Em setembro de 2023, o Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães, o “Geraldão”, se encheu de cores, luzes e grande público para a final do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL) – o primeiro grande evento do e-sports a ocupar esse equipamento público da capital.

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Torneio nacional do game League Of Legends trouxe ao Recife uma experiência inédita – Crédito: PCR

Quase cinquenta anos separam este fenômeno, de maioria jovem entre o público, da inauguração do “Gigante da Imbiribeira” – como era chamado na época da inauguração. “Gigante” porque comentava-se que algo similar só existia no Rio de Janeiro, com o Maracanãzinho, e o Ibirapuera, em São Paulo. 

Visto de cima, o Geraldão soava como um moderno disco voador em meio ao terreno plano do ginásio, como bem mostra um registro aéreo do Diario de Pernambuco em 1970.

Com capacidade para 15 mil pessoas, o ginásio surgiu para encerrar os anseios de esportes amadores, mas também acabou abraçando os espetáculos, impulsionando esse setor econômico na cidade, que tem o Geraldão na memória.

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Ginásio de Esportes Geraldo Magalhães, o Geraldão, em fotografia aérea nos anos 1970 – Crédito: Acervo do Diario de Pernambuco

Projeto e inauguração

O Geraldão, que leva esse nome por ter sido fundado na gestão do prefeito Geraldo Magalhães Melo, foi projetado pelo arquiteto Ícaro de Castro Melo, além de apoio de Valter Pinto, assessor de planejamento e arquitetura do escritório técnico de planejamento físico da Prefeitura do Recife.

Ícaro de Castro foi presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil e lecionou na Faculdade de Arquitetura de São Paulo. Era membro da Comissão de Construções Esportivas e Recreativas da União Internacional de Arquitetos, com sede em Paris.

Ainda era presidente da Associação Profissional de Arquitetos, com sede em São Paulo, sendo autor de várias obras desse tipo. Posteriormente, ele projetou o Nilson Nelson, em Brasília; e o Paulo Sarasate, em Fortaleza.

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Maquete do Geraldão em 1969 – Crédito: Diario de Pernambuco via Biblioteca Nacional

Antes do Geraldão, funcionava lá a Divisão de Material de Construção, na Estrada da Imbiribeira, atual Avenida Mascarenhas de Morais. Com um diâmetro de 45 metros, o ginásio foi construído dentro dos mais modernos processos da engenharia e arquitetura. A solução acústica aplicada na época da construção já era moderna, possibilitando a realização dos grandes shows. O estacionamento comportava 510 veículos, além da extensa área de circulação externa.

Várias solenidades marcaram a sua inauguração, em 12 de novembro de 1970, com o prefeito cortando fita simbólica acompanhado de autoridades civis e militares.

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Prefeito Geraldo Magalhães segurando a taça Jules Rimet na inauguração do Geraldão, em 1970 – Crédito: Diario de Pernambuco via Biblioteca Nacional

Em seguida, o atleta Otávio Rosa Borges, jogador do Sport, conduziu a taça Jules Rimet, conquistada pela seleção brasileira no México, sob o hino “Pra Frente Brasil”, cantado por mais de 19 mil pessoas. Em seguida, foi executado o Hino Nacional pela Banda de Música da Aeronáutica, e cantado por Wilson Simonal e o público. Ainda teve um show de Simonal após as cerimônias.

Educação

Já no ano seguinte a sua inauguração, o Geraldão passou a ser usado como espaço para realização de provas de vestibular de universidades públicas, como a Universidade Federal de Pernambuco. A sua área total comportava 4.221 candidatos.

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Prova de Vestibular no Geraldão em 1971 – Crédito: Diario de Pernambuco via Biblioteca Nacional

Um serviço de alto falante funcionava divulgando avisos e orientando estudantes, com intervalos de música para “baixar a tensão” da “estudantada”. Mais de 80 fiscais atuaram no primeiro ano de prova.

Grandes shows na memória do Geraldão

No final de dezembro de 1970, o Geraldão reconfigurou o cenário dos eventos musicais em Pernambuco. Naquele mês foi realizado o II Festival Nordestino de Música Popular, que teve a sua comissão julgadora presidida por Bibi Ferreira. O 1º lugar foi para a canção “Fatos, Sonhos e Fotos”, de Enilson Sá Barreto e Eriberto Brandão.

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II Festival Nordestino de Música Popular, no Geraldão – Crédito: Diario de Pernambuco via Biblioteca Nacional

Já em março de 1971, foi realizado o seu primeiro grande show: o cantor e compositor Roberto Carlos, que voltaria em outras ocasiões ao local. Outros grandes nomes da música brasileira passaram por lá, como Rita Lee, Elis Regina, Chico Buarque e Elba Ramalho. Mas foram com os grandes shows internacionais que o Geraldão foi cristalizado na memória do povo recifense.

A sua inauguração impactou amplamente o circuito dos grandes shows no Recife. Em agosto de 1977, o ginásio foi palco para apresentação do maestro Ray Conniff e sua orquestra em uma única apresentação no Nordeste, com promoção da Akys Show’s.

Em 1980, foi a vez de Jimmy Cliff e Gilberto Gil, que faziam turnê conjunta. Vinte mil pessoas cantaram, dançaram e aplaudiram os sucessos da dupla durante três horas. Nessa primeira experiência de grande show, todo o alambrado foi destruído, provocando prejuízo para a administração do equipamento de esportes e eventos.

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Matéria sobre o show de Nina Hagen, em 1985 – Crédito: Diario de Pernambuco

Em 1985, foi a vez da cantora alemã Nina Hagen, que naquele mesmo ano tinha sido uma das sensações do primeiro Rock in Rio. Ela trouxe consigo uma equipe de 60 pessoas e 13 toneladas de equipamentos, como efeitos de som e luz da empresa canadense Solotech Inc, a mesma que havia realizado o encerramento das Olimpíadas de Los Angeles no ano anterior. Um disco voador foi suspenso por um guindaste no Geraldão.

No final da década de 1980, o ginásio talvez tenha vivido o seu ápice nesse aspecto com os eventos produzidos por Pinga, apelido de José Carlos Mendonça, produtor de eventos que faleceu em setembro deste ano.

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Julio Iglesias no Geraldão em 22 de janeiro de 1988 – Crédito: Edvaldo Rodrigues Arquivo/DP

Em janeiro de 1988, ele produziu um show de Julio Iglesias, com público de 14 mil pessoas e despesas que somavam CR$ 10 milhões. Nos camarotes estavam nomes como Jarbas Vasconcelos, então prefeito do Recife, e os cantores Reginaldo Rossi, Luiz Carlos Clay e Nilton César.

Na década seguinte, o show da banda a-ha no Recife, em 2 de junho de 1991, marcou uma geração de pernambucanos e nordestinos com três sistemas de som e luz, palco de 65 metros com dois telões e 700 refletores. No total, 265 toneladas de equipamentos. A acústica do Geraldão, que tinha uma fama negativa, recebeu um som de 220 mil watts.

O ginásio ainda recebeu as bandas Faith No More (12 de setembro de 1991) e Information Society (1993) e a cantora Donna Summer (1995), todos com selo da Pinga Produções.

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Buzina do Chacrinha no Geraldão, em 1972 – Credito: Revista Manchete

Fora os shows, ainda existem muitos outros eventos marcantes. Em comemoração à chegada da Rede Globo no Estado, o programa Buzina do Chacrinha foi apresentado ao vivo no Gigante da Imbiribeira. Ainda houve uma passagem do Holiday On Ice, espetáculo de patinação no gelo da Disney.

Reforma

Na década de 2010, o Geraldão passou oito anos fechado para reformas que custaram, ao todo, R$ 45 milhões. O novo complexo multiuso conta com placar eletrônico com quatro faces e quadra poliesportiva adaptada aos novos padrões internacionais.

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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