Os submarinos ainda despertam um certo fascínio no imaginário coletivo, sejam pelas suas aparições na ficção, utilizações militares ou até pelo recente passeio turístico mal sucedido do submersível Titan, da empresa OceanGate. Essas curiosas embarcações estão entre as invenções aprimoradas pelas guerras, assim como os dirigíveis (zeppelin).

Especificamente na Segunda Guerra Mundial, os submarinos foram protagonistas da Batalha do Atlântico, a mais longa campanha militar do período, estendida de setembro de 1939 até a derrota da Alemanha, em 1945. O Nordeste do Brasil esteve no centro desse conflito, com um submarino chegando a rondar o Porto do Recife.

O Nordeste do Brasil era a “ponte” ideal para o Norte da África, sendo apelidado de “Trampolim da Vitória” – Crédito: Reprodução

Já no começo da década de 1940, a entrada dos Estados Unidos na guerra após o ataque de Pearl Harbor começou a complicar a posição de neutralidade do Brasil. Os EUA logo iniciaram uma pressão para que o Nordeste brasileiro, a melhor “ponte” do continente para o Norte da África, fosse protegido e usado para trânsito de aeronaves militares – o Recife, por exemplo, teve o Campo do Ibura.

Embora o Brasil não estivesse de fato na guerra, essa relação com as forças Aliadas logo ocasionaram retaliações, a começar pelo ataque ao navio mercante brasileiro Buarque, afundado perto da Flórida.

Submarino U-507, da Alemanha nazista – Crédito: Reprodução da Internet

Ainda em março de 1942, os EUA alertaram o Brasil sobre a possibilidade de um ataque ao Nordeste em agosto. A ação não teria o objetivo de invadir a região, mas de destruir aeroportos e instalações utilizadas pelos americanos.

PLANO

Em agosto de 1942, então, o almirante alemão Karl Dönitz autorizou o comandante Harro Schacht a realizar “manobras livres” no litoral brasileiro. O submarino encarregado da tarefa destrutiva foi o U-507, que media 57 metros de comprimento e 4,4 metros de altura, com espessura de 18,5 metros, comportando mais de 50 tripulantes. Cerca de 54 submarinos desse tipo foram construídos para a guerra.

Ação da Marinha do Brasil na Batalha do Atlântico em 1943 -Crédito: Marinha do Brasil

O livro “Operação Brasil”, de Durval Lourenço Pereira, traz documentos que mostram que estava nos planos ataques contra os portos do Pará, de Natal, do Recife, da Bahia, do Rio de Janeiro e de Santos. Sobre o Recife, o relatório dos alemães disse:

“Pernambuco se tornará uma das bases mais importantes para as rotas de escolta de comboios entre a América do Sul e a África. A cidade e o porto ficam na beira de um rio, sem a menor segurança, e diretamente no mar aberto. A bacia do porto possui uma milha náutica de comprimento (1,852 km) e trezentos metros de largura, não oferecendo segurança suficiente para todos os navios que chegam neste importante porto. Por isso, principalmente, os navios de guerra preferem ficar ancorados na enseada aberta”, diz o texto.

“A profundidade da água (12-15 m) não é favorável para um ataque de submarino nas proximidades da enseada. Contudo, parece promissora a tentativa de ataque aos navios lá ancorados com uma ação de surpresa e a deposição de minas. Um ataque de fogo direto também é viável. Um ataque a navios de guerra brasileiros teria um grande sucesso, principalmente em relação ao prestígio alcançado”.

O ATAQUE

U-507, logo após incursão no Nordeste, recolhe náufragos do RMS Laconia, em 1942 – Crédito: Obet. Z. S. Leopold Schuhmacher

O episódio ocorreu entre 15 e 19 de agosto de 1942, quando sete embarcações brasileiras foram afundadas na costa do Nordeste pelo U-507. Os primeiros foram os navios Baependy e Araraquara, em 15 de agosto, na divisa entre Bahia e Sergipe.

No dia seguinte, foi a vez do Aníbal Benévolo, no litoral da Bahia. No dia 17, foi a vez do Itagiba, que ia do Rio para Salvador. O navio Arará, que foi salvar a tripulação do Itagiba, também foi atingido. No total morreram 607 pessoas, entre homens, mulheres e crianças.

Como os ataques ocorreram no final de semana e com certa distância do litoral, as informações demoraram a circular. No dia 18, a notícia chegou já completa, espalhando uma onda de medo pelas capitais do Nordeste. 

Capa do Diario de Pernambuco em 18 de agosto de 1942

Em Sergipe e na Bahia, corpos surgiam nas praias, parentes procuravam os sobreviventes e “blackouts” eram realizados à noite, para evitar possíveis ataques aéreos.

SUBMARINO NO RECIFE

O U-507 chegou a circular pelo Recife, conforme mostra o diário de guerra do comandante Harro Schacht, obtido para o livro “Operação Brasil”.

Trajeto do U-507 segundo diário de guerra de Harro Schacht – Crédito: Livro Operação Brasil, de Durval Lourenço Pereira

Em 25 de agosto, ele se posicionou ao largo do Porto do Recife, rondando na direção norte-sul à espera de tráfego. Como no litoral de Pernambuco a plataforma continental é bem mais larga do que a da Bahia, eles mantiveram um afastamento de 20 milhas náuticas da costa (cerca de 37km).

Schacht observou nitidamente inúmeros vapores ancorados no Recife, mas suas ordens o impediram de entrar no porto. Acredita-se que fatores geográficos influenciaram na decisão: a topografia submarina do Recife era desfavorável, pois um submarino poderia ser visto até cerca de 30 metros de profundidade.

De acordo com Durval Lourenço Pereira, outra razão pode ter sido o temor de um confronto direto com os navios americanos “destroyers” que estavam no Recife. Eles eram bem mais armados e equipados do que o submarino, que funcionava com cálculos e manobras demoradas.

Carta náutica da Kriesmarine (Marinha nazista) indica trecho inicial do percurso entre o Recife e a Cidade do Cabo – Crédito: Livro Operação Brasil, de Durval Lourenço Pereira

Ainda sobre a sua passagem pelo Recife, existe um causo um tanto intrigante: quatro pescadores do Pina, na Zona Sul, afirmaram ter visto o U-507. Elviro Izidro de Miranda, João Francisco dos Santos, Manoel Alves do Nascimento e Francisco Bezerra da Silva estavam no bote Ivo, a 30 milhas da costa, zarpando por volta do meio-dia do dia 25 de agosto.

Por volta das 21h, eles avistaram uma navegação estranha, que veio crescendo a embarcação com duas lâmpadas acesas em seus bordos, nas cores vermelha e verde. Assustados, eles retornaram à costa e prestaram um depoimento ao inspetor de Polícia Marítima e Aérea.

Manifestações no Recife contra o Eixo após ataques de navios brasileiros – Crédito: Diario de Pernambuco

Embora não relatado pelos jornais da época, o depoimento dos pescadores foi considerado e está registrado em documentos do Arquivo Nacional, conforme registrado por Rostand Medeiros, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Com a iminente revolta da população, a série de ataques no litoral nordestino foi decisiva para a entrada definitiva do Brasil na Segunda Guerra, em 31 de agosto. 

Registro do avião Catalina, da Força Aérea dos Estados Unidos, atacando o U-507

O U-507 chegou a voltar ao País em janeiro de 1943, mas desta vez foi destruído por um avião da Força Aérea americana Catalina, próximo de Fortaleza. Os seus destroços se encontram a grande profundidade, junto com tantas outras histórias que o Atlântico guarda desse conflito mundial.

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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