O mundinho tech vive de ciclos regidos pela tecnologia disruptiva da vez, que vai solucionar todos os problemas e revolucionar a forma em que vivemos. Atualmente, em 2023, esse hype atende pelo nome de Inteligência Artificial Generativa. Em 2017, o momento era da blockchain. E em 2021, só se falava em “metaverso”.
Claro, essa onda foi “forçada” pelo então Facebook, que desde 2014 vinha investindo na criação de um amplo universo de soluções baseadas em realidade virtual, começando com a compra da Oculus, fabricante de óculos VR. Quatro anos depois, Jason Rubin, líder da divisão dentro da empresa, já avisava que, apesar das centenas de milhões de dólares gastos, o negócio não “pegou” como esperado, e que para ficar à frente da concorrência, a companhia teria que abordar a questão de outra maneira e investir na criação de um “metaverso”.
A oferta de serviços online explodiu com a pandemia de Covid-19, em 2020, e o CEO da empresa, Mark Zuckerberg, apostou em uma “aceleração permanente” que continuaria após a pandemia. O Facebook aumentou de 48.268 funcionários para mais de 87 mil e anunciou um rebrand: a marca Facebook passaria a se referir somente à rede social, e a empresa agora atenderia pelo nome de Meta Platforms, para sinalizar esse foco maior no metaverso – uma extensão digital do mundo físico, um universo virtual compartilhado, onde as pessoas podem interagir, se divertir, trabalhar e aprender de forma imersiva e realista por meio de mídia social, realidade virtual e recursos de realidade aumentada.
Pouco mais de um ano e meio depois, quase não se fala mais em metaverso. A Meta demitiu massivamente seus funcionários, em especial dentro da divisão de realidade virtual, mas a unidade de metaverso dentro da empresa continua perdendo dinheiro – foram quase US$ 4 bilhões no último trimestre. No Google Trends, a busca por “metaverse”, que teve um pico logo após o anúncio da mudança de nome, despencou mais de 80% no último ano e praticamente voltou aos números que tinha antes de 2021.
A Reality Labs, a divisão da Meta que desenvolve os headsets que seriam usados no metaverso, teve um prejuízo de USD 13,7 bilhões, no último ano – e nunca viu a contratação de 10 mil pessoas para o setor como foi prometida. Tantos revezes fizeram com que o próprio Zuckerberg desse um passo para trás na última conferência com acionistas, e assumir que a tecnologia não era a única coisa (nem a prioridade) que a sua empresa estava desenvolvendo no momento.
O “fim do metaverso” tem gerado muita discussão e especulação nos últimos tempos, para além do fracasso da Meta na empreitada. Um exemplo recente foi o anúncio da Microsoft do fim do metaverso AltspaceVR, uma plataforma de realidade virtual social que foi adquirida pela empresa em 2017. O AltspaceVR era um dos concorrentes diretos da Meta no segmento do metaverso, mas não conseguiu se manter no mercado e atrair uma base fiel de usuários. A Microsoft encerrou o serviço em março, e liberou os usuários a migrarem para outras plataformas similares. O Daydream, da Google, foi encerrado em 2020 e a Apple só deve lançar seu próprio headset VR este ano, ainda testando o mercado.
Esses casos podem ser um indicativo de que o metaverso não é tão promissor quanto se imaginava, e que pode estar fadado ao esquecimento ou à irrelevância. Será que o metaverso já acabou antes mesmo de começar? Em uma entrevista de Zuckerberg ao The Verge logo após o anúncio, o metaverso é definido como “uma visão expansiva e imersiva da Internet”, mas a explicação sempre foi muito vaga, o que dificultou até no entendimento do público sobre qual seria a proposta (para além da possibilidade de realizar reuniões online utilizando avatares um tanto quanto toscos).
Outras empresas como a Epic (através do Fortnite) e Roblox têm tido mais sucesso em suas próprias versões de metaverso, mas são ambientes muito mais restritos do que era a proposta da Meta. O Decentraland, talvez a plataforma do metaverso mais bem-sucedida atualmente, afirma que tem cerca de 8 mil usuários ativos diários – muito menos gente do que as que jogam Fortnite todo dia. No auge do hype, entre 2021 e 2022, lotes virtuais eram negociados por valores milionários (um chegou a ser vendido por US$ 2,43 milhões). Atualmente, os terrenos virtuais movimentam cerca de US$ 50 mil por semana e 68% deles nunca foram comprados.
Qual a diferença do Decentraland e do Horizon Worlds (plataforma da Meta) para o Roblox e o Fortnite? Bem, os dois últimos têm um objetivo definido: são jogos, e os usuários entram lá para se divertirem (e gastam dinheiro com itens dentro do game). Nas plataformas abertas do metaverso, as pessoas que frequentam não sabem muito bem o que fazer – e em muitos casos a navegação é confusa e cheia de falhas. Isso acaba pegando mal para as possíveis empresas que querem anunciar por lá, impactando qualquer possibilidade de faturamento.
Apesar de tudo, a Meta não está pronta ainda para jogar a toalha de vez. Um estudo publicado na semana passada pela consultoria Deloitte apontou que o metaverso tem potencial para contribuir com cerca de 2,4% do PIB dos Estados Unidos até 2035 – são US$ 760 bilhões que podem vir de diversas áreas para além do entretenimento, como o setor de saúde e até o militar. A pesquisa ainda indica que recursos em realidade virtual e realidade aumentada podem ultrapassar os smartphones como a principal plataforma de computação.
Só tem um “porém”. O estudo foi pago pela Meta.
Renato Mota é jornalista, e cobre o setor de Tecnologia há mais de 15 anos. Já trabalhou nas redações do Jornal do Commercio, CanalTech, Olhar Digital e The BRIEF
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