Satya Nadella é o responsável pela frase que intitula esse artigo, a qual aparece na carta endereçada aos funcionários da Microsoft quando foi anunciado como CEO da empresa em fevereiro de 2014, posição na qual permanece até hoje. Satya é funcionário da companhia desde 1992 e, na carta, mostra que tinha uma clara visão de futuro que vem se materializando de uma maneira espetacular.
Após quase 10 anos do ingresso no cargo, muitas mudanças aconteceram, contrariando até alguns “pilares estratégicos” do passado da empresa. Nesse artigo, vamos mostrar alguns desses pontos e mostrar como eles repercutiram o crescimento da empresa desde então.
Steve Jobs se tornou um dos principais nomes de inovação no mundo da tecnologia, tendo em vista sua história com a concorrente da Microsoft, a Apple , todos os altos e baixos, bem como as inovações trazidas pela empresa, especialmente nas duas últimas décadas.
Em um momento especial, Jobs discursa na cerimônia de formatura da graduação da Stanford University, onde conta três lindas histórias que representam aprendizados ao longo de sua vida. Em uma dessas, Steve menciona que “nós não conseguimos ligar os pontos olhando pra frente”, onde ele menciona que muitos acontecimentos em nossa vida não parecem fazer sentido quando olhamos para o futuro à luz do momento presente, somente quando olhamos para o passado e os conectamos à luz do momento presente.
Quando analisamos a trajetória da Microsoft de 2014 até o momento presente, houve um conjunto de decisões da empresa que pareciam “anti-intuitivas” para a comunidade e que nos últimos tempos se mostraram movimentos “geniais” como, por exemplo, a aquisição do GitHub em junho de 2018.
Olhando para trás, com o conhecimento que temos hoje, consiguimos ligar muitos dos pontos que pareciam “anti-intuitivos”. Dá até para dizer que se Clayton Christensen, ex-professor de Harvard e apontado como um dos principais pensadores do mundo de negócios, estivesse vivo hoje, passaria a usar a Microsoft em suas falas sobre inovação.
Christensen foi o primeiro autor a falar sobre inovação disruptiva mostrando como insurgentes entram num mercado e causam rupturas nos modelos de negócio existentes, levando à destruição de incumbentes. Clayton afirmava que a mudança é, por vezes, inevitável porque o comportamento dos usuários é uma força importante nesse processo. Nesse contexto, muitas empresas vivenciam o dilema de ter que investir em inovação que pode matar produtos e serviços existentes para atacar novos mercados e conquistar novos usuários.
O caso mais popular é o da Kodak, empresa líder no mercado de filmes fotográficos analógicos no final do século passado e criadora da primeira versão de câmera digital, mas que não investiu no desenvolvimento da versão digital para não matar o mercado em que era líder. O tempo mostrou que esse movimento foi errado e acabou destruindo a companhia.
Quando Satya se tornou CEO, o modelo de negócios da Microsoft era fortemente baseado na venda de licenças de softwares fechados para os usuários de computadores pessoais e para ferramentas corporativas, onde manteve a liderança de mercado através da família MS Windows, o sistema operacional mais utilizado no mundo, e da plataforma de utilitários MS Office – onde Word, Excel, PowerPoint e Outlook representam os quatro nomes principais.
Dessa forma, anunciar a aquisição do GitHub foi um choque no mercado, que não parecia entender o movimento estratégico da companhia. Na apresentação de lançamento, a Microsoft afirmou que é a organização mais ativa no GitHub e que “ama o código aberto”, o que não parecia ser a percepção da comunidade de tecnologia, que via a Microsoft como uma empresa antagônica ao “movimento código aberto”.
Na apresentação, há uma mensagem escrita que fala claramente na crença da Microsoft de que “o mundo é um computador” e que era importante “empoderar os desenvolvedores [de software]”, as pessoas que programam o mundo, ideia que também vem sendo propagada por outras pessoas há tempos como, por exemplo, Silvio Meira.
Outra mensagem importante nesse momento é que o GitHub seria o principal ecossistema conectando os desenvolvedores, “independente da linguagem de programação, do sistema operacional, do ambiente de nuvem, do dispositivo e para todas as pessoas desenvolvedoras de software”. Naquele momento, essa mensagem pareceu estranha para a comunidade que era cética em relação a esse movimento, o que fez com que outros concorrentes crescessem como o GitLab e o BitBucket.
Hoje, anos mais tarde, vimos como o GitHub manteve o status de principal ecossistema, até porque proporcionou uma série de novas perspectivas para a comunidade desenvolvedora, desde programas educacionais, passando pelo ambiente de gerenciamento de projetos de desenvolvimento de software até a conexão com ambientes de integração contínua e de deploy automáticos, de forma agnóstica à linguagem, sistema operacional ou ambiente de nuvem, mantendo a palavra dada no anúncio da fusão.
Além disso, a aquisição do GitHub foi necessária para a criação do GitHub Copilot, que trouxe ganhos de produtividade e bem estar aos programadores, conforme descrito no estudo do link. Num estudo realizado com uma coorte de desenvolvedores, dois grupos equivalentes foram separados e um desses usou o Copilot. Resultados mostraram que houve uma redução no tempo de programação pelo grupo que usou, com um ganho de produtividade de 55% e que também trouxe a percepção de que com a ferramenta, eles focam em codificar o que é mais importante.
Poderíamos ir listando pontualmente essa história mas ela ficaria muito longa para um único artigo. Por isso, vamos permitir um salto para o marco mais recente que já abordamos em vários textos do Jornal Digital: o investimento na OpenAI que resultou na revolução da inteligência artificial generativa, cujo ChatGPT se tornou o protagonista.
A Microsoft foi uma das principais investidoras da OpenAI e colocou US$ 10 bilhões na companhia na última rodada, quantia maior do que a necessária para adquirir o GitHub em 2018. Esse investimento tinha o propósito claro de tornar os produtos e serviços da companhia “inteligentes”.
Nessa semana, a Microsoft anunciou que irá disponibilizar uma versão da plataforma Office turbinada pela inteligência artificial da OpenAI, o Microsoft 365 Copilot, a partir de uma assinatura mensal de US$ 30, o que representa um incremento de US$ 10 frente ao custo atual de uma assinatura premium do ChatGPT4.
Essa notícia causou uma valorização no preço da ação, levando-a à máxima histórica no dia 18 de julho de 2023, o que levou a Microsoft a uma valorização diária de US$ 154 bilhões, equivalente ao patrimônio líquido de Jeff Bezos hoje. Com essa valorização, a Microsoft se torna a segunda companhia com maior capitalização de mercado estando atrás somente da Apple.
Bem, com isso, está claro que a carta que Satya enviou aos empregados em 2014 não era somente um discurso vazio mas, de fato, ele tinha uma clara visão de futuro e um plano. A Microsoft tem se mostrado, de fato, uma empresa inovadora e vem confirmando que as empresas de tecnologia que se mantêm no topo precisam ter inovação no seu núcleo e que, de fato, esse mercado respeita a inovação e não a tradição.
Fernando Sales é professor do Departamento de Engenharia Biomédica da UFPE e pesquisador do Porto Digital
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