Imagine ter pensamentos, sentimentos e vontades, mas não conseguir organizá-los e transformá-los em palavras. Essa paralisia comunicacional é uma realidade para uma parcela importante de pessoas com o diagnóstico do autismo. Entre as crianças com o transtorno, cerca de 1/3 apresenta alguma dificuldade de comunicação, segundo estima o Conselho Federal de Fonoaudiologia. Alguns podem ser minimamente verbais, apresentarem alterações na fala e na linguagem, com trocas ou omissões de sons, dificuldades na formação de frases, incapacidade de relatar fatos ou de compreender o significado das palavras ou textos lidos.

Plataforma desenvolvida por grupo de pesquisa do CIn-UFPE é usada para capacitar profissionais na alfabetização de neurodivergentes (Imagem: CIn-UFPE/Divulgação)

Os casos mais graves são os de autismo não verbal, quando a pessoa não desenvolve a fala funcional e, no lugar do vocabulário usual, ela se expressa com gestos, expressões faciais, linguagem corporal e sistemas de símbolos ou imagens. “Os principais desafios incluem dificuldades em explicar necessidades e emoções, compreender e ser compreendido por outros, o que pode levar a frustrações e isolamento social. Quando a fala não é uma opção, a comunicação alternativa entra em cena para dar autonomia e diminuir frustrações”, explica Cora Cabral, coordenadora de Fonoaudiologia da Clínica Mundos, rede especializada em terapias para neurodivergentes.

E foi buscando passos mais largos para seus mais de 1,1 mil pacientes que a Mundos fechou parceria com grupo de pesquisa do Centro de Informática da Universidade de Pernambuco (CIn-UFPE), o Assistive, que há mais de uma década tem se dedicado ao desenvolvimento de tecnologias assistivas de alto impacto social. À frente do trabalho de capacitação de psicopedagogos e fonoaudiólogos das clínicas, o professor e pesquisador Robson Fidalgo explica que a maior contribuição do projeto para os autistas é a plataforma Reaact, para Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA).

“A CAA é baseada em cartões de comunicação que são imagens com legendas. Tais cartões são organizados em pastas ou pranchas temáticas, que permitem uma pessoa construir mensagens de forma autônoma, transformando pensamentos em comunicação funcional. Ao tocar, apontar ou selecionar os itens, a pessoa consegue formar frases para comunicar desde necessidades imediatas como ‘estou com sede’ ou ‘quero brincar’, até sentimentos, ideias e preferências”, explica Fidalgo.

O projeto Reaact é uma plataforma de CAA gratuita e 100% nacional, desenvolvida para ser intuitiva e de fácil uso. Por meio de cartões de comunicação, a ferramenta permite a construção de frases com apoio de recursos como síntese de voz, modo de alto contraste e teclado virtual. Como diferencial, a Reaact é uma solução multiplataforma que funciona em qualquer computador ou dispositivo móvel. Além disso, por ser baseada na nuvem, não requer instalação de aplicativos: basta criar uma conta para acessar e usar todos os recursos de qualquer lugar com internet.

“A plataforma é de fácil usabilidade e bastante editável, de modo que podemos personalizar para qualquer paciente, segundo as demandas de cada um – com imagens, sons, com referências do dia a dia deles”, explica a psicoterapeuta Ana Paula Calado. E esse é apenas o começo da parceria entre a rede de clínicas e o projeto do CIn-UFPE. O intuito é que, com o passar do tempo, seja a própria criança a usar a ferramenta, sem necessitar da intervenção terapêutica. “A comunicação é um direito fundamental e garantir meios para que pessoas no Transtorno do Espectro Autista (TEA) não verbal possam se expressar é garantir inclusão e bem-estar. Não há um único caminho nesse processo, mas estratégias personalizadas e construídas com paciência, afeto e apoio profissional sempre trazem os melhores resultados, contribuindo para autonomia e melhor qualidade de vida para essas crianças”, conclui a fonoaudióloga Cora Cabral.

A CLÍNICA MUNDOS
Espaço de acolhimento para tratamento multidisciplinar para neurodivergentes, a Mundos possui clínicas no Recife (Ilha do Leite, Agamenon Magalhães e Boa Viagem) e em Caruaru, no Agreste. A equipe profissional é formada por psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicomotricistas, psicopedagogos, fisioterapeutas, nutricionistas e musicoterapeutas. Passados pouco mais de dois anos de atuação, a Clínica Mundos se expande por Pernambuco – em 2025, chegou a Carpina, Vitória de Santo Antão e Olinda.

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