Com o avanço do que tem sido chamado de “Indústria 4.0”, que engloba um sistema de tecnologias avançadas como inteligência artificial, robótica, internet das coisas e computação em nuvem, o automóvel perdeu um tanto o seu simbolismo como ícone da tecnologia de um tempo.

No começo do século 20, no entanto, o automóvel transformou a vida nas grandes cidades e isso se manifestou de diversas formas, inclusive na história do Carnaval.

O Corso Carnavalesco, ou simplesmente Corso, foi um tipo de agremiação que promovia desfiles utilizando carros abertos e ornamentados pelas ruas das cidades, com foliões geralmente fantasiados, que jogavam confetes, serpentina e esguichos de lança perfume nos ocupantes dos outros veículos.

Revista de Pernambuco exibe no carnaval nos corsos, em 1926

O escritor Mario Sette, no livro “Entrudo e Frevo”, de 1938, explica como ocorreu essa mudança na paisagem da folia: “O Corso, outrora formado de alguns carros de passeio, puxados a cavalo, transformou-se no cortejo de dois ou três mil automóveis da atualidade. Desapareceram, porém, os cavalerianos que antigamente faziam correrias pelas ruas da cidade, exibindo o garbo e os animais. O brinquedo, por seu turno, requintou-se”.

O Corso no Recife
De origem europeia, o Corso logo foi introduzido nas grandes cidades do Brasil no século 20, sendo uma tentativa de reproduzir os carnavais de cidades como Nice, no Sul da França.

No Recife, o primeiro registro de uma agremiação de corso data ainda do final do século 19: uma publicação no Diário de Pernambuco, em 13 de fevereiro de 1885. O “Clube do Dominó Preto” saiu de carro ornado, percorrendo as freguesias de Santo Antônio, São José e Boa Vista nos 1º e 3º dias de carnaval.

O Corso no Carnaval do Recife, na Rua da Imperatriz, década de 1940

O Clube percorreu ruas como a do Imperador, 1º de Março, Duque de Caxias, Pátio do Terço, Pátio de São Pedro, Barão da Vitória (atual Rua Nova), Aurora, Formosa (atual Conde da Boa Vista), Hospício, Barão de São Borja, Largo da Santa Cruz, entre outras.

Muitas dessas ruas passaram a ser obrigatórias nos corsos que foram surgindo posteriormente, indicando que talvez o “Clube do Dominó Preto” tenha realmente inspirado o itinerário do corso recifense.

Anos 1920
Na década de 1920, já existiam os concursos para eleger o carro mais bem ornamentado, promovido pela revista recifense A Pilhéria, dos dias 14 e 28 de fevereiro de 1925:

“Procurando concorrer também para o brilho do carnaval deste ano a importante firma desta praça Alberto Amaral & Cia. oferece por intermédio desta revista ao automóvel que equipado de pneumáticos GOODYEAR mais bem ornamentado se apresentar no corso, uma linda taça que será exposta numa das vitrinas de uma das nossas joalherias.”

“[…]” Coube a Victoria, por unanimidade, ao carro do ilustrado clínico Dr. Gustavo Pinto – Embarcação a vella – trabalho de fino gosto artístico. […]. Ainda concorreram ao prêmio TAÇA GOODYEAR os carros: Pierrot Phantasmas, Flor do Arrayal, Pierrot Verde, Monjopina, Arco Iris e Bloco Vesper da Bôa Vista.”

Enfraquecimento
Embora não tivesse mais tanto destaque, o Corso resistiu até meados da década de 1970. O trajeto era feito usando vias como Avenida Conde da Boa Vista, Ponte Duarte Coelho, Rua do Sol, Rua da Concórdia, Rua Nova, Ponte da Boa Vista, Rua da Imperatriz, Ponte Velha, Rua da Aurora, Rua do Hospício e Avenida Manoel Borba.

Corsos na Av. Guararapes no carnaval da década de 1960. Crédito: arquivo do DP

Nesse período final, alguns dos veículos mais utilizados no corso eram os jeeps sem capota e as caminhonetes que funcionavam bem para a brincadeira por serem veículos abertos.

Os desfiles eram eventos que atraíam pessoas para assistir, comer e beber. Existia uma “batida” bastante consumida, chamada Fast-Back, vendida em recipientes de plástico.

Um dos marcos da tradição era jogar materiais uns nos outros – herança do entrudo. Porém, já nessa época, começou-se a utilizar materiais como água contaminada e graxa, o que estimulou o fim do corso.

O Corso no centro do Recife, 1958. Crédito: Ivan Granville

Na década de 2000, uma espécie de retomada existiu com o Desfile dos Carros Antigos, que se concentrava no Clube Internacional, na Madalena, seguindo pelo Derby, até chegar à Rua do Bom Jesus. Existem registros dessa desfile até 2013.

Do “Clube do Dominó Preto” que, lá em 1885, até o “revival” das décadas passadas, o Corso deixou a sua marca, misturando evolução tecnológica com a própria metamorfose da celebração carnavalesca. Sem dúvidas, ainda iremos testemunhar muitas outras formas de brincar.

Comments are closed, but trackbacks and pingbacks are open.