Após 25 anos da fundação do Porto Digital, uma área de mais de 30 mil m² em imóveis já foi reabilitada no Bairro do Recife. Esse número diz respeito aos imóveis que foram reabilitados pela atuação direta da Área de Arquitetura e Obras do Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD).
Ao considerar também os imóveis que foram ocupados pelo estímulo dos incentivos fiscais concedidos pelo parque tecnológico, sem atuação da área de Arquitetura do NGPD, o número de imóveis utilizados sobe para uma média de 200 mil m².

Esses números são resultado de um dos propósitos da instituição desde a sua fundação. Ao decidir atrair empresas de tecnologia da informação para a ilha onde a cidade surgiu, o Porto Digital compreendia que ajudaria na revitalização de um território com grande relevância histórico-cultural para o Brasil.
As discussões sobre reabilitação do bairro, contudo, datam os anos 1980 e foram evoluindo até chegar na atual configuração, em um alinhamento entre desenvolvimento econômico, revitalização urbana e preservação cultural.
O trabalho do Porto Digital nesta área foi reconhecido pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional através do 30º Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, concedido em 2017.
Esvaziamento do ‘coração do Recife’

Berço da cidade por conta da intensa atividade portuária, o Bairro do Recife detém prédios e paisagens que habitam o imaginário da população. A área passou por transformações em diferentes períodos.
Por muitos séculos, a ilha detinha o aspecto colonial português, com um emaranhado de casebres e igrejas. Entre 1909 e 1926, esse traçado foi alterado com os Planos de Melhoramentos e Reforma do Porto e do Bairro do Recife, que tinham inspiração francesa.
A proposta era tornar o bairro um espelho do desenvolvimento da capital, em sintonia com as grandes cidades da Europa. Contudo, esses esforços não impediram um esvaziamento já a partir dos anos 1930, com deslocamento da atividade econômica para outras áreas – como Santo Antônio, que recebeu a então imponente Avenida Guararapes.
Nos anos 1970, com a inauguração de Porto de Suape, no Litoral Sul, esse processo de abandono e degradação se acentuou, chegando ao ápice nos anos 1980.
Histórico da reabilitação
A Prefeitura do Recife passou a planejar e executar algumas ações para revitalizar a região no final da década de 1980. A gestão de Jarbas Vasconcelos (1986-1988) chegou a criar o Escritório de Reabilitação do Bairro do Recife.
“O esforço visava reabilitar um espaço que havia perdido as suas funções. As atividades produtivas haviam desaparecido. Discutimos muito a questão do uso e propostas dessa reabilitação urbana”, explica a arquiteta Amélia Reynaldo, autora do livro “Porto Digital – Inovação e Preservação no Centro Histórico do Recife“, que será lançado em breve pela Cepe Editora.
Algumas conversas com empreendedores do setor da informática já ocorreram nesta época, a exemplo do Belarmino Alcoforado, fundador da Elógica e responsável pelo primeiro microcomputador feito no Nordeste.

“Eu e Cláudio Marinho, que era diretor de planejamento urbano da Autarquia de Urbanização do Recife, tivemos muitas conversas para que Alcoforado trouxesse a sede dessa empresa para o bairro. Achávamos que isso iria atrair novos negócios de tecnologia e consequentemente moradia e comércio. Hoje, a Elógica fica no número 100 da Rua da Hora”, diz Reynaldo.
Contudo, os planos da gestão de Jarbas foram descontinuados. Pesquisadores do tema apontam que isso ocorreu porque o projeto não levava em consideração os atores economicamente relevantes para essa retomada, além de não especificar como implantar as ações.

Mais tarde, o governador Joaquim Francisco (1991-1995) propôs um plano de desenvolvimento que destacava o Bairro do Recife como um centro de atrações turísticas. Para isso, foi criado o Plano de Revitalização do Bairro do Recife, que contou com obras emergenciais e articulações com investidores privados.
A Rua do Bom Jesus foi a primeira a sentir os resultados desse trabalho. “Nessa época, o bairro torna-se espaço turístico, com muitos restaurantes e eventos.”
Parque tecnológico chega ao Sítio Histórico
Em 1999, um reencontro torna possível a concretização do polo de tecnologia no Recife Antigo. Amélia Reynaldo, agora presidente da Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco, e Cláudio Marinho, então secretário de Ciência e Tecnologia, se unem ao professor Silvio Meira, do Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco.
“Soubemos por Silvio Meira que o governo federal havia lançado cursos para o desenvolvimento tecnológico nos Estados. Ele estava interessado em expandir o curso de informática com empresas que funcionariam como um parque tecnológico”, diz Amélia Reynaldo.
Desta vez, existia uma estratégia de desenvolvimento do Estado de Pernambuco: trazer esse parque tecnológico para ocupar os imóveis do Bairro do Recife.

“O polo poderia muito bem ser criado na UFPE, mas mostramos a Silvio Meira que a ocupação dos imóveis vazios também valorizaria a cultura. Assim, o parque surgiria a partir de uma conotação cultural importante. Neste sítio histórico temos arquitetura portuguesa, holandesa e francesa, todas as etapas de desenvolvimento urbano do Centro do Recife. O professor acatou a sugestão.”
O Porto Digital foi fundado em 2000, durante o governo estadual de Jarbas Vasconcelos (2000-2006). Já a partir dessa criação, existia um pequeno núcleo de arquitetura encabeçado por Leonardo Guimarães, que ficou responsável por encontrar imóveis e fazer negociações com os proprietários. “E pouco a pouco, foi-se recuperando esses lotes que hoje temos no Bairro do Recife.”
Reabilitação na prática
O primeiro contrato de gestão do Porto Digital com o Governo do Estado e a Prefeitura do Recife já previa o repasse de verbas para reformar imóveis e atrair investidores, como uma espécie de pontapé.

O primeiro imóvel reabilitado foi o número 181 da Rua do Apolo, a primeira sede do Porto Digital – ao contrário do que muitos pensam, a primeira sede não foi o moderno Edifício Vasto Rodrigues, originalmente construído para ser a sede do Banco do Estado de Pernambuco. Atualmente, esse prédio da Rua do Apolo abriga o Portomídia, braço de economia criativa do Porto Digital.
O segundo foi a Rua do Brum, 100, que possibilitou o deslocamento do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife – CESAR do Campus da UFPE para o centro histórico. Posteriormente, também foi inaugurada a CESAR School no número 77 do Cais do Apolo.
Um terceiro imóvel reabilitado no início foi o de número 32 da Rua Vidal de Negreiros, que passou a abrigar a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação – Secti, que mudou de endereço para integrar este novo ecossistema de tecnologia e inovação.
“Ao longo desses 23 anos, o Núcleo de Gestão do Porto Digital tornou-se proprietário de imóveis para a reabilitação. Outros imóveis são cedidos pelo Governo do Estado através de um modelo de cessão, o que atualmente ocorre com três imóveis no Bairro do Recife”, explica Gustavo Rocha, Superintendente de Infraestrutura do Núcleo de Gestão do Porto Digital.

Gustavo Rocha explica como é a atuação da Área de Arquitetura e Obras do Núcleo: “Contratamos todas as empresas dos serviços, desde a criação dos projetos até a execução das obras de fato. Realizamos um gerenciamento, como se fossemos uma ‘especializada’. Sabemos o que queremos no momento da realização do projeto.”
Muitos dos imóveis reabilitados estão na Rua do Apolo, nos números 169, 213 e 235. Este último, finalizado em 2016, atualmente abriga o Senac do Porto Digital, unidade voltada para a formação profissional e o desenvolvimento de projetos tecnológicos de inovação no segmento de TI.

Um exemplo de imóvel com cessão do Governo do Estado é o número 50 da Rua da Moeda. “Vimos uma oportunidade neste prédio e fomos atrás do Governo para ver o que teria de disponível para o termo de cessão. Seria o mesmo modelo para o antigo prédio do Diario de Pernambuco, mas a cessão nunca chegou a ser assinada, o que impossibilitou a reabilitação”, diz Julia Machado, Gerente do Projetos da Área de Arquitetura e Obras do NGPD.
Tratando-se de um bairro tombado pelo IPHAN desde 1998, as reabilitações são repletas de detalhes dos quais essa equipe já se especializou, ajudando, por exemplo, nas reformas da atual sede da SOFTEX Recife.

“Qual o limite das reformas? Até onde podemos ir? As leis nem sempre são objetivas, então nós aprendemos ao longo do tempo. A preservação atua sobre as fachadas e sobre as cobertas. As áreas internas são bem mais livres, podemos fazer o que quisermos por dentro. Trabalhamos junto aos arquitetos e engenheiros para colocar essa expertise em prática”, explica Gustavo Rocha.
Expansão
A volumetria dos prédios do Bairro do Recife, pensada no começo do século passado, também cria desafios para a instalação em empresas que desejam espaços maiores. Esse foi um dos principais motivos para que, em 2015, o Porto Digital expandisse a sua área de atuação para o bairro de Santo Antônio.
“Neste bairro temos edifícios que comportam grandes empresas e que não estão em uma área tombada pelo IPHAN, o que facilitaria o processo de reforma. Infelizmente, essa reabilitação não avançou por diversos contratempos, como a falta de investimento público na revitalização urbana, o que incentivaria as empresas”, diz Julia Machado.

Até o momento, o NGPD não realizou ações de reabilitação no território de Santo Antônio, mas empresas já se instalaram por lá através dos benefícios fiscais do parque. Iniciativas como o gabinete Recentro, da Prefeitura do Recife, e a instalação de um campus do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) no Edifício Trianon, na Avenida Guararapes, podem criar novas perspectivas na urbanização do bairro.
Em 2012, o parque tecnológico também expandiu sua atuação para o bairro de Santo Amaro, reabilitando um imóvel no número 420 da Rua Capitão Lima, onde hoje funciona uma empresa de tecnologia.

Próximos reabilitações
Nos próximos 12 meses, existem novidades para o Bairro do Recife. O imóvel localizado no número 70 da Rua Dona Maria César, abrigará o N.E.R.D – Núcleo de Empreendedorismo em Tecnologias Digitais do Porto Digital.
Com recursos do Finep – Financiadora de Estudos e Projetos e do Governo do Estado, a iniciativa prevê programas de formação alinhados às atuais demandas do mercado de tecnologia, promovendo também a conexão entre jovens profissionais e empresas do ecossistema local.
Já o número 181 da Rua do Apolo, onde tudo começou, passará por uma reforma patrocinada por quatro entidades: BNDES, Instituto Neoenergia, Shell e Monsanto. Com isso, o Portomídia ocupará todo o prédio – antes, só ocupava 15% do espaço.
A experiência da revitalização realizada do NGPD mostrou para o setor privado que era possível ocupar o centro histórico do Recife, resultando nos mais de 200 mil m² hoje reabilitados.
Também exemplifica como o desenvolvimento econômico e tecnológico pode preservar a identidade cultural de uma comunidade.
Afinal, não trata-se apenas da reabilitação dos edifícios, mas também da reconstrução de histórias e sonhos, e o estabelecimento de um modelo de inovação sustentável para centros em todo o Brasil.
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