A educação é uma das ferramentas mais importantes no processo de inclusão social dos mais diversos atores que são historicamente marginalizados ou excluídos. Entre esses, estão as pessoas acima dos 60 anos. E com o processo de envelhecimento da população brasileira, que deverá ter mais pessoas idosas do que jovens até 2030, segundo os dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), tem-se pensado cada vez mais em estratégias de compreender a população 60+ no contexto educacional e também no mercado de trabalho.
Aos 61 anos de idade, Maria Andrea Nascimento está no segundo período de Análise e Desenvolvimento de Sistemas na Universidade Tiradentes. Ela é bolsista do programa Embarque Digital, uma iniciativa do Porto Digital em parceria com a Prefeitura do Recife, e participante do programa de Residência Tecnológica.
O Embarque Digital é um programa de bolsas para que estudantes do ensino público possam ingressar em cursos de tecnologia em seis instituições privadas. Ao todo, o Embarque já formou mais de 2 mil alunos, levando Recife a ser a capital com mais pessoas formadas no setor de tecnologia por renda per capita. O objetivo principal do programa é reduzir a desigualdade de acesso ao conhecimento tecnológico e aumentar a empregabilidade no setor. A população 60+ também faz parte desse objetivo.
Segundo Maria Andrea, participar do programa faz parte da realização de um sonho de estar firme e forte em um curso de graduação na área de Tecnologia. “Sempre quis ter um curso superior, porque sempre vi como os estudos transformam a vida das pessoas”, conta.
Maria já chegou a tentar cinco graduações e alguns cursos técnicos ao longo da sua trajetória, mas não concluiu por alguns obstáculos, entre eles o etarismo. “Em um desses cursos, sofri um pouco com o etarismo, o que me fez desanimar com a vida de estudante naquele momento. Comecei a sentir que aquilo não era para mim”, desabafa. Mas a sensação de não pertencimento passou, e, em 2023, Maria se
inscreveu para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizou a prova e conseguiu a bolsa no curso de Tecnologia.
Hoje em dia, divide a rotina com uma turma com cerca de 20 alunos, alguns deles também bolsistas do Embarque Digital, com uma média de idade de 20 anos. O choque geracional ainda existe, e ela não nega, mas conta que tem sido uma jornada de aprendizado tranquila e enriquecedora.
“Me sinto acolhida pelos colegas e pelos professores. Eu gosto de estudar e sou muito dedicada, faço as atividades e sempre compareço em oficinas e palestras. Faço resumos e compartilho com eles, e eles me ajudam quando eu tenho alguma dificuldade”, complementa.
De acordo com levantamentos recentes, tem crescido o interesse desse grupo social pelo ingresso no Ensino Superior, com quase 10 mil inscritos para o Enem de 2024, conforme consta nos dados do Ministério da Educação (MEC). Embora este número represente apenas 1% do total de inscritos, é o maior desde 2020.
O Censo da Educação Superior 2023, divulgado em outubro de 2024, reforça essa tendência, apontando que, das 9.977.217 matrículas realizadas em cursos de graduação presenciais ou a distância, 60.735 foram feitas por estudantes com 60 anos ou mais, enquanto em 2023 esse número tinha sido praticamente a metade (30.692).
Etarismo no mercado de trabalho em tecnologia
Segundo o Relatório de Diversidade no Setor de TIC, realizado pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom) e divulgado em outubro de 2024, a presença de profissionais com 57 anos ou mais é de 5.414 – sendo 3.938 homens e 1.476 mulheres – correspondendo a apenas 0,5% dos profissionais. A pesquisa aponta ainda que a predominância é de profissionais que possuem entre 19 a 29 anos, com 55,6% do total.
Para a superintendente de Educação do Porto Digital, Marcela Valença, a inclusão de pessoas acima dos 50 anos na área de Tecnologia é importante para a movimentação da economia e também para inclusão e diversidade nas empresas.
“Somos um país que está envelhecendo, e a gente precisa saber o que vai fazer com as pessoas a partir dos seus 50 ou 60 anos. Incluir esse grupo no mercado é uma solução primeiramente para a economia, porque a gente promove uma movimentação, mas não só isso. A partir disso, conseguimos ter também um processo verdadeiro de inclusão dentro dessas empresas, que são, majoritariamente, compostas por pessoas mais jovens. As pessoas mais velhas possuem experiências e dinâmicas capazes de enriquecer as empresas, e é preciso saber aproveitar isso”, explica.
Ainda de acordo com a superintendente, um outro ponto, tão importante quanto a economia e a diversidade, é de dar vida para as pessoas. “Essas pessoas continuam pensando, sentindo e vivendo a experiência de um mundo real e é preciso tê-las como pessoas ativas. A gente não pode jogar fora histórias e mentes que são brilhantes e determinar que a partir dos 50 anos ou 60 anos, elas não servem mais para o mercado de trabalho”, concluiu.
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