Imerso no coração do centro histórico do Recife, um edifício que remonta ao século 18 vem abrigando escritórios de negócios que apontam para o futuro. O Paço da Alfândega, no Bairro do Recife, adotou um modelo de “office & mall” no pós-pandemia e, mais recentemente, passou a comportar modernos escritórios da Liferay, empresa embarcada no Porto Digital.

Esta empresa de origem norte-americana, destaque na fabricação de software de experiências digitais, posicionou no Recife a sua maior operação fora de Los Angeles (EUA), expandindo-se continuamente em um cenário de crescente inovação.

Paço Alfândega na atualidade (Crédito: The Tech Hub)
Paço Alfândega na atualidade (Crédito: The Tech Hub)

O Paço Alfândega também conta com escritórios da Tempest, maior empresa brasileira de cibersegurança; da CentralIT, de serviços de tecnologia da informação; e da Mesa Mobile Thinking, desenvolvedora de produtos digitais, entre muitas outras marcas.

O “office mall” pode ser descrito como uma espécie de hub de negócios mais dinâmico, mesclando tecnologia e negócios com gastronomia e cultura – o Cais da Alfândega, inclusive, é palco do festival Rec-Beat durante o Carnaval. 

Antes desse atual modelo, grande parte da população (sobretudo os mais jovens) associa o prédio à nomenclatura de “shopping”. Entretanto, para compreender plenamente a relevância contemporânea do Paço Alfândega, é necessário revisitar suas origens. 

De Convento à Alfândega de Pernambuco

Edifício da Alfândega de Pernambuco em 1880 (Crédito: Moritz Lamberg, via Brasiliana Fotográfica)
Edifício da Alfândega de Pernambuco em 1880 (Crédito: Moritz Lamberg, via Brasiliana Fotográfica)

O prédio do atual Paço Alfândega foi construído entre 1720 e 1732, como uma extensão da Igreja Madre de Deus (que segue por lá) para ser o Convento dos Padres Oratorianos de São Filipe Néri.

A história da Alfândega de Pernambuco, da qual o edifício herdou seu nome, remonta ainda mais no tempo. Fundada em 1535, em uma modesta casa no bairro do Varadouro, em Olinda, então capital administrativa de Pernambuco, a Alfândega desempenhou um papel crucial no controle e tributação das mercadorias que fluíam através da região.

Alfândega de Pernambuco, no Recife, em 1858 (Crédito: Augusto Stahl via Instituto Moreira Salles)
Alfândega de Pernambuco, no Recife, em 1858 (Crédito: Augusto Stahl via Instituto Moreira Salles)

Essa repartição governamental permaneceu por lá até a chegada dos holandeses, que a transferiu para um sobrado na antiga Praça do Corpo Santo, no Bairro do Recife. Nos anos seguintes, a busca por local definitivo para a Alfândega foi um problema constante para o poder público.

Já em 1826, finalmente é adquirido parte do citado Convento para a transferência da Alfândega. Antes, contudo, era necessária uma grande reforma.

Primeira grande reforma do Edifício da Alfândega

Edifício da Alfândega no começo do século 20
Edifício da Alfândega no começo do século 20

O governador responsável por destinar recursos à reforma do prédio foi Francisco de Rêgo Barros, que promoveu melhorias urbanas e levantou outros importantes edifícios que ainda definem a paisagem do Recife, como o Teatro de Santa Isabel, a Assembléia Legislativa e a atual Casa da Cultura. Temos um texto dedicado a todas as suas benfeitorias no Jornal Digital.

Graças a Rêgo Barros, todo o edifício foi adquirido para esta finalidade, quando se fizeram as modificações exigidas. Até o século 19, inclusive, não existia separação entre a Igreja e esse prédio – a demolição resultou na atual Rua da Alfândega. 

A inspeção foi realizada pelo coronel Manoel Pinto da Fonseca, que pessoalmente dirigiu todo o trabalho de reconstrução. A conclusão das obras ocorreu em 1841.

Até o começo do século 20, quem adentrasse neste edifício iria encontrar um saguão de entrada com piso ladrilhado em mosaico inglês. No primeiro andar, piso de mármore e um majestoso salão principal. Lá, se encontrava as 1ª e 2ª seções da Alfândega, tesouraria, inspetoria e comissão de tarifa e sala dos conferentes.

Alfândega de Pernambuco (Data e crédito desconhecidos)
Alfândega de Pernambuco (Data e crédito desconhecidos)

Ao lado do salão principal ficava o salão de honra, ricamente decorado. Nas paredes, galeria de retratos dos presidentes da República e dos seus ministros da fazenda.

Em 1932, a Santa Casa de Misericórdia, entidade filantrópica católica e proprietária do imóvel, alugou-o para a Cooperativa dos Produtores de Açúcar e de Álcool de Pernambuco, transformando-o em armazém de produtos. Ao longo das décadas, o prédio passou a ter diversos usos, chegando a ser até estacionamento – um desperdício, diante de sua relevância histórica e cultural.

A segunda grande reforma que deu origem ao Paço Alfândega

Paço Alfândega antes da reforma de 2002 (Crédito: Pontual Arquitetos)
Paço Alfândega antes da reforma de 2002 (Crédito: Pontual Arquitetos)

No começo do atual milênio, no mesmo período em que o parque tecnológico Porto Digital se instalava no Bairro do Recife, o edifício da antiga Alfândega de Pernambuco passou por uma nova grande reforma capitaneada pelo escritório de arquitetura Pontual Arquitetos, em um projeto liderado pela arquiteta Luciana Menezes e com pesquisa arqueológica de José Luis Mota Menezes.

Os profissionais tiveram a tarefa de “garimpar” a construção existente, desnudando paredes e pisos para identificar, baseado nos relatos iconográficos, a essência do projeto original dos tempos do Conde da Boa Vista.

Vista panorâmica da reforma do Paço Alfândega no começo dos anos 2000 (Crédito: Pontual Arquitetos)
Vista panorâmica da reforma do Paço Alfândega no começo dos anos 2000 (Crédito: Pontual Arquitetos)

Foi usada uma estrutura metálica independente em meio à alvenaria do edifício, dando uma leitura de convivência do antigo com o moderno. Nesse sentido, a arquitetura acabou servindo como uma representação do futuro do local e do próprio Bairro do Recife, que hoje abriga o maior parque tecnológico urbano e aberto do Brasil.

O Paço Alfândega, mais do que um marco arquitetônico, é o eco de uma cidade em constante movimento, onde as fronteiras entre o antigo e o novo se enlaçam para dar lugar a um horizonte infinito de possibilidades.

Interior do Paço Alfândega após reforma de 2002 (Crédito: Pontual Arquitetos)
Interior do Paço Alfândega após reforma de 2002 (Crédito: Pontual Arquitetos)

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