“A tecnologia tem que servir para melhorar a vida das pessoas”, afirma Pierre Lucena, presidente do Porto Digital

Quem levou suas crianças para assistir à apresentação da turma do Mundo Bita no último dia do REC ´n´ Play, no sábado (19/11), talvez não perceba de imediato a estreita relação que o projeto musical infantil tem com a proposta do evento. Além ter sua série animada desenvolvida a partir de uma empresa incubada no Porto Digital, o projeto é fruto de um esforço que engloba tecnologia, empreendedorismo e economia criativa, três dos eixos principais do festival.

Hoje um gigante do entretenimento infantil, o Mundo Bita acumula mais de 14 bilhões visualizações em seus diversos clipes no YouTube. A criação pernambucana é um caso que o presidente do Porto Digital, Pierre Lucena, gosta de utilizar ao falar sobre empreendedorismo. “A primeira coisa que temos de levar em consideração quando falamos de empreendimentos, principalmente os de base tecnológica, é que eles surgem a partir da resolução de um problema específico”, diz. “O Uber, por exemplo, que é visto como uma inovação disruptiva, ele surgiu para resolver um problema efetivo, a mobilidade na cidade, de pessoas que precisavam de um transporte mais rápido”, explica Lucena. E, no caso do Mundo Bita, qual era a questão? “Eles [os idealizadores] eram pais recentes que queriam um produto de qualidade para os seus filhos e não encontravam”.

Pierre Lucena também utiliza esse case pernambucano para desmistificar a visão do empreendedor solitário, que idealiza um negócio sozinho. No caso do estúdio responsável pela animação, o Mr. Plot, cada um dos fundadores assumiu diferentes frentes, como composição de músicas, computação gráfica, finanças etc. “É um conjunto multifacetado, de pessoas que fazem um produto”, diz o presidente do Porto Digital, enfatizando que, inclusive, o empreendedorismo pode – e deve – ser cultivado em espaços coletivos, como no ambiente de trabalho. 

“Os bons negócios de base tecnológica hoje estão saindo de dentro das empresas ou são de profissionais que estão largando o emprego e empreendendo. As grandes empresas, todas têm startups”, avalia Lucena. “Acredito que futuro é esse”, opina, citando como facilidades o aporte de recursos e retirada do risco de prejuízo financeiro existente em iniciativas individuais.

O fato de as empresas estarem cada vez mais abertas ao modelo das startups tem a ver também uma mudança no ambiente de negócios. “Antes, a gente tinha startups surgindo de faculdades, isso basicamente está acabando, porque os problemas de hoje estão muito complexos”, comenta Pierre Lucena. “Você precisa de códigos muito modernos para resolver, de soluções mais complexas”, adiciona. Além da expertise e dos recursos de empresas já estabelecidas, pesa o fato de os empreendedores mais bem-sucedidos serem, no geral, mais experientes. “O bom empreendedor, hoje, é o mais maduro”.

De fato, negócios fundados por pessoas acima dos 40 anos costumam ter maior índice de sucesso, aponta estudo dos pesquisadores Pierre Azoulay e Daniel Kim, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Para fazer essa correlação entre idade e desempenho dos negócios, a dupla fez um levantamento da performance de diferentes startups norte-americanas e da faixa etária dos fundadores.

Ao todo, foram avaliados negócios de 2,7 milhões de pessoas, entre 2007 e 2014. Os empreendimentos com maior crescimento eram geridos justamente por indivíduos com, em média, 45 anos. “Então, quando você vê a maturidade dos bons empreendedores, é que já quebrou uma ou duas vezes antes”, observa Lucena, lembrando também que os fracassos podem fazer parte da jornada empreendedora.  

Empreender pode ser caminho para inclusão e desenvolvimento social

Ainda que as empresas despontem como ambientes propícios à criação de startups, uma formação educacional sólida é indispensável para a promoção do empreendedorismo. “Você precisa ter uma base de conhecimento, e o papel da universidade e de ambientes como o Porto Digital é crucial nisso”, pondera Pierre Lucena. E, para além disso, a inclusão social também tem um papel importante a cumprir. “Acontece que empreender em base tecnológica, no Brasil, acabou sendo para jovens de classe média alta. E quando você restringe isso para uma parcela da população, você só traz os problemas dessa população”.

“A tecnologia tem que servir para melhorar a vida das pessoas”, continua o presidente do Porto Digital. “A partir do momento que você não inclui a população em situação de vulnerabilidade social dentro de um processo de inovação, você simplesmente esquece a grande parcela desses problemas que poderiam ser resolvidos com tecnologia, para que a gente possa melhorar a qualidade de vida na cidade”.

“E a preocupação que a gente tem é de incluir as pessoas no processo, para trabalharem na área de tecnologia, virarem empreendedores, trazer a galera de periferia para ajudar a resolver esses problemas”, reflete Lucena. Um dos principais esforços locais nessa direção, atualmente, é o programa Embarque Digital, realizado pelo Porto Digital em parceria com a Prefeitura do Recife e com apoio da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro PE/PB).

Lançada em 2021, a iniciativa já contabiliza 1,5 mil estudantes bolsistas em cursos de nível superior na área de tecnologia, todos jovens egressos da rede pública de ensino. Desse total, 800 são bolsas integrais. Metade das vagas são destinadas pessoas pardas ou negras. O total de alunos participando do programa já supera o volume do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco, o que, na avaliação de Pierre Lucena, deve mudar a demografia do cenário de tecnologia no Recife. A expectativa, mais adiante, é ampliar a abrangência do programa para fora do Recife, a partir de parceria com o Governo do Estado.