Há exatos 200 anos, em 7 de novembro de 1825, passava a circular pelas ruas do Recife um pequeno folheto, medindo 24,5 por 19 cm, registrando notícias de compras, vendas, leilões, aluguéis e movimentações do porto.
Seu fundador, o tipógrafo Antonino José de Miranda Falcão, não sabia que estava dando início a uma tradição que atravessaria séculos e chegaria a este presente, em um ambiente digital no qual você, leitor, lê agora este texto.
Hoje, o Diario de Pernambuco é o jornal em circulação mais antigo da América Latina e o mais longevo escrito em língua portuguesa ainda em funcionamento. É, ainda, a empresa privada mais antiga em funcionamento no Brasil, superada em longevidade apenas pelo Banco do Brasil, de natureza pública.

Em dois séculos, mais do que testemunhar as transformações do Recife, o Diario ocupou diversos pontos da cidade — embora muitos se recordem, naturalmente, do imponente prédio da Praça da Independência.
O jornal também se adaptou às constantes mudanças da comunicação. Muito antes da chegada do digital, já havia passado por outras revoluções que, em seu tempo, representaram grandes inovações: o telégrafo, o linotipo e os primeiros passos da informatização.
As primeiras sedes do Diario de Pernambuco
Aquele simples folheto de quatro páginas saía de uma modesta oficina tipográfica na Rua Direita, no bairro de São José, hoje uma tradicional rua de comércio popular.

Seus anúncios, porém, eram recebidos em diferentes endereços: no Botequim da Praça (atual Praça da Independência), na Rua do Rosário, na Boa Vista; e no Largo da Matriz, um logradouro hoje inexistente em Santo Antônio. Assim, desde o início, o Diario já estava ligado a três pontos centrais da cidade.
Em seu terceiro ano de funcionamento, a gráfica mudou-se para a Rua das Flores e, em 1831, para a Rua da Soledade — então um lugar remoto, ainda não totalmente urbanizado.
Essas mudanças sucessivas revelam certa instabilidade: Miranda Falcão ainda buscava garantir a continuidade da folha. Faltavam-lhe, com frequência, materiais de impressão, e ele recorria a outras oficinas para não interromper as edições.
Num Brasil recém-independente, onde a imprensa também dava seus primeiros passos, muitos periódicos surgiam e desapareciam rapidamente. O Diario, no entanto, resistiu — sobretudo porque nasceu com um tom sóbrio e de serviço, sem teor opinativo, o que o tornou mais imune às turbulências políticas da época.

Entre 1832 e 1834, o jornal funcionou ainda na Rua do Sol, em São José, e no Pátio da Matriz, em Santo Antônio. Neste último, diz-se que o “Diario” ocupava uma “casa de porta larga”. Foi ali que Miranda Falcão se despediu do jornal e seguiu para o Rio de Janeiro.
Um grande jornal do Império, diretamente da Rua das Cruzes
Com o novo proprietário, Manuel Figueroa de Faria, oriundo de uma família ligada à arte tipográfica e edição de livros, o jornal ganhou oficinas próprias na Rua das Cruzes. Um século depois, em 1925, a via seria rebatizada como Rua Diario de Pernambuco, nome que conserva até hoje.
Figueroa modernizou a tipografia, imprimindo edições com material de alta qualidade. No cabeçalho, o jornal passou a exibir as armas e bandeiras imperiais, símbolos que permaneceriam até a Proclamação da República.

Nessa fase, o jornal cresceu em tamanho, atingindo 72 x 55 cm, e instituiu edições de domingo com seções literárias — nelas, surgiu o primeiro romance em “folhetim”, “O Brasieiro”, embrião das telenovelas brasileiras.
Agentes de distribuição passaram a atuar de Alagoas ao Pará, transformando o Diario em instrumento de integração regional. Algumas fontes afirmam que 1858 foi o auge do jornal, quando se tornou o mais completo do Império.
Permaneceu na Rua das Cruzes até 1870, quando se transferiu para a Rua do Queimado, atual Rua Duque de Caxias, encerrando ali o século 19.

Pioneirismo tecnológico no Nordeste
Com a introdução do telégrafo no Brasil, em 1852, o Diario criou a seção “Telegramas”. A tecnologia, que transmitia informações por pulsos elétricos via cabos submarinos, revolucionou a velocidade da comunicação no país.
Na década de 1870, com o primeiro cabo telegráfico vindo da Europa — cujo ponto de chegada ficava no Recife —, o jornal contratou suas primeiras agências internacionais, Havas e Americana, passando a receber notícias do mundo em questão de horas.

Foi também pioneiro na introdução da primeira linotipo do Nordeste — uma máquina que fundia linhas inteiras de texto a partir de um teclado, elevando a produtividade de forma significativa. Inventada por Ottmar Mergenthaler em 1886, a linotipo revolucionou o modo de imprimir jornais e livros.
A Pracinha do Diario
Em 1901, o jornal foi vendido a Francisco de Assis Rosa e Silva, que foi senador, governador e vice-presidente da República. Sob sua gestão, o Diario mudou-se finalmente para a Praça da Independência.
Inspirado pelas reformas urbanísticas do Rio de Janeiro, onde vivera durante o período em que ocupou a vice-presidência, Rosa e Silva mandou erguer um prédio de três andares, algo ainda incomum no Recife da época.

O edifício do Diario tornou-se um marco da arquitetura eclética, ganhando depois um relógio que tocava e, por muito tempo, serviu de referência para quem circulava pela região.
Em 1945, já sob o comando de Assis Chateaubriand, dono da cadeia de veículos Diários Associados, ocorreu um dos episódios mais marcantes de sua história: a polícia do Estado Novo matou o estudante de Direito Demócrito de Souza Filho na sacada do prédio, fato que se tornaria símbolo da luta pela democratização no Brasil.
Nos anos 1970, vieram mudanças significativas na produção: o antigo sistema de prensas de linotipo em chumbo deu lugar, gradualmente, à impressão offset. Foi também nesse período que o jornal passou a contratar grandes agências internacionais, como France Presse, Reuters e Associated Press.

No final dos anos 1980, iniciou-se a informatização da redação, com terminais de computador conectados às centrais das principais agências de notícias do Brasil e do mundo.
Na mesma década, o Diario começou a publicar uma página semanal dedicada à informática — acompanhando o lançamento do primeiro computador 100% pernambucano, o Corisco. Suas máquinas informatizadas foram atualizadas em 1998.
Diario, do prelo às mídias digitais
Em julho de 2004, a redação do Diario de Pernambuco deixou a sede onde permaneceu por 101 anos e mudou-se para o prédio dos Diários Associados, em Santo Amaro, bairro que hoje abriga alguns dos principais veículos de comunicação do Estado.
O prédio histórico foi adquirido pelo Governo de Pernambuco e chegou a ser cogitado para uso do Porto Digital, por meio de uma concessão que não chegou a se concretizar. Atualmente, o edifício está em obras para abrigar a Secretaria de Cultura do Estado.

Na Rua do Veiga, o Diario acompanhou o vertiginoso crescimento das mídias digitais, que passaram a influenciar profundamente a forma como a sociedade se informa e se relaciona com o mundo. Foi um dos veículos do Estado que mais rapidamente compreendeu a relevância das redes, reunindo hoje quase 4 milhões de seguidores em suas plataformas.
Durante esse período de transformação, o jornal deixou o grupo Diários Associados e passou a integrar o Grupo R2. Instalou-se então na mesma casa do Porto Digital, o Bairro do Recife, em um sobrado centenário na Avenida Marquês de Olinda. O Diario, vale ressaltar, sempre dedicou amplo espaço às novidades do distrito de inovação em suas páginas e redes.
De volta a Santo Amaro, sob a gestão do Grupo Diario de Pernambuco, o jornal celebra 200 anos em um momento profundamente transformador para a comunicação global, especialmente para o jornalismo local, em tempos de mudanças nos modelos de financiamento e de avanço da desinformação.
A chegada à marca de dois séculos demonstra o quanto Pernambuco tem uma história, uma identidade e um protagonismo singulares. Fosse no século 19 ou agora, ter uma comunicação pujante é essencial para divulgar o desenvolvimento que se produz — sobretudo no Nordeste, historicamente marcado pelas desigualdades regionais.
Em 2024, o acervo do Diario foi reconhecido como patrimônio cultural material do Brasil, por lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Atualmente, o vasto arquivo passa por um novo processo de digitalização com scanners de última geração no Laboratório de Tecnologia do Conhecimento da Universidade Federal de Pernambuco. Ao fim, todo o acervo poderá ser acessado diretamente pela página do jornal.

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