O Bairro do Recife, área que tem assistido a um novo florescimento de bares e restaurantes nos últimos anos, foi um dos antros da boêmia da cidade no século passado. 

Dentre vários estabelecimentos marcantes, destaca-se o Bar Gambrinus, que por muito tempo ostentou o título de mais antigo da ilha. Ele nasceu em 1930 e resistiu bravamente até o ano 2000, quando fechou as portas no térreo no Edifício Chantecler.

Gambrinus: o icônico bar que foi o mais antigo do Bairro do Recife

O Gambrinus foi fundado pelo alemão Hermet Fritz em uma pequena casa na Rua Pedro Álvares, nos fundos do prédio de número 222, que dava para a Avenida Marquês de Olinda.

Na época da fundação, a sua especialidade era a venda de chope em canecas de um ou meio litro, tendo como tira-gosto queijos finos vindos da Suíça e famosos salsichões importados da Alemanha.

Os chopes, claro e escuro, vinham em barris de carvalho de 35 a 50 litros da Cervejaria Antarctica Paulista, com colarinho branco de três dedos.

Fachada do Bar Gambrinus, localizado no térreo do Chantecler entre 1963 e 2000

A primeira vez que o Gambrinus apareceu no jornal “Diario de Pernambuco” foi em dezembro de 1931, em uma propaganda do uísque Ogygio, que listou estabelecimentos onde era possível encontrar o produto.

Proprietários portugueses

Durante as décadas de 1930 e 1940, o Gambrinus prosperou em um contexto em que o dólar passou a circular no Bairro do Recife após a chegada dos militares norte-americanos no contexto da Segunda Guerra Mundial.

Em 1941, ele foi adquirido pelo português Raul Fernandes Fortes, que o ampliou, transformando-o em um bar e restaurante. Nos anos seguintes, passou a ocupar todo o espaço térreo do prédio, ficando com a frente voltada à Marquês de Olinda.

Nota informa sobre compra do Gambrinus por Raul Fernandes Fortes, em 1941 (Crédito: Diario de Pernambuco)

Em 1944, foi a vez de outro português, José Pereira da Silva, então proprietário do Leiteria Recife, também no Bairro do Recife, comprar o Gambrinus. O negócio continuou rendendo bons lucros, tanto que, em 1960, foi aberta uma filial na Avenida Rio Branco.

Na década de 1950, o bar chegou a ser patrocinador de eventos culturais internacionais, a exemplo da “La Mechicanita y Sus Chinacos”, no auditório da Rádio Tamandaré, grande emissora de música da época que integrava os “Diários Associados”.

J. Pereira & Cia, proprietário do Bar Gambrinus, aparece como patrocinador de show promovido pela Rádio Tamandaré, em 1951 (Crédito: Diario de Pernambuco)

Em 1962, o Gambrinus mudou-se para o número 263 da Avenida Marquês de Olinda (um dos imóveis do conjunto do Chantecler). Com a morte de José Pereira da Silva, os seus herdeiros continuaram o negócio, sendo o seu último proprietário o filho Fernando Ribeiro Pereira.

Prestígio

Em uma ida ao Gambrinus em seu ápice, era possível encontrar nomes como o sociólogo e escritor Gilberto Freyre, o poeta Manuel Bandeira, o artista plástico Rubens Sacramento, além de muitos jornalistas e políticos, como Jarbas Vasconcelos, Gustavo Krause e Miguel Arraes, que chegou a ir caminhando o Palácio Campo das Princesas até lá para tomar café pelas manhãs.

Em um texto publicado no “Diario de Pernambuco”, em 1971, o cronista Renato Carneiro Campos cita o Gambrinus ao descrever um grupo de intelectuais “que deu o falar no Recife” na década de 1930, incluindo Aníbal Fernandes, Odilon Nestor, Luiz Cedro, Sylvio Rabello, Cícero Dias, José Lins do Rego, Ulysses Pernambucano, entre outros.

Anúncio do Gambrinus em 1944 (Crédito: Diario de Pernambuco)

“O Gambrinus conseguiu manter a pompa até por volta dos anos 1974/75, quando o povo brasileiro começou a despertar o “milagre” econômico, produzido pelo Governo Médici, e da “magia” do futebol tricampeão do Mundo. E a partir de então, começou a decadência do Bairro do Recife”, registrou Plácido Fernandes, também, no “Diario”, em 1988.

Naquela época, quem teimava em ainda atravessar a Ponte Maurício de Nassau, “apesar da escuridão”, eram alguns funcionários das oficinas do “Diario de Pernambuco” e do “Jornal do Commércio”, para tomar uma canja, destaque do local nestas últimas décadas de funcionamento.

Anúncio do Gambrinus em 1944 (Crédito: Diario de Pernambuco)

Em seus bons tempos, também promovia uma chopada para homenagear funcionários de algumas agências bancárias do Bairro do Recife, que frequentavam o local principalmente no horário do almoço. O chope era patrocinado pela Cervejaria Antarctica Paulista. 

Outra festa tradicional era o Festival do Amendoim, que foi realizada pela última vez em 1986.

“Quem explorava o Chanteclair eram dois portugueses, os irmãos Amorim. Eles ficaram ricos cobrando ingressos para entrar no Chanteclair. E o Gambrinus funcionava embaixo, como os outros estabelecimentos. Ia todo mundo: usineiros, políticos, poetas”, relembrou Fernando Ribeiro Pereira, último proprietário, em entrevista a Sidney Motta em 2002.

O Gambrinus fechou as portas em 2000, quando a Prefeitura do Recife interditou o Chantecler para uma restauração que só viria a ocorrer nas décadas seguintes. O bar nunca retornou, mas está imortalizado no imaginário e na placa de informações turísticas em frente ao prédio.

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