Nos últimos anos, houve uma mudança na maneira como as empresas se posicionam nos mercados. Tradicionalmente, havia uma concentração em torno de suas competências principais e visando se estabelecerem como líderes em uma indústria ou nicho específico. Isso mudou com o surgimento da economia de ecossistema, que foca em criar valor para todas as partes interessadas de um negócio – usuários, clientes, revendedores, fornecedores, colaboradores e operadores logísticos. 

O primeiro autor a fazer essa associação entre negócios e ecossistemas foi James F. Moore, em 1993, no artigo “Predators and Prey: A new ecology of competition”, publicado pela Harvard Business Review. Moore relata a necessidade das empresas evoluírem continuamente, por meio de inovação e colaboração, para atender às necessidades dos consumidores. 

Posicionando-se como ecossistemas, as companhias reconhecem que elas próprias representam uma rede de atores comprometidos em criar valor conjuntamente para os clientes e usuários. Para isso, elas se concentram em como podem trabalhar conjuntamente com outras empresas para criar uma oferta mais abrangente e valiosa.

Além disso, é fundamental ter a capacidade de aprender a partir do comportamento dos diversos atores do ecossistema – usuários, clientes, fornecedores, promotores, operadores logísticos e desenvolvedores – para que o mesmo consiga evoluir e crescer à medida que as mudanças de comportamento vão acontecendo. Tendo em vista o cenário colocado, as empresas que se posicionam como ecossistemas estão entre as mais relevantes do mundo, conforme mostraremos a seguir.

Considerando os dados do site Companies Market Cap,  temos a relação das dez empresas com maior capitalização de mercado no gráfico acima. Dentre elas, Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon, NVIDIA, Meta Platforms, Johnson & Johnson e Tesla se posicionam como ecossistemas em seus respectivos nichos de mercado. Há outras maneiras de definirmos as maiores empresas do mundo – através do: faturamento, lucro, número de colaboradores, dentre outros – contudo, independente da escolha, teremos empresas que se posicionam como ecossistemas se destacando nesses rankings. Vamos trazer dois exemplos interessantes de como novos negócios foram criados pelo Grupo Moura a partir do comportamento de clientes das mesmas.

O primeiro caso é o do serviço “Moura Fácil”, desenvolvido a partir de um maior entendimento dos problemas da jornada de troca da bateria automotiva. Observou-se, a partir do comportamento dos motoristas, que a demanda por substituições de baterias é frequentemente emergencial, isto é, a maior parte das pessoas realizam as trocas quando os carros param de funcionar. Neste contexto, a escolha pela bateria acontece, principalmente, por conveniência e por disponibilidade, em conjunto com critérios técnicos quando há mais de uma opção disponível para a aquisição.

A análise desse comportamento provocou um processo de experimentação e inovação que resultou no desenvolvimento do “Moura Fácil”, o serviço de instalação de baterias novas, no local onde o cliente está, em até 50 minutos, com pagamento após a realização do serviço e com a opção de parcelamento em até 10 vezes. 

No cotidiano da operação do “Moura Fácil”, outro problema relevante foi identificado: o parcelamento em múltiplas vezes. Sob o olhar dos clientes, a compra emergencial da bateria era majoritariamente não-planejada, podendo comprometer uma parcela de um orçamento já comprometido com outras despesas.

Os dados de uma pesquisa da Opinion Box sobre meios de pagamento apontou que 80% da amostra usava cartão de crédito, 94% utilizava parcelamento, 42% afirma parcelar sempre que possível e 10% quando está com o orçamento apertado. Além disso, a Serasa aponta que em torno de 70,7 milhões de brasileiros estão inadimplentes em março de 2023, com uma dívida média de R$4.731,62 por pessoa, totalizando R$ 334,5 bilhões em dívidas, representando 43,4% da população adulta brasileira.

Por outro lado, sob a ótica dos revendedores autorizados, o parcelamento em múltiplas vezes imobilizava parte do recebíveis, comprometendo o fluxo de caixa dos mesmos ou gerando custos adicionais para antecipação dos recebíveis, gerando uma redução significativa da margem dos revendedores. Com base nesse contexto, temos o nosso segundo caso, onde a Moura descobriu essa oportunidade que poderia potencializar as vendas, tanto no “Moura Fácil” como nas vendas diretas de baterias nas revendas físicas, uma rede com mais de 50 mil lojas por todo o país e em países da América do Sul. 

A proposta em questão tinha como objetivo criar uma plataforma de serviços financeiros que pudesse atender aos desejos dos compradores e vendedores:  parcelamento em até 10 vezes, no entanto, sem onerar os revendedores com os custos de antecipação dos recebíveis. Para materializar essa proposta, Moura investiu R$ 50 milhões de reais na Lucree, empresa que já fornecia serviços financeiros para a Moura, para a criação da Propig, uma  joint venture com o objetivo de atender o ecossistema de revendas autorizadas Moura.

Atualmente, a Propig oferece outras soluções financeiras como uma conta digital com um cartão de crédito associado sem precisar de um banco físico, o split do pagamento entre os recebedores – funcionalidade interessante para evitar bitributação e facilitar a divisão dos recebimentos em contas separadas – e vincular múltiplos estabelecimentos em uma única máquina de cartão – funcionalidade interessante para lojistas com mais de um ponto de venda. 

Esses dois exemplos retratam como a Moura foi aprendendo com o comportamento dos clientes e dos fornecedores para criar novos serviços agregados no contexto das vendas de baterias automotivas através do posicionamento como um ecossistema. Tem algum caso interessante que deseja destacar? Comente o texto em nossas redes sociais!

Fernando Sales é professor do Departamento de Engenharia Biomédica da UFPE e Pesquisador do Porto Digital

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