A geração do empreendedor que temia errar e fracassar está dando lugar à outra, disposta a experimentações e mais ágil na tomada de decisões diante de riscos na carreira profissional. Quem empreende hoje aceita com mais facilidade as mudanças de uma jornada. E, diferentemente de uma década atrás, época de ouro para as startups incentivadas por incubadoras ou aceleradoras – sobretudo em Pernambuco, meca da inovação – muitas vezes esse empreendedor se movimenta e sai do plano à prática de forma menos previsível e mais solitária. O comportamento reflete um momento de transição do perfil das pessoas que se aventuram no desafio de ter seu nome à frente de um CNPJ.
Essas são algumas das conclusões de Alfredo Júnior, CEO do Hub Plural, empresa embarcada no distrito de inovação referência no Brasil, o Porto Digital. Alfredo deixou a carreira acadêmica na área da Física (chegou a fazer mestrado e pensava em se especializar em energia nuclear) e empreendeu por “necessidade”, como classifica, para dar sustento à família. Hoje apoia e abriga cerca de 400 empresas em dois estados (Pernambuco e Ceará) e lida diariamente com esse novo empreendedor. Com eles, tira experiências diárias e ganha autoridade para fazer análises de comportamento. Por vezes, Alfredo incentiva essas empresas oferecendo o suporte estrutural; em outras, de forma direta, conversando com os clientes individualmente ou em pequenos bate-papos coletivos.
“Esse medo é parte da essência de todo empreendedor”, diz ele. “Nunca é sanado por completo. Eu mesmo ainda tenho medos”. Sobretudo, ressalta, em função das incertezas da legislação brasileira: “No Brasil é pau. Se você for ficar acompanhando o noticiário, enlouquece. Todo dia muda uma lei, é um imposto novo que aparece”. Há pouco, conta, respirou essa sensação de expectativa e temor antes de investir, ao lado do seu sócio Guilherme Cavalcanti, em novas unidades do Hub Plural em Fortaleza (CE) e Petrolina (PE). “Acho que as pessoas tinham medo de iniciar um novo negócio por causa do julgamento alheio, mas estão perdendo esse medo, testando e vendo um infinito de possibilidades para a sobrevivência, o que é muito bom”, afirma, em tom de comemoração. Acredita ele que se trata de um movimento recente e em crescimento, que tem uma relação direta com o período pós-pandemia da
Covid-19.
Alfredo é fundador de uma rede de equipamentos empresariais e coworking, que oferece desde 2018 escritórios privados ou ambientes coletivos com estações de trabalho. A cultura do Hub Plural é promover a interação, praticidade e flexibilidade de formas e espaços de trabalho. Está no perímetro do Porto Digital sua maior unidade, com 3 mil m² e 700 vagas de postos de trabalho, de mais de 100 empresas parceiras. Ele transformou o seu negócio em um estilo de vida e comemora o crescimento do Hub Plural.
A história de sucesso do CEO do Hub Plural é atestada pela consolidação do empreendimento em poucos anos e pela expansão, com novas filiais, como a do Recife, (situada na Rua do Brum, nº 248, no Bairro do Recife), aberta em 2023, as de outras cidades e até a de outro estado, o Ceará. O percurso profissional deste CEO pode ser inspiração para muitos novos empreendedores: ele nunca foi CLT, portanto, não teve carteira assinada, viu a falência da empresa familiar, deu uma reviravolta na carreira saindo do meio acadêmico e dos estudos da Física para o empresarial, abriu novos caminhos e agora não só tem um patrimônio a zelar como compartilha a sua experiência com os clientes.
Estas são algumas das razões pelas quais esta edição da série de reportagens Lideranças Tech é com Alfredo Júnior. A série é publicada no Jornal Digital e tem como objetivo dar voz a quem faz acontecer nas empresas embarcadas no ecossistema do Porto Digital.
De 400 metros quadrados a 12 mil
A falência da empresa da família foi o ponto de partida para Alfredo turbinar a abertura de um negócio que gerasse renda. O pai tinha uma empresa de arquitetura e montagens de eventos. Após adoecer, a empresa quebrou. Alfredo estava com 18 anos e a força de trabalho dele passou a representar a única renda da casa: “Ou seja, empreendi muito mais por necessidade que por oportunidade”. Ele estava no começo da sua graduação no curso de Física na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A organização de um congresso pernambucano de empreendedorismo foi um marco para ele. Em 2012, organizou o TEDx, projeto no estilo das conferências americanas e canadenses conhecidas como TED (de Tecnologia, Entretenimento e Design). Entrou, assim, para um meio inovador, conheceu e se aproximou de pessoas com visão ampla, como o urbanista Cláudio Marinho, o pesquisador Silvio Meira, fundadores do Porto Digital, e o então superintendente do Cesar, Sérgio Cavalcanti.
No início da década passada, uma leva de jovens abriu startups, mas Alfredo começou a perceber que nesse movimento muitas dessas pessoas não se conheciam. Não trocavam conhecimento nem se ajudavam. Ao mesmo tempo em que os jovens passaram a ter mais contato com o conceito de empreendedorismo na tecnologia, o custo e o trabalho de montar um escritório para aqueles que acabavam de sair da faculdade era um problema a ser superado. Noutro nicho, quem estava inserido em um ambiente corporativo ficava restrito muitas vezes a um espaço mínimo, “um cubículo”, como lembra Alfredo. E eram organizados quase sempre em baias (“Aqui no Hub, a gente brinca dizendo que quem tem baia é cavalo”).
Mais que uma questão de espaço, tinha ainda a frieza desses ambientes produtivos: ”Eu via e me incomodava a prática do individualismo, do cada um por si”. Alfredo começou a achar que aquilo precisava mudar. A teoria de que “o pessoal não pode interferir no profissional” era ultrapassada e não cabia mais no mercado corporativo. Na organização de um dos congressos, agora já mais ligado à tecnologia, ele conheceu um coworking em Curitiba (PR), chamado Impact Hub. Ficou impressionado. Já estava ali plantada a semente do negócio. Seria a chance de ajudar para essa mudança de estilo, criar ambientes mais coletivos e menos cartesianos.
Alfredo estava certo de que os escritórios virtuais que ele montaria serviriam como endereço de caixa postal (muito comum na época), mas seria transformado em espaço de convivência. Este, aliás, era seu grande objetivo. Cláudio Marinho foi taxativo: “Vocês precisam estar no Recife Antigo”. Foi aí que Alfredo decidiu abrir seu próprio negócio de coworking. Pensava em atrair aquele público que, inicialmente, usava a Praça de Alimentação do Shopping Paço Alfândega e outros cafés para trabalhar.
A primeira unidade do Hub Plural foi instalada na rua do Bom Jesus, com 400 metros quadrados, já tendo como sócio Guilherme Cavalcanti – que havia atuado como diretor do Cesar. Contava com os moldes do atual conceito, compartilhado, ainda que com instalações mais básicas do que as vistas hoje. “Tínhamos pouco capital, mas já surgia com viés de comunidade”. Um ponto de convivência.
Menos de um ano depois, foi preciso abrir uma nova unidade – agora na Zona Norte do Recife. O local escolhido foi a praça de Casa Forte. Em janeiro de 2000, tinha 3 mil m², somando as unidades do Hub; em dezembro, havia dobrado de tamanho. Hoje, são nove unidades, 12 mil m². E uma perspectiva de expansão ainda maior pelos estados do Nordeste. Atualmente, 80% dos clientes do Hub Plural são de escritórios; 20% representam o grupo de usuários de coworking (áreas mais coletivas).
Filosofia do cuidar
Alfredo acredita que entre os motivos do crescimento do seu negócio está o cuidar das pessoas, o acolhimento à diversidade e a hospitalidade a todo e qualquer empreendedor. Hoje, no Hub há clientes de bermuda e tênis e clientes de salto alto e maquiadas. Cada um, cada uma no seu estilo, e tudo bem. “É uma relação do ponto de vista humano. Agora, você só se desloca de casa para um escritório para uma reunião se quiser porque pode trabalhar de qualquer lugar. Então, a gente precisa oferecer a experiência do ambiente para conquistar esses clientes”.
Para assimilar esse conceito, Alfredo conta que seguiu muito o sócio Guilherme, quando ele falava da importância de ter e expor os fundamentos da empresa para o cliente: “O propósito”. Nos corredores do Hub, por exemplo, tem-se uma ideia do que se trata: há quadros grandes com o manifesto da empresa. Um manifesto que valoriza o “homem que está na arena” e que tem a “rebeldia” de empreender.
“O que queremos mostrar é que trabalhar pode e deve ser bem mais plural do que só trabalhar. O trabalho não deve ser uma forma de sacrifício. Era assim para a geração dos meus pais, que se sentiam na obrigação de trabalhar para colocar o leite dentro de casa”, diz Alfredo. “Agora mudou, e o ambiente de trabalho acompanhou a mudança. É preciso trabalhar, se realizar e ser feliz”.
A defesa de um propósito está na ordem do dia para Alfredo e para o Hub Plural. “É entender que você precisa fazer algo de forma proposital. Deliberadamente, você precisa escolher o que quer e fazer algo porque escolheu esse caminho”. Este talvez seja um dos conselhos mais valiosos pregados por Alfredo Júnior no seu relato de sucesso: “Você precisa escolher o que quer e agir em nome disso, de forma proposital”.
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