Primeiro, foram os kits que demonstravam como funcionam os foguetes – física adaptada à brincadeira que suscitava perguntas sobre como foguete ganha altura e velocidade. Eduardo Peixoto tinha 10 anos, embarcava nas provocações intelectuais e aventuras do pai; e o pai nas dele. Ele jurava que queria ser cientista – o que fez elevar o sarrafo dos desafios e o gosto pelas descobertas. Estudando mamíferos e preparando-se para a feira de ciências, bateu o olho na teoria dos roedores: “Se param de roer, os dentes crescem e eles não articulam mais a mandíbula”. Era o princípio da ciência evidenciado para Eduardo: “Isolar, fazer o experimento e observar os resultados”. Contava com o pai: “Pai, o senhor poderia conseguir um par de ratos para mim?”.
Médico e professor, com acesso ao Hospital Oswaldo Cruz, o pai Mauro P. Peixoto conseguiu logo seis exemplares para ficarem confinados num aquário durante seis meses. Uns, comiam papinha; outros, comida de rato. “Ao final do experimento, a diferença da aparência deles era visível”, concluiu Eduardo Peixoto. Desde então, nunca parou de se colocar diante de novos experimentos e “explorar a curiosidade” que fez dele, em 2022, CEO do CESAR – o maior complexo de inovação e conhecimento do Brasil, base para a criação do Porto Digital e alicerce para a formação de milhares de estudantes.
Aluno aplicado, candidato do vestibular unificado à época com apenas três opções de universidades disponíveis, foi o primeiro lugar naquele ano. Cursou Engenharia Elétrica, e, ainda estudante, aos 20 anos conseguiu uma vaga na Philips, onde iniciou sua promissora carreira. Ali, criava produtos. Projetava e desenvolvia uma central telefônica e com um mini-computador. Na época, o mercado era verticalizado e a Philips produzia desde os componentes como parte de projetos maiores de um circuito. Nessa época, não se falava de computação; o presente era da telecomunicações. Eduardo Peixoto fez as malas e chegou à Holanda para cursar um mestrado e integrou uma equipe de 100 mil pessoas da multinacional. Novamente, cuidava do desenvolvimento de produtos. Mas a lógica corrente era produzir “um componente, depois ver onde ele podia ser aplicado”. Fazia muito tempo em que vira, em casa, uma figura ilustrativa que mostrava uma pessoa fazendo uma ligação. Era só uma gravura, mas o fez pensar: “Puts, isso é o futuro”. A imagem lembrava uma cena que hoje é comum, de chamadas por vídeos estilo Zoom ou Meet. ”Imagine o impacto daquilo em mim…”.
Do Recife para a Holanda, da Holanda para São Paulo; de São Paulo para a Suíça. Aos 20 e poucos anos, morando na Suíça, o hoje CEO do CESAR usufruiu de um luxo: um “janelaço”, como ele define, na sua sala de trabalho. Por ela, desfrutava da vista de uma montanha, com uma linda montanha “com um cocuruto de neve”. A empresa à qual prestava serviços contava com 12 mil funcionários e estava presente em oito países da Europa. Tudo parecia em ordem, num país onde se falava quatro línguas diferentes. “Era um caldeirão cultural bacana”, recorda ele.
Morava com a esposa e o filho, Guilherme, de quatro anos. Mara Christina, a esposa de Eduardo Peixoto, com a qual namorava desde os 17 anos, estava grávida novamente. O nascimento do filho Gustavo, super-prematuro nascido com apenas 24 semanas, mudou o rumo daquela trajetória. Após três meses de UTI, Gustavo ficou com sequelas – paralisia cerebral. “Minha esposa se desgostou de lá porque foi um ambiente muito tenso para a gente”. As exigências médicas para Gustavo e a necessidade de uma rede familiar fizeram com que o engenheiro elétrico e proeminente profissional da inovação daquele final da década de 1990 voltasse à sua cidade natal, Recife. Foram três anos de idas e vindas, ainda trabalhando para o escritório da Suíça, até que decidiu se estabelecer na cidade pernambucana em definitivo.
“Cesar this organization (ou disorganization)”
Duas semanas depois de aceitar o convite, em 2001, e iniciar sua jornada no CESAR, Eduardo já tinha uma ideia de que ali era um projeto inovador, mas embrionário, como uma startup – ainda que já tivesse sido fundado desde 1996. Chegou para trabalhar e tinha um cidadão que resolveu consertar uma lâmpada bem em cima da estação de trabalho do engenheiro elétrico e jovem promissor na área de inovações daquele final da década de 1980. “Bicho, né melhor eu sair, não?”, perguntou Eduardo. “Fica tranquilo”, respondeu o cidadão. Minutos depois, a lâmpada caiu a poucos metros dele. O ambiente era “caótico”, lembra. Fazia jus à expressão dada pelo cientista-chefe Silvio Meira, que definia aquele reduto como “Cesar, this organization” – brincadeira e espécie de duplo sentido que ficava entre a ideia de “esta organização” e “desorganização”. Eduardo Peixoto entrou para o CESAR para tocar um projeto para a Motorola.
Embora uma “this organization”, conceito que Peixoto corrobora e lembra rindo, a qualificação da equipe técnica era compatível com o que se via no mundo – aquele que já tinha acessado. “Porque a gente tinha conhecimento em tecnologia e essa vontade de transformar o mundo aplicando tecnologia de forma diferente”. Era um combo de sucesso: gente talentosa, o suporte por estar ao lado do centro de conhecimento na universidade e uma diretriz como guia: “Ninguém vai fazer aqui nada que não tenha sentido e aplicabilidade”, diziam. Era uma lógica invertida do que se praticava lá atrás, quando os componentes eram feitos para se buscar uma aplicação.
No CESAR da década de 2000, aquele que serviu de base para a fundação do ecossistema do Porto Digital, a conexão entre problema X solução já era tida como necessária e ponto de partida para qualquer projeto. “Eu não participei dessa fase de concepção do CESAR, mas a missão básica da organização dizia que a sociedade tinha que vir na frente da academia”. Para Peixoto, era o ambiente perfeito para se experimentar e criar produtos – a especialidade dele.
“Para mim, era um negócio que caía feito uma luva, porque a gente gostava de ver como é que A tecnologia pode ser aplicada e resolver problemas. Isso vivendo um ambiente muito mais solto e fluido”. Para Eduardo Peixoto, aquilo era uma surpresa agradável. Ele havia saído dO Recife – não porque não gostasse da cidade, mas pelas oportunidades – mas, no retorno, viu algo em construção que muito lhe agradava e, como extra, era tocado por colegas que tinham propósitos parecidos com os dele, voltados para a aplicabilidade da tecnologia, como meio de transformar o ambiente. Do projeto Motorola para a coordenação da área de engenharia, depois para a área de negócios, assim se sucedeu a trajetória de Eduardo Peixoto até ocupar o cargo de CEO.
Aquela sanha do menino curioso continuava viva. “Eu gostei muito (de assumir a área de negócios) porque pude exercer ainda mais a minha criatividade, de conhecer mais pessoas e entender efetivamente os problemas para fazer essa conexão da organização com a sociedade”, conta. Naquela época, como fator motivacional, todos precisavam escolher um valor – alguns até imprimiam este valor no verso do cartão de visita, numa época em que ele existia em papel e era distribuído para ampliar o network. “Todo mundo achava que o valor e a frase que me definia era: “Nunca estamos satisfeitos”. E foi a frase que ficou impressa no cartão de visitas dele por algum tempo.
Personalidade de forte referência no meio tech de Pernambuco, pela sua história e pelo trabalho que vem desenvolvendo à frente do CESAR (hoje com cerca de mil colaboradores e cinco prédios no cinturão territorial do Recife Antigo, onde está o Porto Digital, tendo presença nacional e internacional), Eduardo Peixoto comemora as conquistas e os resultados da curiosidade e persistência de tantos como ele.
A inovação melhora vidas
“Qual a interface que o CESAR tem hoje com a sociedade?” – é a pergunta que se impõe. “É a Inovação”, responde ele, de pronto. “E a gente entende que a inovação é algo que transforma, que tem impacto na sociedade e que melhora a vida das pessoas”. Depois, complementa: “E agora que temos o braço educacional, então digo que a inovação não só melhora a vida das pessoas, como a transforma”.
Um exemplo dos mais recentes reforça a teoria dele, mostrando como a tecnologia moldada às necessidades da sociedade pode surpreender: ele cita a ferramenta lançada pela Lenovo Capaz, de capturar e vocalizar movimentos das mãos e transformá-los em textos e áudios de maneira simultânea. É uma ferramenta de Inteligência Artificial que traduz a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e que foi lançada na Tech World 2023, nos EUA, um super evento global para apresentar as novidades de fabricantes. Nesse caso, tamanha a personalização pensada, basta dizer que a ferramenta usou uma voz escolhida pela família do rapaz que fez a demonstração do sistema em vídeo. Estima-se que 2,3 milhões de pessoas com deficiência auditiva podem se beneficiar da ferramenta somente no Brasil.
Os olhos de Eduardo Peixoto parecem inquietos quando ele fala do projeto desenvolvido para a Lenovo. E ganham vivacidade quando lembra que o CESAR facilita encontro de veteranos, como ele, com os jovens estudantes. E que projetos como esses são inventados, desenvolvidos e testados por jovens. Muitos dos quais com aquela curiosidade que o movia quando menino lá na feirinha de ciências, demonstrando a experiência dos roedores. A diferença é que, se antes o motivador era o pai de Eduardo, agora o menino Eduardo assumiu o papel de provedor e apoiador das ideias mirabolantes dos jovens ávidos por inovação.
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