ‘paredes’, que são telas de um celular ou um de computador. Mas é única, porque foi alguém que fez. Isso permite, portanto, fazer com que o trabalho autoral vá muito mais longe”, analisa. “Alcançando mais pessoas, gera uma cadeia de negócios da qual se beneficiam aqueles que fazem parte do mundo da economia criativa”, complementa.

Tendo participado como palestrante em diferentes atividades no REC ‘n’ Play, Saboya faz um balanço a respeito do evento, inteiramente gratuito, que teve mais de 40 mil inscritos, além de grande público não inscrito que participou de atividades abertas. “É um evento que expressa muito bem o compromisso com esse mundo da economia criativa, que discute de forma democrática e oportuniza acesso a essa nova agenda. Daí sairão muitos novos negócios. Quantos jovens não vão sair energizados para serem empreendedores? Centenas, milhares, talvez”.