Hoje, as antigas fotos analógicas do Recife despertam um inegável fascínio no meio digital, espalhadas por diversas páginas nas redes sociais. Quem consome esse tipo de conteúdo com certeza já deve ter se deparado (mesmo sem saber) com alguma foto de Wilson Carneiro da Cunha, também conhecido como ‘Wilson do Kiosque’ ou até mesmo ‘fotógrafo do Recife’, profissional que registrou a vida no Centro em diferentes fases do século 20.
Wilson tornou-se uma espécie de figura folclórica do Centro, pois decidiu empreender com um quiosque de serviços de fotografia na Rua Nova, que foi uma das mais movimentadas da região, bem ao lado da Igreja de Santo Antônio. Lá, o negócio funcionou por 32 anos – de 1951 a 1983.
“Wilson do Kiosque é, certamente, uma das pessoas mais cumprimentadas do Recife”, afirmou o repórter Fernando Castilho em matéria publicada no Diario de Pernambuco, em 1983.
Ao contrário da maioria dos fotógrafos da época, que tinham escritórios em edifícios, ele queria ficar próximo das pessoas. Com essa proximidade, realizou registros singulares de um Centro que pulsava economia e vida social.
Hoje, a facilidade que os smartphones proporcionaram no registro de imagens talvez tenha feito com com que, muitas vezes, achemos banais esses flagrantes do cotidiano da cidade. Mas, naqueles tempos analógicos, a cerimônia da revelação fotográfica e do contato físico com a foto talvez despertasse uma maior ideia de produção da memória. E era isso o que o fotógrafo proporcionava.
Quem foi Wilson do Kiosque?
O encontro de Wilson Carneiro da Cunha com a fotografia ocorreu aos nove anos, no final da década de 1920, quando encontrou uma câmera fotográfica quebrada na escola. O rapaz que fez o conserto mostrou como funcionava. Aos 17 anos, Wilson saiu em expedição pelo interior de Pernambuco como assistente do fotógrafo austríaco J. Kaltnek, na função de retratista de lambe-lambe.
Em 1943, aos 24 anos, Wilson constituiu uma família ao lado de Conceição, com quem teve cinco filhos. Todos eles, de alguma forma, contribuíram nas tarefas de registrar, revelar negativos, atender clientes e vender fotografias (principalmente os mais velhos), que dividiam o espaço de casa com o laboratório do pai. As fotos secavam em varais improvisados para serem entregues no dia seguinte aos clientes.
O fotógrafo também era um grande frequentador de antiquários e chegou a fazer coleção de fotografias antigas, como a conhecida coleção de imagens da passagem do Graf Zeppelin pela cidade do Recife.
Também colecionava outros objetos de demolição – altar de igreja, banco de praça e mais. A sua casa, inclusive, era frequentemente visitada por professores e estudantes em busca desses objetos para as gincanas escolares.
O quiosque
O “Kiosque do Wilson” foi aberto em 1952, funcionando como comércio e exposição das fotografias de Cunha. A ideia de abrir o quiosque veio de sua esposa, Conceição, que havia encontrado um estabelecimento similar em uma revista francesa. Ela sugeriu ao marido que reproduzisse o modelo europeu dessas pequenas construções no espaço público para um comércio de serviços fotográficos.
O ponto logo despertou atenção e ficou muito conhecido pelas redondezas do Centro. Muitos jovens que largaram na escola passavam com frequência para ver as renovações da exposição fotográfica. Era uma espécie de “galeria a céu aberto”, atraindo ainda intelectuais, turistas e andarilhos que passavam no dia a dia.
O principal negócio do quiosque eram os instantâneos de rua, sobre os registros da Rua Nova. Wilson tinha um fascínio pela estética de Hollywood e fotografava as pessoas anônimas como se fossem modelos ou celebridades.
Esse olhar cinematográfico também está presente em registros como a foto do carnaval na Avenida Guararapes que tornou-se o pôster do filme “Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho.
Com uma versatilidade de estilo de temas, ele também se dedicou a registros da esfera familiar, com flagras da vida caseira, as poses dos animais domésticos e até crianças dormindo no sofá.
A história do quiosque chega ao fim em 1983, com o desinteresse das pessoas pelos serviços. Wilson decidiu fechar e vender parte do acervo para a Fundação Joaquim Nabuco, que digitalizou a obra, que pode ser consultada na plataforma Villa Digital.
Em julho de 2022, por meio do perfil do projeto no Instagram @kiosquedowilson, foi feito um chamamento à população do Recife para rastrear imagens adquiridas pela clientela de Wilson, facilmente identificáveis por algumas marcas que ele imprimia no trabalho.
Depois de reveladas, todas eram devidamente creditadas com a assinatura Wilson ou Foto Instantâneo Wilson ou ainda Kiosque do Wilson em marca d’água no canto inferior.
Um recorte de fotos do arquivo e das captadas entre os seus clientes deu origem ao e-book “Wilson Carneiro da Cunha: do Instantâneo de Rua aos Registros Caseiros”, que pode ser conferido aqui.
Emannuel Bento é jornalista pela UFPE, com passagens pelo Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio
Comments are closed, but trackbacks and pingbacks are open.