“Qual o teatro mais antigo do Recife?” Ao ser confrontado com essa pergunta, algum pernambucano pode chutar que a resposta seja o “Teatro de Santa Isabel”, imponente construção na Praça da República, ladeado por outros importantes prédios.

Contudo, o espaço mais antigo dedicado às artes cênicas ainda em existência na capital é um pouco mais discreto, integrando o bairro que deu origem à cidade: o Teatro Apolo, inaugurado em 19 de dezembro de 1846. A relevância desse teatro foi tamanha que deu o atual nome da Rua do Apolo (antiga Rua Visconde de Itaparica) e do Cais do Apolo.

Registro do Teatro Apolo em 1920 por Augusto Malta – Foto: Acervo Brasiliana Fotográfica

A iniciativa da construção partiu de altos comerciantes e figuras importantes do Recife, que haviam fundado a Sociedade Harmônica Teatral (fundada em 1832): Antonino José de Miranda Falcão (o mesmo fundador do Diario de Pernambuco, criado 21 anos antes), José Antônio dos Reis e Antônio José da Silva Magalhães.

Era um edifício pequeno, porém luxuoso em suas instalações e imponente para o tempo, com arquitetura impressiva, ostentando uma fachada de mármore de Lisboa, com um desenho simbólico no alto.

Antonino José de Miranda Falcão, um dos fundadores do Teatro Apolo

O prédio foi construído por Joaquim Lopes de Barros Cabral, pintor e arquiteto da Academia Belas Artes do Rio de Janeiro, segundo os padrões portugueses de teatro, com piso de lajotas portuguesas, cerâmicas e azulejos coloniais. Tinha 17,5 metros de frente, 88,77 metros de fundo, com lugares para 616 pessoas – o que era um exagero para a época. 

NOVIDADE

A inauguração do Apolo fez parte de um processo de mudanças comportamentais no Recife, quando os teatros passaram a ser salões especiais da sociabilidade das classes mais abastadas.

O primeiro teatro do Recife, considerando aqueles que não existem mais, foi a Casa da Ópera, construída em 1772 pelo governador Manuel da Cunha Menezes para ser a primeira casa oficial de espetáculos teatrais.

Cais do Apolo em 1939 pelas lentes de Benício – Foto: Fundaj

Era um edifício térreo e baixote, sem forma original ou arquitetura específica, situado na Rua da Cadeia Nova (atual Rua do Imperador), onde ficava o Convento de São Francisco – nome, aliás, que o teatro também veio a ter depois.

De acordo com Mário Sette, cronistas da época se referiam a ele ressaltando “a falta de espaço, a pobreza de gosto, a negligência no asseio”, características que renderam o pejorativo apelido de “Teatro da Capoeira”.

Após diversas reformas, a Casa da Ópera existiu até 1850, quando foi demolida. A essa altura, já existia outra referência de teatro, que passou a atrair a atenção e a preferência da sociedade pernambucana naquele século: o Apolo.

Teatro Apolo em detalhe do panorama do Recife, de Frederick Hagedorn (1855) – detalhe foi fotografado usando uma objetiva Micro de 55 milimetros da Nikon

“Eram os espetáculos a oportunidade felicíssima para o último figurino parisiense, para o mais moderno penteado e para a mostra da recente jóia adquirida”, registrou Sette no livro “Arruar – História Pitoresca do Recife Antigo”.

“O Teatro era uma libertação para quem vivia tão conceitualmente nos casarões de outrora. Entontecia aos olhos com a multidão que enchia a plateia; abalava os corações com os dramas em cena; esboçava idílios e casamentos, quando não em paixões de outra ordem, nem sempre limpas de pecados.”

Registro do Teatro Apolo em 1978

No Apolo passaram, durante muitos anos, sociedades teatrais e dramáticas locais, além de algumas estrangeiras, que no Recife fizeram muito sucesso. A esse tempo, a vida teatral era tão importante que o empresário de ônibus Cláudio Dubeux mandava carros aguardarem o fim de espetáculos, a fim de levar o pessoal para casa a altas horas da noite. 

Em 1850, com a problemática da falta de um teatro público oficial, o Conde da Boa Vista (o governador Francisco do Rego Barros) inaugurou o Teatro de Santa Isabel, com planejamento do engenheiro francês Vauthier. Não muito depois, em 1864, o Apolo vai a leilão junto com todos os seus pertences.

RESTAURAÇÃO

Notícia no Diario de Pernambuco em 29 de setembro de 1977

Curiosamente, o prédio do Teatro Apolo atravessou o século de pé, quase servindo como depósito. O teatro ainda tinha a frontaria intacta, embora seu interior tivesse sido desmontado. Nem mesmo a grande reforma urbana do Bairro do Recife no começo do século 20 derrubou o edifício, o que tornou o possível o resgate do uso a partir dos anos 1980.

A discussão sobre a importância do Teatro Apolo voltou ao debate público em 1975, justamente na época em que a Prefeitura do Recife mudou-se para o atual prédio do Cais do Apolo. A presença do Palácio Capibaribe Antônio Farias foi um sopro de esperança para o Recife Antigo, então decadente.

Coluna de Fernando Craveiro, do Diario de Pernambuco, em 1977

A Fundarpe, do Governo de Pernambuco, passou a estudar sobre a possibilidade de restauração de ruas que conservavam suas características. A Rua do Apolo, muito por conta do teatro, logo despertou interesse.

No começo, cogitou-se em instalar na área um Batalhão da Polícia Militar, usando o antigo teatro como sede da banda da corporação. Eventualmente, o espaço também seria usado para apresentações.

A discussão ganhou ainda mais fôlego em 1977, quando a Associação Brasileira de Relações Públicas encaminhou ao então Prefeito do Recife, Antônio Farias, um memorial sugerindo a desapropriação do Teatro para transformá-lo em um centro cultural.

Notícia do ano de 1978

A desapropriação ocorreu em 1980. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) repassou uma verba de 16 milhões de cruzeiros para cooperar na restauração.

Do velho edifício, salvou-se a fachada principal e as paredes laterais. A parte interna foi transformada em um teatro moderno, com sistema de ar condicionado central, mesa de luz e de som frontal, plateia e balcão, abrigando 298 espectadores.

A inauguração ocorreu em 1982. A primeira peça a entrar em cartaz foi “O Calvário de Frei Caneca”, encenada pelo ator José Pimentel.

Cena de O Calvário de Frei Caneca, com dublagem em 1982

O Apolo ainda ganharia mais um novo apelo nos anos 1990, durante a revitalização do Recife Antigo que envolveu a chegada do Porto Digital na região. O local ganhou status de Cine-Teatro, oferecendo uma programação cultural sistemática. 

Hoje, juntamente com o Teatro Hermilo Borba Filho, instalado no mesmo endereço, integra o Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo-Hermilo, voltado para desenvolver projetos de formação e incentivo às artes cênicas. A sua programação conta com preços populares.

Também na Rua do Apolo, Porto Digital também ocupa a Rua do Apolo com o Portomídia (localizado no nº 181), braço de Economia Criativa do parque tecnológico, atuando em negócios de games, cinevideoanimação, multimídia, design, fotografia e música. Mas já muito antes, ainda no século passado, já irradiava dali uma das mais antigas expressões da arte mundial.

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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