Há mais de 100 anos, o Recife Antigo era totalmente diferente do que atualmente conhecemos. Uma grande reforma urbana transformou o bairro, com diversas motivações e impactos naquele contexto histórico. 

O século 19 foi marcado por transformações urbanísticas no mundo. Entre 1850 e 1870, Paris se projeta como a grande cidade moderna com a renovação urbana de Georges-Eugène Haussmann. Ele demoliu quase 20 mil prédios históricos e abriu amplas avenidas com prédios neoclássicos.

Ponte Giratória (aberta) na década de 1920 – Foto: autoria desconhecida

Essa ideia chega ao Brasil a partir do século 20, com o início da República. O Rio de Janeiro, então capital federal, é a cidade que vai assumir essas mudanças com reformas no centro histórico.

Esses ventos de progresso logo chegariam no Recife. Desde 1815 já existiam projetos para reformar as instalações portuárias, mas sem execução. Em 1887, o engenheiro Alfredo Lisboa (hoje nome de uma avenida) apresentou um projeto que foi sendo aprimorado ao longo dos anos.

O projeto final para as reformas teria execução federal, com o aporte de 81 mil contos-de-réis. O orçamento seria dividido para obras do porto, novas vias e desapropriações.

Entrada do porto do Recife – Foto: autoria desconhecida (1875)

Até aquele momento, o bairro fazia jus ao título de berço da cidade: era um conjunto confuso de travessas e ruas tortas, desiguais, escuras e sem calçamento. Cronistas falavam sobre um “aspecto quase selvagem, a provocar medo e sobressaltos.”

Apesar da estrutura confusa, o bairro era nobre: concentrava o comércio importador e exportador, finanças e serviços públicos como transporte ferroviária, marítimo e comunicações. Cerca de 13.000 pessoas residiam no bairro, quase sempre nos andares superiores dos sobrados.

Além do Porto, outro ponto que favoreceu a reforma foi o Plano de Saneamento para o Recife. Com o pensamento higienista da época, o poder municipal queria demolir prédios que apresentassem “insalubridade, periculosidade ou desagradável impressão” para a saúde pública.

Antigo prédio da Associação Comercial – Foto: Manoel Tondella, Photografia Tondella (1905)

As obras começaram em 1911. A abertura da Avenida do Porto (atual Alfredo Lisboa) implicou na demolição do antigo prédio da Associação Comercial de Pernambuco, de 1865, armazéns e um grande número de casas. Em todo o bairro foram alargadas várias ruelas já existentes.

A abertura da Avenida Marquês de Olinda foi a mais brutal, demolindo o Largo do Corpo Santo, que abrigava a Igreja do Corpo Santo, um antiga construção nascida junto com a povoação do Recife, ainda no século 16. Em 1711, também foi instalado um pelourinho ali.

Destruição da Igreja do Corpo Santo – Foto: Francisco du Bocage (1913)

A Marquês de Olinda também implicou na demolição do Arco da Conceição, erguido pelos holandeses em 1643. Ele servia como porta da cidade na época da colonização holandesa e foi posteriormente virou espaço de veneração à Nossa Senhora da Conceição. 

Foi durante essas obras que surgiu a antiga Ponte Giratória, ligando o bairro a São José. Sua linha férrea se tornou o principal transporte de cargas para o porto. Ela se abria para passagens de barcos.

Arco da Conceição com acesso à ponte Maurício de Nassau – Foto: José de Paiva Crespo_Acervo Fundaj (1900)

Mais de 480 imóveis foram desapropriados para demolição, expulsando 5 mil pessoas só entre 1910 e 1911. Os que pagavam aluguel em cômodos e pensões foram os mas prejudicados, pois a cidade vivia uma crise habitacional.

Mario Sette escreveu: “Pouco a pouco desaparecia aos olhos, não um bairro, mas um cenário de milhares de criaturas no seu presente e no seu passado… Poucos falariam ainda desse burgo onde o Recife nascera… tudo no chão. Nunca se vira uma loucura assim”.

Nota no Diario de Pernambuco em 7 de novembro de 1910 Acervo da Biblioteca Nacional/Reprodução

Por outro lado, quem continuou no bairro viu as margens de lucro aumentarem com a valorização dos imóveis. Terrenos avaliados em 10 mil réis por m² em 1909 passaram a valer 55 mil réis por m² em 1918. As obras acabaram em 1926.

Assim escreveu Escreveu J Castro: “A praça Rio Branco faz mesmo lembrar Hamburgo. Quem diria que desse outro lado do Atlântico, o viajante iria topar com um espetáculos destes, logo no primeiro porto que o navio toca. Espetáculo típico de cidade europeia, e das grandes”.

Construção nos prédios da atual Praça Rio Branco – Foto: Acervo Museu da Cidade do Recife

Os novos prédios seguiam a escola de ecletismo arquitetônico, surpreendendo pela imponência. Diversas instituições financeiras ocuparam os novos imóveis, como o British Bank of South America, Banco do Brasil, entre outros.

Vista Aérea de Recife – Foto: Escola de Aviação Militar (1934)

Infelizmente, a reforma não impediu que a região sofresse uma degradação ao longo do século 20. Já nos idos dos anos 1940, o Bairro do Recife enfrentou um período de decadência e virou centro de prostíbulos.

Uma revitalização foi realizada nos anos 1990, incluindo a inauguração da atual Praça do Marco Zero e a chegada do Porto Digital, que transformou o bairro histórico na sede do maior parque tecnológico urbano do Brasil.

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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