O grupo de mulheres conversava animadamente numa calçada sob um toldo vermelho enquanto uma chuva fina caia naquela quarta-feira. Eduardo Ribeiro, vizinho conhecido como Dudu, filho de Paula Michele, passou pelo beco, acompanhado de um grupo de desconhecidos. Ao perceber que o jovem tímido, “pai e mãe” para os seus cinco irmãos, era o centro da conversa, uma emoção cobriu o ambiente. As lágrimas de dona Suelen Barbosa diante de Eduardo foram reveladoras. Denotavam alegria e sinceridade.
Dona Suelen não se conteve. “Dudu, ninguém lhe disse isso, mas eu vou dizer: ‘Vi você passando muita dificuldade, recolhendo seus irmãos na rua no final do dia enquanto sua mãe trabalhava, e sempre correndo atrás dos seus objetivos. O Porto Digital abriu a porta para você, você chegou onde chegou e agora vai abrir a porta para muitos daqui. Eu confio em você’”, disse dona Suelen, moradora do Pilar há duas décadas.
O universitário Eduardo Ribeiro, 22 anos, já chegou longe e está apenas no início do seu voo. Filho de mãe solo, condição comum no Pilar, foi a figura masculina da casa desde os seis anos, quando o pai abandonou a família.
Aos 12 anos, Dudu começou a trabalhar como entregador de quentinhas na hora do almoço e depois foi contratado no lava-jato localizado na entrada da comunidade. Lá, teve a primeira oportunidade regular visando ajudar nas despesas da casa. Hoje, faz estágio no departamento financeiro do Porto Digital no expediente diurno. À noite, cursa o segundo período de Gestão Comercial, na Universidade do Senac, conquista realizada graças a uma bolsa integral do programa Pilar Universitário.
A vida inteira morando na comunidade, Dudu conviveu em meio a barracos improvisados de tábuas sobrepostas, e com a violência que levou alguns colegas para o “lado ruim”, como ele define. Enfrentou de frente a fome. “Minha mãe se chama Michele e ela sempre lutou pela sobrevivência da gente, para que tivéssemos o que colocar na barriga. Logicamente, não tínhamos para todas as refeições, mas sempre contávamos com alguma coisa antes de dormir”, afirma ele.
Criado com a ajuda da avó, Maria da Penha (hoje falecida), de quem tem muita saudade, Dudu iniciou e terminou seus estudos regulares em escola pública. Da Escola Municipal Pedro Augusto à Escola Estadual João Barbalho e à Escola Sylvio Rabelo, foram muitos altos e baixos, paradas e repetições de ano. Consequência de uma vulnerabilidade conjuntural.
Os 18 anos vieram como um despertar. A partir dali, ele começou “a correr atrás do futuro”. Sabia que precisava pensar em projetos mais sólidos. Nos anos seguintes, resolveu deixar de lado outras atividades que estavam consumindo o seu tempo, para concluir os estudos e focar no projeto de buscar um emprego.
Fez o Enem, mas não se sentia confiante com a nota. “Achava que não conseguiria passar”, revelou. Por este motivo não fez a inscrição para concorrer à vaga de um dos cursos oferecidos pelo Programa Embarque Digital (parceria entre a Prefeitura do Recife e o Porto Digital para alunos da rede pública do Estado), projeto em funcionamento há dois anos.
Um vizinho havia indicado que o complexo tecnológico de inovação do Recife estava recebendo currículos. A falta de confiança reapareceu diante da concorrência para uma vaga como jovem aprendiz no Porto Digital. “Fui fazer a entrevista e me deram a oportunidade. Eu não vou dizer que passei, mas olharam para mim, viram a minha capacidade e me deram a oportunidade”, conta.
Na primeira vez em que entrou no escritório do Porto Digital, foi bastante impactado pelo novo mundo e sabia que queria voltar. “Eu nunca tinha visto aquilo nem algo parecido. Entrei numa sala, fui entrevistado por duas pessoas, gaguejei um pouco, não sabia responder algumas perguntas, eu nunca tinha passado por uma entrevista e achei que não tinha conseguido um bom resultado”. Para sua surpresa, porém, conquistou a vaga: “Graças a Deus conseguiram ver alguém em mim”.
E, se o pessoal do Porto Digital viu “alguém nele”, a ideia de Dudu agora é fazer com que outras pessoas vejam “alguém” nos vizinhos e amigos do Pilar.
Links para mais conteúdos da série Comunidade do Pilar, tempos de esperança:
Realização em casa; inspiração na rua
Silvia Bessa é jornalista. Gosta de revelar histórias que se escondem na simplicidade do cotidiano. Venceu três vezes o Prêmio Esso e tem quatro livros publicados
Comments are closed, but trackbacks and pingbacks are open.