Criptomoedas, blockchain, NFT, contratos inteligentes, finanças descentralizadas… Esses foram alguns dos termos mais falados em 2022, e todos eles têm algo em comum: fazem parte do fenômeno Web3, para muitos, o próximo grande salto evolutivo da internet. Mas o que é isso exatamente?

Antes de mais nada, é necessário fazer uma diferenciação entre Web3 de Web 3.0. E antes de entrar nessa discussão, temos que voltar um pouco na própria história da rede mundial de computadores.

No túnel do tempo…

Quando falamos de Web 1.0 e Web 2.0, estamos nos referindo às primeiras eras da World Wide Web (nossa querida WWW) divididas a partir das evoluções da tecnologia e dos formatos. Os termos foram cunhados pelo editor Tim O’Reilly em uma série de palestras que ele deu em 2004 – O’Reilly também foi responsável por popularizar o termo “open source”, mas isso é outra história.

Na concepção de O’Reilly, a Web 1.0 diz respeito ao período entre 1991 e 2004, no qual a maioria dos sites eram páginas estáticas e os internautas apenas consumidores, e não criadores de conteúdo. O que o editor apresentava em sua conferência era a nova Web 2.0, um espaço ocupado por fóruns, mídias sociais e serviços como blogs e wikis, nos quais os usuários poderiam contribuir ativamente. Ou, como O’Reilly explicava, “a web como plataforma”.

Esse era o estado da rede até pouco tempo atrás e é agora que as coisas começam a divergir entre Web 3.0 e Web3. O conceito de Web 3.0 foi criado por ninguém menos do que o engenheiro Tim Berners-Lee, somente o “pai” da internet. Ele nasce muito mais como uma ideia do que como uma mudança concreta. Na visão de Berners-Lee, a Web 3.0 é a “Web Semântica”, na qual os dados da Internet podem ser legíveis e analisados por máquinas, de maneira que possam ser compartilhados e reutilizados entre aplicativos, empresas e comunidades. O termo que Tim Berners-Lee usa é o de “teia de dados”.

Já a ideia da Web3 foi introduzida pelo cofundador da Ethereum, Gavin Wood, em 2014, como uma resposta à Web 2.0. Nesse cenário (que é praticamente o atual), a rede é controlada por um punhado de “Big Techs” como Facebook, Amazon e Google, que centralizam a distribuição de dados na web – e da mesma forma tem o poder de manipulá-los de maneira nem sempre ética. A Web3 seria uma versão descentralizada da internet, baseada principalmente na tecnologia blockchain. Na visão idealizada, a Web3 devolveria aos usuários o controle dos seus dados e sua identidade online.

Isso porque a blockchain permite um sistema de gravação e distribuição de informações de forma que torna quase impossível mudar ou enganar o sistema. Cada transação é sincronizada e validada por toda rede de computadores de maneira descentralizada. É isso, por exemplo, que impede que você dê Ctrl+C e Ctrl+V nos seus bitcoins, ou que valida que aquele NFT horroroso de macaco é original e seu.

Finalmente Web3  

A Web3 possui quatro princípios fundamentais:

·        É descentralizada: em vez de grandes extensões da Internet controladas e pertencentes a entidades centralizadas, a propriedade é distribuída entre seus construtores e usuários.

·        Não tem permissão: todos têm acesso igual para participar do Web3 e ninguém é excluído.

·        Possui meios de pagamento nativos: ele usa criptomoeda para pagar e enviar dinheiro online, em vez de depender da infraestrutura de bancos e processadores de pagamento.

·        É “trustless”: opera usando incentivos e mecanismos econômicos em vez de depender de terceiros.

Vamos explicar um pouco melhor esse quarto item. Na Web2, se você compra um item, você compra na verdade a licença para usar aquele item, e esta é vinculada diretamente à sua conta na plataforma em que você comprou. Por exemplo: se você compra um filme no iTunes, e a Apple excluir sua conta ou tirar a plataforma do ar, já era, você perderá esse filme e o dinheiro que gastou nele.

Na Web3, o usuário tem o direito à propriedade direta por meio de tokens não-fungíveis (os famosos NFTs). Se a empresa que lhe vendeu aquele ativo digital falir, ele continua sendo e você poderá vender ou trocar em mercados abertos, recuperar seu valor ou até mesmo lucrar em cima dele.

Outro exemplo, agora relacionado à identidade digital. Você é um influencer famoso que ganha centenas de milhares de reais fazendo propagandas de diversas marcas no Instagram. Até que um belo dia, a Meta esquece de pagar o boleto da AWS e a rede social sai do ar por um dia. Todos os posts que você tinha programado naquele dia não vão ao ar, e ao invés de receber das marcas, você tem que pagar uma multa por quebra de contrato. Essa é a Web2 controlada pelas Big Techs.

Na Web3, seus dados residem na rede blockchain. Quando você decide sair de uma plataforma, pode levar sua reputação com você, conectando-a a outra interface que controle melhor a estabilidade dos seus servidores.

Ok, mas como eu ganho dinheiro com isso?

Tudo isso parece muito legal em teoria. Mas na prática, a coisa ainda está engatinhando – e não sem muita dificuldade. O mercado de NFTs desacelerou como um carro esporte que bate num poste, e as criptomoedas entraram num inverno que já dura meses. Uma pesquisa feita pelo National Research Group nos Estados Unidos apontou que apenas 13% dos consumidores sabem o que é Web3 e mais da metade (54%) nunca ouviu falar no termo.

Porém, na mesma pesquisa, para 81% dos entrevistados a Web3 terá um impacto positivo – e muitas marcas estão apostando nisso. O ano de 2022 trouxe algumas experiências interessantes, em quase todos os casos relacionadas com outra palavra que foi falada o ano todo (e que também ainda há de mostrar a que veio): metaverso.

Um dos mais populares universos do metaverso, o Decentraland, promoveu esse ano seu primeiro Metaverse Fashion Week, com marcas como Dolce & Gabbana e Tommy Hilfiger, além de um show da cantora Grimes. Ainda no mundo da moda, a Nike lançou sua própria plataforma Web3, a .Swoosh, que permite aos usuários adquirir roupas digitais como camisetas e tênis, e consiga acesso a eventos físicos, além de poder cocriar suas próprias mercadorias virtuais.

O Walmart promoveu suas experiências em outra plataforma do metaverso, a Roblox. A já mencionada Tommy Hilfiger apresentou um desfile na plataforma popular entre os jovens, e a marca Carolina Herrera criou uma versão digital de um vestido usado pela modelo Karlie Kloss.

O Roblox ganhou tantos holofotes este ano que lançou seu primeiro “Relatório de Tendências do Metaverso”, que apontou que 70% dos usuários da Geração Z dizem que vestem seus avatares da maneira como se vestem na vida real. E mais: a influência também pode acontecer na direção inversa, e o estilo do avatar incentivar uma mudança no guarda-roupas fora da rede.

Se na pandemia de covid-19 você se viu tendo que adaptar sua empresa à nova realidade do social commerce nas redes sociais, comece a pensar em como atuará na Web3. Durante a Conferência de Estratégia e Tecnologia Digital do MIT, o diretor de estratégia da McFadyen Digital, Peter Evans, explicou que aproveitar as oportunidades apresentadas pela nova tecnologia pode não ser tão diferente de se adaptar às comunidades virtuais que surgiram da Web2.

“Quando pensamos em Web3, realmente temos que pensar em plataformas. É assim que os ativos são entregues e trocados. É uma questão de criação de valor de terceiros e os efeitos de rede associados a essas plataformas”, afirma Evans.

Renato Mota é jornalista, e cobre o setor de Tecnologia há mais de 15 anos. Já trabalhou nas redações do Jornal do Commercio, CanalTech, Olhar Digital e The BRIEF

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