Série Adolescence

A série Adolescência (Adolescence, no original em inglês), da Netflix, é um mergulho em temas como o cotidiano dos adolescentes, suas dores invisíveis e o papel negligenciado das instituições em lidar com esses sofrimentos. Essa é uma das observações do professor universitário e head de Pedagogia da Proz Educação, Luciano Meira.

“A série retrata, com rara sensibilidade, a solidão adolescente, o bullying, os discursos de ódio e a ausência de acolhimento nas duas instituições que deveriam funcionar como pilares da formação: a escola e a família”, aponta Meira.

Esses são alguns dos temas que o próximo Conexão REC’n’Play – série de eventos que trazem uma prévia de assuntos que serão discutidos no REC’n’Play. O encontro será no dia 15/04, às 17h, e terá Luciano Meira como um dos debatedores e provocadores de discussão. As inscrições serão abertas e você vai ficar por dentro de tudo aqui no Jornal Digital.

Mais do que culpa: a necessidade de responsabilização

“O problema central não é um blame game”, diz, referindo-se à tendência de apontar dedos. Não se trata de buscar culpados, mas de assumir responsabilidades coletivas. Segundo ele, a série evidencia como tanto a escola quanto a família falham em acolher o sofrimento adolescente. A escola aparece como um “não-lugar” para o acolhimento, enquanto a família projeta sonhos nos filhos, mas sem oferecer espaço para a escuta.

“Essas instituições tratam o sofrimento a partir do sintoma, do diagnóstico e da medicalização. O que falta são três pilares fundamentais: palavra, compartilhamento e reconhecimento”, afirma.

O sofrimento que se transforma em dor

Para Meira, o sofrimento é uma condição da existência – inevitável, inclusive na infância. Crianças, já aos cinco anos, compreendem que a morte, a perda, existe, e essa angústia precisa ser trabalhada. “Se a família não ajuda a dar materialidade para esse sentimento, tudo vira um fantasma. A angústia é isso: algo que você sente, mas não sabe nomear.”

Esse sofrimento, quando não reconhecido ou escutado, transforma-se em dor, em trauma, e muitos jovens tentam se livrar dela das piores formas possíveis. No caso retratado pela série, o protagonista silencia suas angústias até que elas explodem em violência. O desafio, portanto, está em como lidamos com esse sofrimento, de acordo com o mestre em psicologia. 

“A escola, frequentemente, ignora esse sofrimento em nome da racionalidade e da normatização. A família, por sua vez, projeta sonhos nos filhos, mas falha em oferecer intimidade, diálogo e escuta”, comenta. A criança tem privacidade – um quarto só seu, por exemplo – mas não tem com quem compartilhar seus sentimentos, não tem linguagem para expressar suas dores. “Falta o essencial para uma pessoa em desenvolvimento: construir narrativas sobre si”.

Para Luciano Meira, não se trata de buscar culpados – mas sim de assumir responsabilidades coletivas

Privacidade sem intimidade

Um conceito levantado por Meira é a diferenciação entre dois conceitos frequentemente confundidos: privacidade e intimidade. Segundo ele, muitas crianças e adolescentes hoje possuem uma vida privada — têm seus quartos, suas senhas, seus fones de ouvido, seus celulares, seus grupos de mensagens — mas não têm intimidade, nem consigo mesmos, nem com os adultos ao redor.

“A criança pode ter um quarto só dela, sair e voltar sozinha, usar o celular o tempo todo… mas isso não significa que ela se conhece ou que alguém realmente a conhece”, explica Meira. “Ela tem privacidade, mas não sabe nomear o que sente, não sabe reconhecer suas angústias, não sabe compartilhar”.

A falta de intimidade está diretamente ligada à ausência de diálogo estruturado dentro das famílias. Meira destaca que muitos pais até tentam conversar, mas as interações se resumem a perguntas genéricas como “como foi a escola hoje?” — perguntas que, sem contexto ou estímulo emocional, produzem respostas igualmente genéricas: “foi bom”, “foi ruim”, “nada demais”.

Para romper essa barreira, ele propõe que os adultos modelem o diálogo com perguntas mais sensíveis e específicas, que ajudem a criança ou o adolescente a construir uma narrativa sobre o próprio dia, seus sentimentos e relações. “Com meu filho de três anos, por exemplo, eu não pergunto ‘como foi a escola?’. Eu pergunto: ‘qual foi a brincadeira que mais te fez suar hoje?’”, conta. “Isso surpreende a criança, ativa a memória emocional e a ajuda a se expressar.”

Privacidade com intimidade

“A ausência de intimidade também prejudica a capacidade de autopercepção emocional. Na série, o personagem central comete um ato violento e sequer consegue reconhecer a gravidade do que fez. Ele diz ‘ela morreu?’ como quem não entende o peso do próprio gesto. É uma criança que não se enxerga. Que tem uma vida privada, mas nenhuma intimidade com seus próprios sentimentos”, afirma Meira.

Intimidade não é sobre invadir a privacidade. Meira aponta que é sobre construir uma relação em que a criança ou o adolescente se sinta visto, escutado e capaz de expressar quem é. É oferecer presença, confiança e abertura.

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