Demissões em massa, carência de recursos financeiros e mudanças de rumo foram tendências no mercado de empresas iniciantes em 2022. Depois de um período de investimentos sem precedentes e o surgimento de novas startups avaliadas em mais de US$1 bilhão, o ecossistema enfrentou uma realidade desafiadora.

O Brasil começou a ver seus primeiros unicórnios – as tais empresas iniciantes avaliadas em mais de US$1 bilhão – em 2017, e logo entrou no ranking dos 10 países com o maior número de startups com essa avaliação. De acordo com a StartupBase, o país conta com 17 unicórnios entre as 22.590 empresas iniciantes. 

Entretanto, no início de 2023, um estudo realizado pelo Inside Venture Capital, pertencente ao polo de inovação da Distrito, detectou uma queda de 84% nos investimentos em empresas iniciantes no mês de janeiro quando comparado com o mesmo mês em 2021. O montante arrecadado foi de US$96 milhões, e desses, metade foi direcionada para apenas uma startup, a Órigo, com um total de US$45,5 milhões.

“É um mercado muito dinâmico. No início da pandemia, por volta de março de 2020, começamos a perceber um movimento de cautela entre os investidores. Era um momento inédito para todos, um cisne negro”, lembra Yves Nogueira, líder do Núcleo Pernambuco da Anjos do Brasil. Logo depois, um mundo novo se abriu para o mercado: reuniões virtuais e sistemas de gestão remotos começaram a se tornar essenciais para as empresas. 

É importante notar que o primeiro trimestre de 2022 apresentou resultados positivos, com as startups captando um total de US$2,04 bilhões, representando um aumento de 4%. No entanto, a partir de abril, houve uma queda de 5% nos investimentos se comparado com o mesmo período em 2021. Segundo a análise da Distrito, os aportes deveriam ter crescido, porém em um ritmo mais moderado, o que de fato aconteceu ao longo do ano.

“A pandemia também trouxe para os investidores daqui a possibilidade de entrarem em contato com projetos lá fora, poder ver um pitch de uma startup estrangeira à distância”, conta Nogueira. O momento atual, porém, é de reacomodação do mercado. “Não secou. A quantidade de investimento é grande ainda e muitos dos fundos já estão captados. O que acreditamos é que o mercado está mais seletivo”, completa o investidor. 

Dinheiro com gênero

Como de costume, as mulheres foram as mais prejudicadas pelo “inverno” do capital de risco. As startups fundadas por mulheres receberam US$4,3 bilhões de investimentos em 922 acordos, apenas 2% do total de aportes. O valor é o menor desde 2016, de acordo com o estudo “All In: Female Founders in the US VC Ecosystem”, da consultoria americana PitchBook. Felizmente, a projeção é de melhoria, com analistas avaliando a tendência dos investidores de capital de risco voltarem a mirar em negócios liderados por mulheres em 2023.

“Os anos de 2020 e 2021 foram realmente o boom de investimentos. Depois disso desacelerou e muitas empresas enfrentaram dificuldade e passou-se a ter um cuidado maior com a saúde financeira das empresas”, afirma Eliza Gouveia, consultora de negócios que faz parte do grupo Sororitê, uma rede de investidoras-anjos mulheres que só investem em startups lideradas por mulheres. 

Há também uma estagnação na criação de novas startups fundadas por mulheres. Há 10 anos, as empresas de base tecnológica fundadas apenas por mulheres representavam 4,4% do mercado total. Hoje, o índice é de 4,7%, segundo o “Female Founders Report 2021”, estudo elaborado pelo Distrito com a Endeavor e a B2Mamy.

No recorte étnico-racial, enquanto 56% dos brasileiros se declaram negros, de acordo com dados do IBGE, apenas 19,1% das fundadoras brasileiras são negras (sendo 5,8% pretas e 13,3% pardas), de acordo com o “Female Founders Report 2021”.

Na mesa de negociações, o cenário é semelhante. A presença de mulheres investidoras é escassa tanto em fundos de venture capital como em redes de investimento-anjo. Nos Estados Unidos, apenas 16% dos cargos de general partners em VCs são ocupados por mulheres e 95,5% das empresas de VC têm um grupo majoritariamente masculino de tomadores de decisão.

“Há muita dificuldade de algumas empreendedoras, que tratam de temas femininos, de estar frente a frente com investidores homens. Há muito preconceito em relação à maternidade e outros temas que não são colocados aos homens. Ter grupos como a Sororitê no mercado é essencial”, comenta Eliza. 

Apesar disso, as mulheres estão liderando mais startups em busca de investimento por meio do equity crowdfunding, com um aumento significativo de lideranças femininas de 3% em 2021 para 13,7% em 2022.

E o pior é que isso não faz o menor sentido. E não estamos falando em “lacração” ou diversidade, mas de dinheiro mesmo. Um estudo feito pelo fundo de capital de risco First Round Capital apontou que startups fundadas por mulheres apresentam performance 63% superior. Outro trabalho, feito pelo Boston Consulting Group, demonstrou que a cada dólar que uma mulher fundadora ou cofundadora levanta, ela gera 2,5 vezes mais receita do que um fundador do gênero masculino.

Nova estratégia

Entre 2020 e 2022, os negócios relacionados a blockchains e moedas digitais ganharam muita atenção, apesar da queda do mercado de criptomoedas no ano passado. Mesmo assim, os fundos de capital de risco mantiveram uma presença relevante no mercado e injetaram cerca de US$ 35,9 bilhões em projetos de criptomoedas, quase US$ 7 bilhões a mais do que em 2021. A Messari, em seu relatório com previsões para o mercado cripto em 2023, indica que o cenário de investimentos sofrerá mudanças drásticas neste ano.

“Esse mercado de capital empreendedor é um trabalho de aculturamento nas duas pontas: na ponta do empreendedor é prepará-lo e ajudá-lo a buscar o investimento – desde a estruturação do seu pitch. E na outra ponta vem a experiência dos investidores. É um mercado ainda muito novo para muita gente, mas já dá para perceber que muitos executivos, de outros setores da economia mais tradicional, que acumularam alguma liquidez e querem entender mais o investimento em startups – e a gente sempre alerta do nível de risco”, explica Nogueira. 

O foco agora está voltado para a inteligência artificial. Ações de empresas que usam tecnologia de inteligência artificial para melhorar produtos ou obter uma vantagem estratégica estão em alta. “No investimento, quanto maior o risco, maior o retorno. Startups têm uma possibilidade de retorno muito grande, mas o risco é muito alto – globalmente, na fase inicial, a mortalidade das empresas é de 70%. Mas existe sim um movimento muito grande na ampliação no número de investidores, que estão buscando informações para poder trocar experiência”, completa o líder pernambucano da Anjos do Brasil.

A Microsoft aumentou sua participação na startup OpenAI, com o objetivo de enfrentar o Google/Alphabet na pesquisa na Internet. A partir de agora, analistas dizem que a Microsoft parece estar ganhando uma guerra de relações públicas contra o Google em iniciativas e investimentos em inteligência artificial.

O ChatGPT é apenas uma das muitas tecnologias de “IA generativa” que podem agitar uma série de indústrias criando texto, imagens, vídeo e código de programação de computador por conta própria. A tecnologia de IA generativa já está encontrando aplicações em marketing, publicidade, desenvolvimento de medicamentos, contratos legais, videogames, suporte ao cliente e arte digital.

De acordo com dados foram coletados pela Universidade Stanford, nos Estados Unidos, para a elaboração do seu Artificial Intelligence Index Report 2022, o investimento privado em IA disparou enquanto a concentração de investimentos se intensificou.

O investimento privado em IA em 2021 totalizou cerca de US$ 93,5 bilhões – mais que o dobro do investimento privado total em 2020. Ao mesmo tempo, desde 2018, o custo para treinar um sistema de modelo de linguagem (como o ChatGPT) diminuiu 63,6%, enquanto o tempo de treinamento melhorou 94,4%. A tendência de custo de treinamento mais baixo, mas tempo de treinamento mais rápido favorece a adoção comercial mais ampla de tecnologias de IA.

Espera-se que o mercado de inteligência artificial (IA) mostre um forte crescimento na próxima década. De acordo com a Statista, seu valor de quase 100 bilhões de dólares pode crescer vinte vezes até 2030, chegando a quase dois trilhões de dólares. Em 2022, as receitas do mercado global de inteligência artificial ficaram em torno de 433 bilhões de dólares. Prevê-se que o mercado global de IA tenha um rápido crescimento nos próximos anos, atingindo mais de meio trilhão de dólares americanos até 2023.

Quer saber mais? O Cais, podcast do Porto Digital, fez um episódio especial sobre Capital Empreendedor, que você pode ouvir aqui. 

Renato Mota é jornalista, e cobre o setor de Tecnologia há mais de 15 anos. Já trabalhou nas redações do Jornal do Commercio, CanalTech, Olhar Digital e The BRIEF

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