Existe um tesouro artístico-histórico em um dos prédios mais imponentes do Bairro do Recife, localizado bem na Praça do Marco Zero.
Embora a sua finalidade ainda seja desconhecida por muitos recifenses e visitantes, a sede histórica da Associação Comercial de Pernambuco tem conquistado maior visibilidade desde que abriu as portas ao público para visitação, no final de 2019.
Localizado entre a Caixa Cultural e a antiga sede do River Plate and South America Bank, este edifício guarda um acervo de documentos, livros, jornais, quadros e vitrais que resgatam a memória do comércio pernambucano.
O “Palácio do Comércio”, como é conhecido, é o tema deste texto da série “Memórias no Concreto: Histórias de Edifícios do Bairro do Recife“, publicado pelo Jornal Digital.
A primeira sede
A Associação, contudo, nasceu antes da referida construção, em 1839, com o intuito de promover uma cooperação entre os segmentos produtivos de Pernambuco.
Abaixo, temos o registro da ata de reunião da fundação no Diario de Pernambuco, em 22 de junho de 1839. O primeiro presidente está no topo da lista, José Ramos de Oliveira, que foi um famoso comendador.
Por quase 30 anos, no entanto, a Associação não tinha uma sede física. Isso mudou durante a presidência de Henry Forster Hitch, um norte-americano responsável por introduzir querosene no Brasil e também pela primeira linha de navios a vapor entre Brasil e Estados Unidos.
A primeira sede da Associação foi inaugurada em 1865, nesta mesma área do Bairro do Recife, que era chamada de Cais da Lingueta ou Praça do Comércio.
A sede ficava na altura do armazém do restaurante Seu Boteco. O aspecto da região era diferente da atualidade, visto que ainda não haviam sido realizadas as reformas de 1909-1926.
Essa sede recebeu a visita de Dom Pedro II em 1859. O imperador foi convidado pela Associação para um jantar beneficente que arrecadou fundos para a finalização do Hospital Dom Pedro II.
Dom Pedro II voltou a visitar o prédio em março de 1872, durante uma visita não oficial que foi registrada pelo Diario de Pernambuco.
Nesse dia o imperador deixou a sua assinatura num caderno de visitas ilustres. Esse mesmo caderno também tem assinaturas de Joaquim Nabuco, Santos Dumont, Rosa e Silva, Barão do Amazonas, entre outros nomes.
A Associação guarda esse caderno e a caneta usada até hoje. Por motivos de segurança, eles não estão mais na sede histórica do Bairro do Recife. Apesar disso, existe lá um livro mais recente, dos anos 1970, com assinaturas de figuras como Gilberto Freyre..
Palácio do Comércio
A segunda sede da ACP foi construída entre 1913 e 1915, no contexto das reformas do Bairro e do Porto do Recife. O presidente da instituição era o Barão de Casa Forte, dono das terras que hoje formam o bairro da Zona Norte do Recife.
O engenheiro da obra foi Manoel Antônio de Moraes Rego, também responsável pela construção do Porto do Recife.
A conclusão da obra atrasou porque o navio que levava as primeiras pedras de mármore norueguês da construção afundou num acidente.
O prédio da Associação se tornou um dos responsáveis pela verticalização da paisagem da então nova Praça Rio Branco – futura Praça do Marco Zero. Olhar os quatro prédios era como contemplar a Avenida Boa Viagem na atualidade.
Porto do Recife
Até hoje, a sede histórica da ACP guarda livros que registraram os controles dos navios do Porto do Recife. Na época da sua criação, essa instituição era como um fiscal do Porto.
“Então, tudo era anotado: os navios que chegavam, de onde eles vieram, quem era os comandantes, quais eram as cargas e os seus valores”, explica Alexandre Barbosa, presidente patrimonial da Associação.
“A associação também abrigou uma bolsa de valores, a Bolsa do Açúcar, que funcionou antes da futura Bolsa de Valores de Pernambuco e da Paraíba, que ficava no prédio da Caixa Cultural.”
Detalhes
Quem visitar o prédio poderá ver já na entrada uma escadaria de ferro e carvalho ingleses e vitrais que contam a história do ciclo econômico de Pernambuco, com imagens de produtos protagonistas do comércio.
Os vitrais foram feitos por Gastão Formenti, famoso vitralista italiano que também fez os vitrais do Palácio Campo das Princesas.
No Salão Principal, eram negociados os principais ciclos econômicos. Ele é decorado com lustres de cristal inglês, colunas de ferro maciço e um teto em latão prensado da França.
No segundo andar, os vitrais contam a história do Rio de Janeiro, capital do Brasil na época. Eles foram restaurados nos anos 2010 através de um edital da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco.
No Salão Nobre, o principal da casa, há uma tela em tamanho real do Barão do Amazonas, feita em 1871 como homenagem à Batalha do Riachuelo.
Outra figura na sala é Dom Pedro II, com uma tela de 1870 assinada por Ernest Papf, o pintor favorito da família imperial – é possível encontrar várias obras suas no Museu de Petrópolis.
No segundo andar existe um acervo com livros, pinacoteca e coleção de jornais que datam da época da fundação do prédio – Diario de Pernambuco, Jornal do Commércio e Jornal do Recife.
Restauro
O restauro mais recente do prédio foi feito entre 2004 e 2009. Agora, os representantes da ACP buscam recursos junto à bancada federal pernambucana através de emendas parlamentares.
Esse restauro está orçado em R$ 12 milhões, sendo R$ 2 milhões para a fachada e o rooftop. A empresa responsável pela execução é a Estúdio Sarasá.
Visitação
As visitações podem ser feitas de sexta a domingo, das 10h às 18h. As entradas custam R$ 15 e R$ 7,5 (meia).
“No começo, tínhamos estagiários, mas fechamos uma parceria com a equipe do Recife Assombrado, que faz visitas guiadas com personagens caracterizados da época do auge do prédio, em 1915”, diz Alexandre.
“O interesse das pessoas na visitação aumentou, como também circulou a informação sobre a finalidade do prédio. Muita gente não sabia, até perguntavam se era uma igreja.”
Assim, a sede da ACP é uma parada obrigatória para quem deseja compreender as raízes econômicas e culturais que moldaram o Recife que conhecemos hoje.
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