Essa história nos leva ao Brasil dos anos 1840, no Segundo Império. A política se dividia entre os partidos Conservador e Liberal. Em Pernambuco, esses partidos eram dominados pelas famílias Rego Barros e Cavalcanti, respectivamente. Essas famílias se alternavam no poder.
O poder dos Cavalcanti deu origem ao ditado “há de ser Cavalcanti / Ou há de ser cavalgado”. Já o outro grupo tinha como líder Francisco Rego Barros, o futuro Conde da Boa Vista. Ele foi o governador que transformou o Recife com inúmeras obras caras aos cofres públicos.
Foi o Conde da Boa Vista que mandou construir prédios como o Teatro de Santa Isabel e o Edifício da Alfândega. Denúncias sobre desvios de verbas da obras era constantes, por isso o grupo político conservador foi apelidados de “gabirus” – ratos que roubavam o dinheiro público.
Apesar das obras custosas aos cofres públicos, Pernambuco atravessava um período de crise. A economia açucareira entrava em declínio, os grandes proprietários concentravam muitas terras e os portugueses mandavam nos preços do varejo, o que dificultava o acesso à comida.
Nesse contexto, um grupo do Partido Liberal decidiu romper para fundar o Partido Nacional de Pernambuco, que defendia mais reformas populares. Seus membros fundaram também um jornal para circulação de ideias: O Diario Novo.
A sede do Diario Novo ficava na Rua da Praia, o que fez o Partido Nacional ganhar o apelido de Partido da Praia – e os seus membros de “praieiros”. Lá também ficavam redações de jornais como A Voz do Brasil, A Guarda Nacional, O Foguete, todos de ideias mais libertárias.
O “Diario Novo” era um contraponto a um grande jornal do Estado: o Diario de Pernambuco, que já existia desde 1825, representava grandes proprietários e tinha alinhamento com governos conservadores, chegando a funcionar como Diário Oficial. Ele foi apelidado de “diário velho” pelos praieiros.
Em 1845, o Partido Liberal venceu as eleições e os praieiros, muito próximos do novo presidente da província, conseguiram ocupar vários cargos importantes. Nessa época, a polícia começou a fazer buscas em engenhos para apreender armas, criminosos escondidos e escravos furtados, o que gerou muita polêmica.
Além disso, os praieiros defendiam que o varejo fosse parar às mãos dos brasileiros. Essa questão do nacionalismo foi tão estimulada que começou a gerar ataques de xenofobia a estrangeiros e suas lojas, o que ficou conhecido como “mata-marinheiros”.
Em 1848, no entanto, os conservadores voltaram a ganhar as eleições e promoveram uma devassa nos cargos públicos. Mas os praieiros não aceitaram. Em janeiro de 1849, lançaram o “Manifesto ao Mundo” – o que já lembra o manguebeat. Eles pediam voto livre e universal, liberdade de imprensa, garantia de trabalho e mais.
Os praieiros criaram um governo alternativo em Água Preta e começaram pelo interior uma rota para atacar o Recife pelo Norte e pelo Sul, no que ficou conhecido como Revolução Praieira. Os revolucionários travaram diversos combates com a guarda nacional.
O Recife e outras diversas cidades viveram uma guerra civil, até que o movimento perdeu força após a morte de um dos líderes: Joaquim Nunes Machado, morto com um tiro na cabeça no Largo da Soledade. Com isso, os líderes foram se entregando ou sendo capturados.
A Revolução Praieira foi a última última rebelião provincial do Brasil no Segundo Reinado, trazendo o mesmo espírito libertário de episódios como a Revolução Pernambucana (1817) e da Confederação do Equador (1824).
Nos anos 1990, Chico Science usou o episódio para resgatar um certo sentimento de pernambucanidade, dialogando com a ciranda e elementos tropicais. “E é praieira, vou lembrando a revolução…”.
Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio
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