A inteligência artificial (IA) generativa é tipo aquela colega de trabalho que nunca pede um cafezinho, mas está sempre pronta para assumir um monte de tarefas. Em 2024, ela está não só redefinindo nossos empregos, mas também transformando o que entendemos por “trabalho”.
Em 2023, um estudo da Thomson Reuters já apontava que 34% dos trabalhadores esperam que a IA terá um impacto transformador em suas carreiras nos próximos cinco anos – com as capacidades dessa tecnologia parecendo quase ilimitadas. Desde automatizar comunicações até estimular inovações em design, a IA está agilizando processos e introduzindo novos paradigmas de produtividade.
No entanto, como diria o Tio Ben, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades — e um certo grau de ansiedade. Enquanto muitos profissionais veem a IA como um catalisador de crescimento, há também uma preocupação significativa sobre o potencial de substituição humana. O CEO da Thomson Reuters sublinhou que, embora a IA possa superar diversos desafios organizacionais, a presença e o discernimento humanos continuam insubstituíveis.
Uma nova realidade com IA
Este cenário misto de otimismo e cautela desenha o novo contorno do mercado de trabalho, onde entender e adaptar-se à IA é mais crucial do que nunca. A tecnologia, que abrange várias técnicas, incluindo machine learning (ML), Processamento de Linguagem Natural (PLN) e deep learning, permite às máquinas realizar tarefas que normalmente requerem inteligência humana como aprender, planejar e resolver problemas. E isso, em (quase) todas as áreas:
- Indústria e Manufatura: além da manutenção preditiva, a IA está otimizando as cadeias de suprimentos, melhorando a eficiência das linhas de produção e reduzindo desperdícios através de ajustes automáticos baseados na análise constante de dados de produção.
- Saúde: a IA está revolucionando a área médica com aplicações como o diagnóstico assistido por imagem, onde algoritmos de deep learning analisam imagens médicas para detectar precocemente doenças, como cânceres ou problemas cardíacos.
- Finanças: no setor financeiro, a IA está transformando a maneira como os bancos e seguradoras avaliam riscos e detectam fraudes. Sistemas inteligentes analisam padrões de transações para identificar atividades suspeitas, melhorando significativamente a segurança e a eficiência operacional.
- Atendimento ao Cliente: chatbots e assistentes virtuais baseados em IA já estão se tornando capazes de fornecer um atendimento ao cliente mais intuitivo e personalizado. Eles utilizam o processamento de linguagem natural para compreender e responder a consultas complexas, melhorando a experiência do cliente enquanto liberam humanos para tarefas mais estratégicas.
- Marketing: na área de marketing, a IA está ajudando as empresas a personalizar campanhas e entender melhor o comportamento do consumidor. Algoritmos podem prever tendências de consumo e otimizar estratégias de marketing em tempo real, garantindo que as mensagens certas cheguem às pessoas certas no momento certo.
Em outro setor impactado, o de Recursos Humanos e recrutamento, a pernambucana Recrut.AI é pioneira no uso de PLN para processos seletivos desde 2019, bem antes da febre do ChatGPT. “Quando percebemos que os processos do RH dependiam muito da comunicação escrita e falada. Ali entendemos que precisávamos criar tecnologia que entendesse as necessidades dos recrutadores e as características dos candidatos para encontrar o match perfeito entre vagas e pessoas”, explica Patrick Gouy, CEO da empresa.
Expectativas e preocupações
Um recente levantamento global com 2.000 executivos, realizado pela Adecco Group em parceria com a Oxford Economics, revelou que 41% dos líderes corporativos preveem uma redução no número de funcionários devido à implementação da inteligência artificial nos próximos cinco anos. Essa pesquisa destaca em especial o impacto disruptivo da IA generativa no emprego e nas formas de trabalho.
Denis Machuel, CEO da Adecco Group, enfatiza a necessidade das empresas requalificarem e redistribuírem suas equipes para maximizar os benefícios desta transformação tecnológica e minimizar as turbulências. Embora 46% dos executivos planejem realocar internamente os funcionários afetados pela IA, dois terços indicaram a intenção de contratar pessoas com habilidades em IA, em contraste com pouco mais de um terço que optariam por treinar seus atuais empregados na tecnologia.
Com tanta abrangência, não é à toa que muitas pessoas temem perder seu emprego para a automação. Este fenômeno tem até nome: “fear of obsolescence” (FOBO), ou “medo de ficar obsoleto”, que reflete a ansiedade de muitos trabalhadores que veem suas habilidades sendo potencialmente substituídas por máquinas avançadas.
Segundo um estudo recente do World Economic Forum, cerca de um quinto dos trabalhadores nos EUA expressam temor de que a IA possa torná-los obsoletos – não apenas em tarefas rotineiras e repetitivas, mas também campos que requerem criatividade e emoção, tradicionalmente vistos como exclusivamente humanos.
Mudando o jogo
As estatísticas, porém, mostram uma realidade mais matizada. Apenas 34% das tarefas empresariais são atualmente realizadas por máquinas, um aumento de apenas 1% em relação a 2020, com expectativas futuras de automação também sendo revisadas para baixo. Isso sugere uma adoção mais lenta e cautelosa da automação nas operações de negócios do que o inicialmente previsto.
E apesar das inúmeras capacidades da IA, existem aspectos essenciais do trabalho humano que as máquinas ainda estão longe de replicar completamente. Estes aspectos humanos são cruciais em profissões que exigem um toque pessoal, como na psicologia, no ensino e nas artes, e mesmo em campos técnicos onde o julgamento ético é indispensável.
No caso específico da Recrut.AI, Gouy explica que a tecnologia da sua empresa foi criada para aumentar o poder de análise dos recrutadores – não substituí-los. “Imagine o seguinte cenário: uma empresa abre uma vaga e recebe centenas (ou milhares) de inscrições. O tempo gasto por um recrutador só para analisar todas essas informações no início do processo pode impedi-lo de focar em etapas que agregam mais valor, como entrevistas e dinâmicas com candidatos”, afirma o executivo.
“Nosso papel é auxiliar na tomada de decisão automatizando etapas repetitivas para permitir que tenham mais tempo livre para fazer entrevistas mais qualificadas com os insights gerados pela nossa inteligência”, completa.
Um artigo da Economist ressalta que, apesar das preocupações com a automação, a realidade econômica mostra que a tecnologia, por si só, raramente elimina completamente os empregos. Em vez disso, transforma-os, criando novas oportunidades e exigindo novas habilidades. No campo da saúde, por exemplo, sistemas de IA podem diagnosticar doenças a partir de imagens com precisão sobre-humana, mas a decisão final e o cuidado do paciente dependem criticamente da empatia e do julgamento humano. Da mesma forma, no setor jurídico, a IA pode ajudar a analisar documentos e casos, mas a advocacia e as decisões judiciais envolvem complexidades éticas e humanas que vão além do processamento de dados.
Um futuro colaborativo
A verdade é que ninguém sabe ao certo o que vai acontecer. Em entrevista à Wired, Mary Daly, CEO do Federal Reserve Bank de San Francisco, observou que a tecnologia nunca reduziu o emprego líquido ao longo do tempo. Em vez disso, ela tende a transformar empregos, criando novas oportunidades.
Para a executiva, encarar a IA como uma oportunidade e não como uma ameaça é essencial para aproveitar ao máximo seu potencial. E para isso, é preciso investir em aprendizado contínuo e adaptar-se a novas ferramentas e métodos de trabalho é mais crucial do que nunca. As habilidades que a IA não pode replicar — como pensamento crítico, criatividade e empatia — serão cada vez mais valorizadas. Além disso, familiarizar-se com as funcionalidades da IA pode transformar essa tecnologia em uma aliada valiosa, aumentando sua produtividade e eficiência.
A recomendação dos especialistas é, em vez de ver a IA como uma rival, veja-a como uma colega que pode ajudar a aliviar cargas de trabalho e permitir que você se concentre em aspectos mais estratégicos e humanos do seu trabalho. Para lidar com a “colega” IA no dia a dia, lembre-se de que ela é uma ferramenta, não um substituto. Utilize a IA para ganhar tempo para suas atividades criativas e interações humanas, e não se esqueça de verificar e refinar o trabalho dela, assim como você faria com um assistente novato.
“A IA não vai substituir o ser humano, mas seres humanos com IA vão substituir os seres humanos sem IA. Ou seja, todos devem se preparar para interagir e trabalhar de forma mais próxima com tecnologias de IA Generativa para que elas permaneçam competitivas no mercado de trabalho”, avalia o CEO da Recrut.AI.
Voltando à analogia do início do artigo, podemos dizer que, enquanto a IA não precisa de pausas para café, ela certamente precisa de suas orientações e insights humanos para ser eficaz.
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