Com a sagacidade que seu Queiroz tinha para os negócios, se ele aqui estivesse, estaria provocando o filho Queirozinho e a equipe da Ampla diante do atual protagonismo e da potencialidade da Inteligência Artificial: “Colem nesse cara, tragam esse cara aqui pra gente e aprendam com ele”. Quem cogita a cena imaginária é Queiroz Filho, hoje CEO da Ampla. “Seria exatamente isso, porque era assim que seu Queiroz era”. O pai, um ex-feirante com a 4º série primária, era vendedor dos bons. Fez carreira numa agência e depois se tornou ícone da publicidade com a sua própria empresa; o filho, um ex-office boy, graduou-se em Engenharia Civil, mas encantou-se pelo meio publicitário e alçou lugar de referência nacional na área. Pai e filho, uma dupla de sucesso, ergueram e mantiveram em alta a Ampla.

LIDERANÇAS TECH: ‘A IA já está transformando o mercado. Cola nela’, aconselha Queiroz da Ampla (Imagem: Chico Barros)

A resposta no sussurro do tempo dada por Queiroz Filho, ao ser questionado sobre “o que seu Queiroz diria sobre os investimentos da Ampla no uso das ferramentas de Inteligência Artificial”, tem base na essência de seu Queiroz e naquilo que ainda hoje é pregado nas reuniões dos que fazem a agência. “Papai dizia: ‘Sempre busque pessoas mais inteligentes que você no trabalho’. Ele não tinha aquela história de ter medo de sombra…”. Pessoas “inteligentes” aqui posto é um conceito para além da instrução formal, curso de graduação e afins. Envolve a capacidade para conquistar os objetivos.

Em Pernambuco e no Brasil, para falar de criatividade e inovação no universo corporativo e para os negócios, é quase uma obrigação mencionar a Ampla, empresa com sede no ecossistema do Porto Digital, instalado no Recife Antigo com cerca de 400 empresas e que se tornou o maior complexo de inovação a céu aberto da América Latina. Da mesma forma falar de seu Queiroz (que se foi) e Queiroz Filho – este, imerso no mercado da comunicação desde 1976, eleito por cinco vezes “Publicitário do ano”, conselheiro da Associação Brasileira de Agências Publicitárias (Abap) e uma das 100 lideranças desse
mercado no Brasil, segundo ranking publicitário de 2023 da Revista Exame.

Queiroz Filho desbravou o mundo da inovação muito antes da Inteligência Artificial ocupar lugar de centralidade. Seguiu na trilha de Severino Queiroz (cujo nome sofreu um rebranding sem encomenda, tendo o nome da sua agência acoplado ao seu e resumido a “seu Queiroz da Ampla”). Hoje, Queirozinho – como é conhecido – usa a centelha da criatividade para observar padrões de comportamentos e tendências de consumo, sintetiza dados e linguagens do dia a dia das pessoas para tomar decisões e, com a sua equipe, surpreende os clientes com soluções originais. Tal qual a IA. Tal qual seu Queiroz, falecido em 2012, que tem seu legado e lições reavivados todos os dias na Ampla.

Pela voz ativa e respeitada e história como empreendedor na Ampla, o Jornal Digital traz nesta edição da série Lideranças Tech a história de Queiroz Filho como empreendedor há mais de 40 anos.

Primeiras lições

Dona Janete era viúva quando casou com seu Queiroz. Desse primeiro casamento, tinha um filho, Jair. Seu Queiroz casou com dona Janete e o assumiu como filho. Depois, vieram Cristina, Tânia e Queirozinho – o caçula. Os filhos sentiam-se muito à vontade para escolhas estudantis e profissionais. Nasceu em 1959 e cresceu vendo o pai na Agência Abaeté, oportunidade dada por um admirador, chamado Mário Leão Ramos, que viu a aptidão de seu Queiroz como vendedor e o inseriu no ambiente dos “intelectuais”, como ele dizia.

Com 15 anos, Queiroz Filho começou a trabalhar para o pai. A ideia dele era ganhar uma renda, então aproveitava as férias para fazer pagamentos bancários ou ir até os jornais levar peças para serem publicadas. Em troca, ganhava uns trocados. A Ampla havia sido fundada pelo pai em 1976. Em 1977, prestou vestibular para Engenharia Civil. A agência do pai lhe atraía cada vez mais. Desde então, era aficionado pela área de “criativos”. Foi na mídia que ele iniciou a caminhada técnica na Ampla. Naquele tempo, Queiroz trabalhava os dois períodos e conciliava com o curso de graduação no turno da noite na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). O gosto de viver aquela rotina já estava se enraizando. Rotina difícil, contudo.

Foi quando ele quis trancar o curso de Engenharia. De pronto, o pai reagiu à ideia: “Esse trabalho está atrapalhando seu curso”. O tema virou objeto de negociação. A promessa era de que o curso seria concluído. E assim fez, e graduou-se. Queiroz Filho passou a desfrutar de uma parceria ainda maior com o pai. “Acho que papai viu em mim a vontade, a habilidade e capacidade, sei lá, de ser ele. Não me coloco na posição de ser um seu Queiroz, mas eu olho todo dia para ver como ele fazia”. A convivência lhe rendeu um aprendizado diário. Foi sua escola:

Lição 1 – Compre internamente a ideia daquilo que você vende. “Se você não acredita e não compra a ideia do trabalho, você não vende, dizia papai”. Esse é um importante princípio para uma venda de sucesso, frisava;
Lição 2 – Crie vínculos com as pessoas, faça amizades. “Ele dizia que quem tem amigos faz 50%, porque os outros 50% quem faz são os amigos”;
Lição 3 – Trabalhe para uma empresa ética e socialmente responsável e promova uma cultura com esses valores. Até hoje, a gestão de pessoas, diz Queiroz Filho, “é o maior patrimônio da Ampla, disparado! Porque seu Queiroz sempre pensou no colaborador”. É algo que faz parte de um valor maior, uma vez que o produto da Ampla não está em uma prateleira, vem como resultado de uma produção feita por pessoas e depende do bem- estar delas – explica.
Lição 4 – Busque garantir a satisfação com as entregas e tenha clientes longevos. Dessa última, a Ampla tem exemplos palpáveis: o contrato com a Pitú é um deles. A agência tem desde a sua fundação, há 48 anos, a conta da indústria, uma cachaça pernambucana e uma das maiores exportadoras do Brasil.

Não eram lições formais, mas elas são lembradas por Queirozinho até hoje como ensinamentos importantes do seu pai. Ao segui-las, ele foi conquistando a confiança de seu Queiroz, e renovando as ideias dele. Nem sempre era fácil.

Os dois travaram alguns debates saudáveis. Fosse numa quarta-feira qualquer ou em pleno domingo de sol, quando a propaganda de uma concorrente estava estampada num outdoor e impactava-os, ou quando uma campanha da Ampla não estava dentro daquele modelo que o pai defendia. A assinatura do cliente, representada pela marca, aparecia no outdoor ou em outras peças, e costumava ser um problema. Para o pai, a marca precisava ter destaque e em tamanho mais chamativo, para impressionar. O filho defendia uma marca menor, “mais elegante”, condizente com a prática do momento.

“Ele me encontrava ou me ligava e perguntava: ‘Como é aquele painel da Pitú? Fica aquela marca pequenininha?’ E eu respondia a ele. Eu sentia a necessidade de um refresco, de deixar as coisas mais clean, para atrair a visão. Eu lia muito sobre estética, por isso eu dizia que nem sempre era melhor deixar tudo estouradão [falava da marca]… A gente brigou muito por isso e depois levava a questão para a equipe e tudo se resolvia”.

As adaptações e a IA

Mudam as ferramentas e também os processos internos de produção. A grande transformação da Ampla durante a pandemia e pós-pandemia diz respeito à força de trabalho e ao modelo que a sustenta. Quanto à força de trabalho, o CEO lembra que o corpo funcional (no total de 200) agora está muito além dos antigos escritórios do Recife e de Vitória (ES), onde a Ampla tem filial. Não se limita ao espaço territorial e está distribuído pelo mundo. Quanto ao modelo, é algo que repete uma tendência mundial. Se antes Queiroz Filho se deslocava com frequência para São Paulo para uma reunião, hoje não tem esta prática – ou não com a mesma frequência. Quase 100% remoto. E, nesse modelo, a base instalada em 2023 dentro do território do Porto Digital tem papel importante para a integração, interação e sinergia sempre linkada com a inovação. A Ampla mantém proximidade com o ecossistema do Porto Digital e não é de hoje. Só para dar um exemplo: Queiroz Filho é co-founder do Rec’n’ Play – festival voltado para tecnologia, empreendedorismo e cultura criativa.

Nesses 48 anos, as adaptações da agência ao mercado foram muitas. Da mesma forma, o próprio Queiroz Filho diz que mudou a sua forma de trabalhar, de lidar com a pressão para a urgência do mundo da comunicação. Mais ou menos cinco anos antes da pandemia, ele resolveu tornar seus momentos de descanso mais saudáveis, assim como regrar o uso do celular fora do horário comercial. Na rotina de Queiroz Filho, a sensação de urgência, de plantão 24 horas, em que a resposta precisa ser dada rapidamente, moldou-se: “Foi a maturidade”.

Como o foguete

Eles conversavam logo cedo antes da rotina começar. O pai ia caminhar à beira-mar e parava na casa do filho para as primeiras trocas de ideias do dia. Trabalhavam de forma presencial e, se se encontrassem no almoço ou no final de semana, não havia divisão entre trabalho e lazer. “A publicidade é assim: se você acordar e for impactado por alguma coisa, aquilo ali já é trabalho”. As demandas são outras. Na época de seu Queiroz, uma campanha com um filme para televisão, uma revista e para a rádio e um outdoor, indicava sucesso garantido. Agora, o número de plataformas de comunicação é maior, o que eleva o volume de trabalho. “A jornada ficou gigantesca. Não tem uma fórmula, uma coisa que sirva para todo produto, então o trabalho das agências cresceu de forma brutal pelas especialidades, pela necessidade de entender cada meio e plataforma”, frisa. Parte dessa mudança se atribui ao mundo digital, no qual a IA está inserida.

A Inteligência Artificial tem sido objeto de estudos constantes na Ampla. Este é um momento de pesquisa e prospecção sobre a sua aplicabilidade. O cenário, diz Queirozinho, ainda é obscuro e são muitas as dúvidas sobre o que pode e o que não pode com a IA e suas limitações legais. São pontos que dizem respeito à originalidade do que é criado e ao direito autoral porque ainda não se pode ter garantias do que é totalmente novo, criado do zero, e o que é reaproveitado de outra ideia. “É uma ferramenta fantástica, que gera ganhos no tempo de pesquisa, de trabalho… Você, por exemplo, tem a possibilidade de gravar um comercial sem abrir uma câmera, imagine!”.

O quadro sobre a IA está em formação, mas Queiroz Filho tem clareza de um ponto: “A gente precisa dividir essa responsabilidade com o cliente, e aí tem quem tope e quem não tope”. Algo que também pode ser ajustado diante da confiança estabelecida com o cliente. Hoje, a Ampla, comenta ele, já contrata profissionais pensando na experiência ou contato com a IA; o uso da ferramenta é item de pauta na reunião semanal da diretoria.

Há algumas semanas, um dos participantes da reunião chegou a fazer um jingle com o nome de todos os clientes da Ampa em questão de minutos. O CEO não gostou do resultado, mas reconheceu a impressionante rapidez e habilidade da IA – que foi ponto de partida para novas discussões.

A Ampla e o próprio Queiroz Filho, acostumados a implantar tantas mudanças ao longo de quase cinco décadas, estão colando na IA – como talvez recomendasse seu Queiroz, o pai. “A IA é como foguete; não tem ré”, define ele.

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