Pernambuco possui um longo histórico com a produção do cinema. Ainda nos anos 1920, o Estado foi pioneiro ao abrigar um dos circuitos mais movimentados do cinema mudo no Brasil: o Ciclo do Recife.

Após experiências com cinema sonoro, cineclubismo, documentarismo e Super-8, a sétima arte produzida por aqui encontrou uma nova aurora com o longa-metragem “Baile Perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, lançado em meio à efervescência cultural do manguebeat.

Desde então, mais de sessenta longas foram realizados no Estado, com quatro gerações de cineastas e técnicos que formam um dos mais expressivos grupos em atuação no cinema brasileiro contemporâneo.

Ator Luiz Carlos Vasconcelos no filme Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas
Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas

Quando o manguebeat já havia fincado a sua “antena na lama”, as ideias que viriam a formar o Porto Digital também já borbulhavam. Na década de 1990, Silvio Meira criou, dentro da disciplina Empreendimentos em Informática, no Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco Cin-UFPE), uma estrutura de pré-incubação de empresas batizada de Recife Beat.

A decisão de ocupar o então degradado Bairro do Recife, berço da capital, também convergia com aqueles jovens artistas que improvisaram eventos em prédios da região portuária.

O Portomídia

Fundado em 2000, na virada do milênio, o parque tecnológico tem a sua história alinhada com sétima arte nos anos 2010, com a fundação do Centro de Empreendedorismo e Tecnologias da Economia Criativa, usualmente chamado de “Portomídia”.

Portomídia
Fachada do Portomídia na Rua do Apolo, Bairro do Recife

Esse braço expandiu a atuação da instituição para a Economia Criativa – até então, o Porto era focado em TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação). A sua sede foi inaugurada em 2013, na Rua do Apolo, dando ao Recife um suporte tecnológico para estruturar as seguintes cadeias de negócios: cinevideoanimação, multimídia, design, games, fotografia e música.

O Portomídia passou a fomentar o cinema devido à criação de laboratórios de excelência para pós-produção de materiais audiovisuais, como montagem, edição de som (a mixagem é um “carro chefe”) e correção de cor. Esses espaços disponibilizam softwares e equipamentos consolidados no mercado, atendendo aos padrões internacionais de cinema.

Eles seguiram as normas da Adobe Cinema, mediante a aprovação de um certificador da Adobe na América Latina. Para isso, o laboratório necessitou ter uma acústica quase nula, com um silêncio perfeito para a audição de todos os sons de um filme.

Estúdio Portomídia Porto Mídia
Estúdio para pós-produção no Portomídia

Impacto no cinema pernambucano

Cumprindo um dos seus objetivos, o Centro supriu necessidades da cena cinematográfica pela sua entrega técnica de qualidade, com tecnologia veloz e com resultados em tempo real.

Ainda em seu primeiro ano de funcionamento, o Portomídia foi responsável pela edição de som e correção de cor de “Permanência” (2014), de Leonardo Lacca, que venceu a categoria de Melhor Ficção Internacional no Festival de Cinema da Fronteira.

Lá foram feitos os trabalhos de mixagem e correção de cor de “Boi Neon” (2015), filme de Gabriel Mascaro que venceu prêmios como Festival do Rio (Melhor Filme, Roteiro e Fotografia) e Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (Melhor Filme Júri Popular).

Boi Neon, filme do diretor Gabriel Mascaro. Ator Juliano Cazarré
Boi Neon, de Gabriel Mascaro

Após o bom retorno de produções como essas citadas, produtoras de audiovisual passaram a procurar o espaço cada vez mais – é válido ressaltar que o Portomídia apenas cede o laboratório, sendo necessário técnicos próprios para manusear as máquinas.

Os valores para utilização também são bastante competitivos, já que o Centro contou com incentivos públicos para a sua construção e manutenção. Outro ponto é a localização: antes, as produtoras pernambucanas precisavam recorrer a espaços do Sudeste, região que ainda monopoliza muitos serviços da área da Economia Criativa. 

Gabriel Mascaro voltou a utilizar o Centro para a mixagem de “Divino Amor” (2017), sucesso de crítica interpretado por Dira Paes. Esse longa levou prêmios como o de Melhor Filme no Festival Internacional de Cine en Guadalajara, do México.

Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles Atriz Sôlnia Braga
Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles

As produções do cineasta Kleber Mendonça Filho também têm passado por lá. “Aquarius” (2016), com Sônia Braga, teve montagem e mixagem. Além de exibição no Cannes, na França, o filme levou o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (Melhor Longa-Metragem de Ficção) e Syndicat français de la critique de cinéma (Melhor Filme Estrangeiro).

O sucesso “Bacurau” (2019, com Juliano Dornelles), por sua vez, utilizou o estúdio para a montagem – feita por Eduardo Serrano. Dispensando apresentações, o filme venceu, entre vários troféus, o Prêmio do Júri no Festival de Cannes.

Dos laboratórios da Rua do Apolo também saíram animações como “O Ex Mágico”, de Mauricio Nunes e Olímpio Costa, que teve lá atividades de animação, mixagem e finalização. Esse é um caso simbólico, pois a obra  vendeu o Kikito de Ouro de Melhor Desenho de Som no Festival de Gramado. O Mundo Bita, marca pernambucana da Mr. Plot, também utilizou bastante dos estúdios.

Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
“O Ex Mágico”, de Mauricio Nunes e Olímpio Costa

Ainda podemos citar filmes como “Kordel 4K”, de Lírio Ferreira; “7 Corações”, da Ateliê Produções; “Mães do Pina”, de Leo Falcão; e “A Lenda do Jorge Cabeleira”, de Felipe Falcão.

Para além de Pernambuco

Ultrapassando as fronteitas do Estado, o Portomídia também foi usado para a mixagem de “A Noite do Fogo”, filme mexicano de Tatiana Huezo. Esse longa venceu a categoria de “Melhor Som” do Festival Internacional de Cinema de Cannes, em 2021, recebendo ainda uma Menção Especial do mesmo festival.

Atualmente, o Portomídia não está funcionando devido a uma atualização do sistema de equipamentos – que integra uma reforma ainda maior. Certamente, ele continuará sendo um “porto seguro” para a sétima arte local.

Enquanto o Centro aguarda reabertura, o parque tecnológico já tem a sua própria sala de exibição: o Cinema do Porto, administrado com a Fundação Joaquim Nabuco, localizado no prédio do Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD), no Cais do Apolo.

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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