O que une os prédios do Palácio Campo das Princesas, Teatro de Santa Isabel, Ginásio Pernambucano, Assembleia Legislativa e Paço Alfândega? Para além de suas arquiteturas imponentes, incrustadas na paisagem do Recife, todos eles foram construídos (ou completamente reformados, como no caso da Alfândega) pelo mesmo governador: Francisco do Rêgo Barros, o futuro Conde da Boa Vista.

A respeito de reformas que ajudaram o Recife a ganhar a sua atual identidade, talvez o governante mais cristalizado no imaginário coletivo seja Maurício de Nassau, que urbanizou, ergueu as primeiras pontes e transformou para sempre a cidade durante o Brasil Holandês.

Francisco Rêgo Barros realizou uma intervenção de grande porte, talvez apenas comparável com àquela feita pelo próprio Nassau. Tanto é que o seu título de Conde está imortalizado em uma das principais vias da cidade. Contudo, pouco se sabe quem foi o homem por trás do título – e da Avenida.

Prédio da Assembleia Legislativa de Pernambuco, no ano de 1900 – Crédito: Manoel Tondella

Quem foi o Conde da Boa Vista?

Filho de uma tradicional família pernambucana, Francisco do Rêgo Barros se envolveu com a polícia ainda muito jovem, quando se juntou ao Movimento Constitucionalista, criado para derrubar o governador Luis do Rêgo Barros, enviado por D. João VI para punir os pernambucanos após a Revolução de 1817.

Como consequência ao movimento, várias deportações foram realizadas, incluindo o próprio Francisco, que foi deportado para Paris. Neste período, custeado pela sua família, ele ingressa na Universidade de Paris para cursar Matemática.

De volta a Pernambuco, ele ajuda a fundar o Partido Conservador e assume o Governo do Estado com apenas 35 anos, em 1837. Com algumas interrupções, passou sete anos no cargo. Inspirado por tudo o que viu em Paris, ele dá início a uma série de reformas e construções que mudaram para sempre a capital.

Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista – Crédito: Acervo de Karla Montenegro

Influência francesa no Recife

No contexto da governança de Rego Barros, o Brasil ainda estava assistindo às transformações causadas por uma importante mudança econômica após a chegada da Família Real e da consolidação do processo de Independência: a reforma das leis portuárias, com a abertura dos portos para embarcações estrangeiras. 

Sendo uma cidade intimamente ligada ao Porto, o Recife recebeu muitos produtos estrangeiros e, com eles, novos costumes. Assim, o Estado passou a assistir uma influência cada vez maior da França, principal espelho da burguesia ocidental. As reformas de Rego Barros atendiam justamente os ideais de higienização, embelezamento e integração da economia regional à internacional.

Chamado à época de Presidente da Província, o governador criou, por exemplo, o Conselho de Salubridade Pública, órgão que visava extinguir hábitos que destoassem do meio urbano modernizado. Também formulou o Código de Posturas do Recife, que trazia um conjunto de regras e normas – dentre elas, a varredura obrigatória da frente de prédios e fachadas.

Prédio da Alfândega, reformado por Francisco de Rego Barros, em 1880 – Crédito: Moritz Lamberg, via Brasiliana Fotográfica

As reformas do Conde da Boa Vista

No âmbito urbanístico, as mudanças atendiam ao desejo de deixar para trás o aspecto colonial do Recife. Assim, ruas são calçadas, recebendo camadas de pedra, e a iluminação passa a ser feita por lampiões. Francisco chama um time de engenheiros e arquitetos franceses, como Louis Vauthier, Boulitreau, Morel, Portier, Millet e Buesars, para a realização das obras.

Ao governador Rego Barros são devidas as construções do Palácio Campo das Princesas, onde antes ficava o Edifício do Erário; do Edifício da Alfândega, onde antes existia o antigo Convento dos Padres do Oratório; e do Teatro de Santa Isabel, símbolo neoclássico arquitetado por Vauthier; o Edifício da Penitenciária, transformado em Casa de Detenção e depois na Casa da Cultura de Pernambuco; e o Cemitério de Santo Amaro.

Edifício da Penitenciária, construído no governo de Francisco de Rego Barros, em 1880 – Crédito: Moritz Lamberg, via Brasiliana Fotográfica

Também são da época “boavistana” quatro estradas-troncos que tinham início no Recife (Goiana, Limoeiro, Vitória de Santo Antão e Escada); estradas rumo à Madalena e Caxangá; reconstrução de pontes e a abertura do Cais do Espírito Santo (ou do Colégio).

Rego Barros ainda foi responsável pela contratação de abastecimento de água potável. “Uma terra que não conhecia água encanada, esgoto, pontes modernas e resistentes, logradouros, bons retratos, obras portuárias, estradas planificadas, apego às artes e às ciências, viu-se de repente modificando quase totalmente a sua fisionomia”, diz o texto do Diario de Pernambuco, no centenário da morte do político, em 1970. “Era a época boavistana integrando o Recife no conceito das grandes cidades do tempo.”

Cemitério de Santo Amaro, fruto da época boavistiana, em 1905 – Crédito: Manoel Tondella via Brasiliana Fotográfica

Progressista no urbanismo, conservador na política

Em Pernambuco, Francisco Rego Barros liderava o Partido Conservador. Por muito tempo, este grupo político “revezou” o poder com apenas outro: o Partido Liberal, controlado pela família Cavalcanti – deu origem ao ditado local: “há de ser Cavalcanti / Ou há de ser cavalgado”.

A alternância entre “os Rego Barros e os Cavalcanti” passou a incomodar uma ala do Partido Liberal, que realizou um “racha” e fundou o Partido Nacional de Pernambuco, defensor de pautas mais populares.

Obviamente, tamanhas intervenções, construções e reformas custaram muito aos cofres públicos. Não demorou para que essa nova oposição política passasse a denunciar desvio de recursos das obras, chegando ao ponto dos políticos ligados ao grupo do Barão serem apelidados de “guabirus”.

Teatro de Santa Isabel, construído no governo de Francisco de Rego Barros, em 1880 – Crédito: Moritz Lamberg, via Brasiliana Fotográfica

Apesar das obras custosas aos cofres públicos, Pernambuco atravessava períodos de crise social. A economia açucareira entrava em declínio, os grandes proprietários concentravam muitas terras e os portugueses ainda mandavam nos preços do varejo, o que dificultava o acesso à comida. Por isso, o Partido Nacional liderou o movimento que ficou conhecido como Revolução Praieira, em 1849.

O motim foi abafado pela Guarda Nacional e Rego Barros seguiu exercendo influência até o fim da vida, sendo elevado ao título de Conde em 1866. Ele morreu em sua senhorial residência na Rua da Aurora, onde hoje está a Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco.

Trecho de duplicação da Avenida Conde da Boa Vista em 1959 – Crédito: Arquivo/DP/D.A Pres

Durante um de seus governos, foi feito o aterro de uma região que possibilitou a abertura do Caminho Novo, estrada que partia da Rua da Aurora em direção à Várzea, dando origem ao trecho inicial da via que hoje chamamos de Avenida Conde da Boa Vista.

Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio

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