Uma notícia circulou no final do mês passado, trazendo sinais de futuros possíveis no mercado de dispositivos vestíveis: a Apple patenteou um modelo de fone de ouvido que permitirá a captação de sinais elétricos cerebrais. Sim, é isso mesmo que você leu… a Apple está construindo uma plataforma para registro de sinais cerebrais embarcada nos Air Pods.  Intrigante, não é? Vamos explorar um pouco das inovações que estão por vir e porque isso pode gerar uma futura revolução.

Apple está construindo uma plataforma para registro de sinais cerebrais embarcada nos Air Pods

Air Pods é uma família de fones de ouvido sem fio que tem uma série de características interessantes como, por exemplo, algoritmos de cancelamento de ruídos externos ativos e som espacial, provendo uma experiência de imersão fantástica. Além disso, o fone se conecta a vários dispositivos da Apple, possibilitando a troca automática de aparelho, permitindo que você atenda uma ligação no iPhone e interromper a música no computador Mac automaticamente. Os Air Pods já estão na 3ª geração e são um componente importante no ecossistema de dispositivos da Apple: o vídeo abaixo explica um pouco mais sobre esses fones.

Uma das principais formas de comunicação entre as células no nosso corpo é através de impulsos elétricos, os quais podem ser adquiridos e processados como, por exemplo, a taxa de batimentos cardíacos por minuto que medimos em esteiras de academia ou em smartwatches. O monitoramento de parâmetros fisiológicos é importante para analisarmos o desempenho e o funcionamento dos nossos sistemas com métricas funcionais, trazendo ganhos e análises mais objetivas sobre a nossa performance.

PATENTE

O registro de patente concedida à Apple no dia 20 de julho de 2023, intitulada “Biosignal sensing device using dynamic selection of electrodes”, descreve um sistema de registro de sinais elétricos interauriculares com o objetivo de monitorar a atividade elétrica cerebral. O texto da patente apresenta a proposta de solução e os potenciais desafios a serem enfrentados para a construção de um dispositivo como, por exemplo, a variabilidade de tamanhos e geometrias das cavidades auriculares, o qual pode influenciar na qualidade do acoplamento dos eletrodos e a pele.

O fone da Apple se conecta a vários dispositivos da marca, como Iphone e Mac Book
O fone da Apple se conecta a vários dispositivos da marca, possibilitando a troca automática de aparelho

Entretanto, a perspectiva que se abre é bastante animadora pois uma série de novas aplicações podem ser construídas a partir de um dispositivo como o proposto. Imagine que poderemos acompanhar a atividade elétrica cerebral em tempo real, coletando feedbacks para as experiências que vivenciamos cotidianamente. Isso pode representar uma virada de chave em diferentes contextos da nossa experiência “figital” fluída, aquela que descreve a interação entre o mundo físíco e o digital, orquestrada pela dimensão social, conforme descrito por Silvio Meira.

Naturalmente como especialista de tecnologia aplicada à saúde, penso nas inúmeras aplicações, caso o dispositivo consiga atingir os níveis de confiabilidade para ser considerado como um dispositivo de eletroencefalografia (EEG) intraauricular por órgãos reguladores como o FDA e a ANVISA. Entretanto, se utilizado em outros contextos não-regulados, há espaço para competir com dispositivos com a Muse Headband, uma tiara com eletrodos que permite o monitoramento da atividade cerebral e a utiliza para aplicações de meditação usando biofeedback para otimizar a performance.

A Apple está construindo uma plataforma para registro de sinais cerebrais, embarcada nos Air Pods
A Apple está construindo uma plataforma para registro de sinais cerebrais, embarcada nos Air Pods

Contudo, o leque de possibilidades é bem mais amplo. Podemos usar a atividade cerebral para dar feedbacks em aplicativos e registrar dinamicamente como as pessoas estão se sentindo ao ouvir uma música, ver um filme, interagir com uma aplicação, avaliar o nível de atenção nessas interações. É um mundo novo que se abre!

Dispositivos assim entram no mercado como fones de ouvido inteligentes mas acabam criando um ecossistema de aplicações em torno de si, habilitando a criação de novos mercados envolvendo sinais biológicos e dispositivos digitais. A interação mais direta que pensamos é com o celular mas o leque de possibilidades é bem maior, haja vista as conexões possíveis com notebooks, smarttvs, smartwatches e com dispositivos de realidade virtual e aumentada como o novo Apple Vision Pro.

Nesse vídeo de apresentação do Apple Vision Pro, uma série de novas possibilidades são apontadas pela empresa e que sintetizo aqui: “a nova era da computação espacial, onde você pode navegar com seus olhos como se fosse mágica; aplicações ao vivo no seu espaço, onde você pode realizar filmagens em 3D e reviver seus momentos de verdade, especialmente pelo sistema de áudio espacial que fará você se sentir realmente imerso no filme, no jogo e nas aplicações.”

É sempre bom destacar que inovações como essa criam novos mercados e, temporariamente, são classificados como “oceanos azuis”, de acordo com a terminologia da Estratégia do Oceano Azul. Todavia, novos fabricantes são atraídos para esses novos mercados, fomentando novos produtos e serviços, o que estimula a concorrência, levando a uma potencial redução de preços e incentivando a adoção dos novos produtos e serviços.

Tendo em vista os aspectos colocados, acredito que estamos cada vez mais pertos desse cenário, o que será revolucionário. Entretanto, “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades” como dizia o Tio Ben nos filmes do Homem Aranha, certo? Nesse contexto, as questões éticas relacionadas ao uso dos dados de atividade cerebral se tornam muito necessários e importantes. 

Efeitos das redes sociais podem ser comparados ao uso de substâncias psicoativas como o álcool
Efeitos das redes sociais podem ser comparados ao uso de substâncias psicoativas como o álcool

Acessar dados da atividade cerebral diretamente (e continuamente, e indefinidamente) pode custar caro para os usuários, que ficarão “cada vez mais expostos”, demonstrando fisiologicamente suas emoções e sentimentos para os sistemas inteligentes. Além disso, já sabemos que as redes sociais e aplicativos de celular despertam em nós descargas de dopamina que podem ser comparadas às descargas geradas por substâncias psicoativas como o álcool e outras drogas.

Imaginem como esses dados oriundos da atividade cerebral podem ser usado para desenvolver aplicações que nos mantenham nossa atenção cada vez mais “presa”… Será necessário aprofundarmos as pesquisas e os debates nessa linha. O que você acha?

Fernando Sales é professor do Departamento de Engenharia Biomédica da UFPE e pesquisador do Porto Digital

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